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A evolução da música sertaneja

Escrito por Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R.

06 JUN 2024 - 10H00 (Atualizada em 06 JUN 2024 - 16H27)

A música sertaneja ou caipira, como se falava antigamente, sempre foi muito mais do que apenas som, trazendo aos lares brasileiros histórias que nunca seriam registradas em livro. Quando este estilo surgiu, no início do século XX, 70% da população brasileira vivia no campo, constituindo um Brasil agrário/rural, onde o analfabetismo imperava, situação que tornava muito difícil o registro de sua vida, de como o sertanejo interpretava o mundo em que vivia e sua relação com a sociedade da qual fazia parte.

A música caipira herdou elementos dos portugueses e de algumas tradições culturais típicas dos indígenas, se desenvolvendo nas rodas das festas juninas, quando na roça os colonos dos sítios e fazendas se reuniam para comemorar a colheita e se confraternizar, com a tradição daqueles que hoje são chamados de “santos juninos”, Santo Antonio, São João e São Pedro e São Paulo.

A música caipira a princípio tinha como tema a natureza, e após alguns anos começou a contar histórias espetaculares falando de amor, traição, crime e muita desgraça ou tragédias. Algumas letras, como a do Luar do Sertão, são obras tão bem acabadas que poderiam ocupar um espaço na Academia Brasileira de Letras.

Primeira gravação

Na história da música caipira muitos nomes se destacaram, mas um que não pode ser esquecido é o de Cornélio Pires, jornalista, etnógrafo e folclorista brasileiro.

Voltando a Tietê, sua terra natal, no interior de São Paulo, começou a catalogar e registrar as letras das músicas, encabeçando um projeto de gravar o primeiro disco de Música Caipira no Brasil. Ele passou a viajar pelo interior paulista até que conseguiu juntar um grupo de músicos, batizado de Turma Caipira. Entre os membros deste grupo estavam Caçula e Mariano, que formariam a primeira dupla sertaneja a fazer sucesso no país. Mas o jornalista precisou travar uma batalha contra as gravadoras da época que não se interessavam pelo sertanejo. Além de não dar lucro, quem iria se interessar por músicas de um bando de “caipira” que nem sabia falar direito o português?

Cornélio Pires juntou dinheiro através de empréstimos e alguns patrocinadores, conseguindo finalmente gravar a primeira música sertaneja em disco, em 1929. A canção intitulada “Jorginho do Sertão” era cantada por Caçula e Mariano, contando a história de Jorginho, um caipira que capinava café que teve a chance de escolher uma das três filhas de seu patrão para casar. O disco foi um sucesso estrondoso e muitas pessoas, que não tinham nem energia elétrica em suas casas, compraram a relíquia para guardar.

O tempo foi passando e com o avanço do rádio, sobretudo, nos anos de 1940/1950, com a expansão da energia elétrica para o interior, chegando a muitos rincões do Brasil, o Sertanejo Caipira virou a música, assim como o samba, que mais expressava o modo de vida da população brasileira.

As letras, compostas aos montes após o primeiro disco, contavam as histórias do campo, falavam das comidas típicas, da vida dos viajantes pelo interior brasileiro, da natureza e de outras tradições e hábitos típicos da cultura caipira.

Antes disso, tentando compreender a psicologia do sertanejo, o escritor e jornalista Euclides da Cunha (+1909), através de sua famosa obra “Os Sertões”, havia feito um ensaio revelador sobre a formação do homem brasileiro.

Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de origem europeia fossem os legítimos representantes da nação. Euclides da Cunha mostrou que dentro de cada um de nós existe um sertanejo e que somos todos defensores da nossa cultura, onde uma das mais fortes manifestações culturais é a música sertaneja.

Evolução ou involução?

O sertanejo no ponto de vista de uns evoluiu muito com a introdução de instrumentos eletrônicos e, sobretudo, com a introdução de temas mais apropriados com a realidade dos moradores das cidades, uma vez que a partir dos anos de 1970, a população começou a se mudar para as cidades e hoje 85% da população brasileira vive nos mais de 5,4 mil municípios do país.

Para os puristas, porém, o gênero passa por um processo de involução por causa de estilos como o que por muitos é chamado de “sertanejo universitário”.

Certo é que, o sertanejo venceu a invasão de música estrangeira, especialmente aquela vinda dos Estados Unidos e hoje sete dos dez artistas mais ouvidos da década no Brasil são sertanejos e o gênero também domina a lista das músicas mais ouvidas dos últimos 10 anos, segundo a plataforma Spotify.

A plataforma que chegou ao país em 2014, neste mês, divulgou dados de consumo musical dos brasileiros na última década. Liderada por Marília Mendonça (1995-2021), a lista de artistas mais populares no período tem, ao todo, sete nomes no sertanejo e no ranking das músicas mais ouvidas, só duas fogem à regra com um rap romântico e uma estrangeira do cantor britânico Ed Sheeran.

De acordo com o Spotify, o número de músicas de artistas brasileiros presentes na plataforma aumentou em 656% em dez anos, e o volume de plays nessas faixas teve um crescimento de 240 vezes no período. Os dados mostram que, em média, mais de 60% do consumo de artistas brasileiros no Spotify acontece dentro do próprio país. Jovens revelações da música sertaneja como Ana Castela chegam a realizar até 25 shows por mês, e cachês de duplas e cantores consagrados chegam a valores estratosféricos.

O Gênero Sertanejo atravessou décadas, conquistou gerações e nunca esteve tão em evidência dentro e fora do Brasil como atualmente. Um fator que ganhou destaque nos últimos tempos, foi a presença das mulheres no cenário sertanejo, rompendo com o predomínio masculino.

Novos estilos vão sendo inseridos ao som, muitos deles para agradar o consumismo do público que também se transformou. E, nos próximos anos, a tendência é que o estilo siga mudando, se “atualizando”, porém, a essência e a raiz do estilo sertanejo, de décadas, estão cravadas na história, e faz parte da geração de cada um.

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