A Pastoral Carcerária Nacional e a Pastoral Carcerária Estadual do Amazonas publicaram uma nota por ocasião dos últimos massacres ocorridos nos presídios do Estado, que deixaram ao menos 57 mortos e repete um cenário semelhante ao de 2017.
Veja íntegra da nota.
"É na dor do luto e na esperança da luta por uma vida libertada do sistema prisional que a Pastoral Carcerária Nacional vem se posicionar frente a mais um massacre fruto do aprisionamento em massa, do descaso com vidas tidas como descartáveis, da ganância de empresas privadas e do genocídio protagonizado pelo Estado brasileiro.
Desde domingo, (26/05), quando 15 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, a contagem de corpos não cessou. Nesses últimos dias, ao menos 55 pessoas foram encontradas sem vida no Compaj e em outras três unidades prisionais do Amazonas: IPAT, CPDM 1 e UPP – sem contar o número de feridos -, em um episódio que nos remete diretamente à série de massacres de 2017.
Essas mortes não acontecem por conta da tão alardeada briga de facções, narrativa traiçoeira que despeja sobre parcelas da população prisional a responsabilidade por episódios que são as consequências inevitáveis de um sistema prisional cuja função principal é a produção de dor, sofrimento e mortes; e sim pela manutenção da lógica de encarceramento em massa e banalização das vidas, de aprisionar e exterminar uma população indesejável, em sua maioria pobre e negra, o que reafirma a responsabilidade inequívoca do Estado pela barbárie.
Em nota feita em 2017, quando ao menos 56 presos foram mortos no Compaj, junto a outros 75 em outros presídios do Amazonas, Roraima e Rio Grande do Norte, a Pastoral Carcerária já afirmava: “Se a opção que alertávamos há tempos era pelo desencarceramento ou barbárie, o Estado de forma clara e reiterada optou pela barbárie.” Esta se materializa tanto nas violações cotidianas e nas mortes naturalizadas pelas estatísticas, como nos massacres em massa do passado e do presente. Como pontuado na época, “já não se trata mais de uma crise, mas de um projeto.”
O que acontece em Manaus agora, assim como os massacres de 2017, o Massacre do Carandiru em 1992 e tantos outros, não são uma exceção do sistema prisional, e sim parte do seu funcionamento. Não se trata, portanto, de uma ausência do Estado, mas de sua presença, por meio de um gigantesco sistema de encarceramento e controle, que coloca o Brasil na posição de 3º país que mais encarcera no mundo.
Leia MaisDisputa em facção criminosa deixa 55 mortos em presídios no AmazonasAs mortes destes últimos dias ocorrem em diferentes unidades prisionais privatizadas, todas administradas pela mesma empresa, a Umanizzare. Em relatório divulgado em 2017 o Ministério Público do Amazonas revelou que a empresa recebe do Estado R$ 4,7 mil por preso, valor muito acima da média nacional.
E ainda, mesmo com a grande quantidade de mortos nas unidades da Umanizzare em 2017, o Governo do Amazonas, em 2018, prorrogou os contratos com a empresa. Apenas para o Compaj, unidade com maior número de mortos, o Estado paga um valor mensal superior a 5 milhões de reais.
Em 2014, a empresa utilizou parte do dinheiro recebido para realizar doações significativas para campanhas de candidatos ao Governo do Estado e à Assembleia Legislativa. Que interesses têm a Umanizzare em certos mandatos e projetos pautados? Preocupada com o avanço da privatização dos presídios, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo pontuou, sobre a relação imbricada entre o interesse das empresas em prisões e a aprovação de projetos punitivistas: “aliados (...) operam uma lógica perversa em que, quanto mais presos houver, mais dinheiro essas empresas recebem, afinal, transforma-se a gestão prisional em fonte de lucro e os presos em mercadoria”.
Mesmo com grandes volumes de verbas, as unidades privadas se encontram em condições absolutamente degradantes, e em regra são as famílias que fornecem itens básicos para garantir a sobrevivência das pessoas encarceradas, evidenciando como não há presídio - seja público ou privado, com maior ou menor gasto - capaz de garantir a vida e a integridade dos seus custodiados.
Em nota, a Umanizzare afirmou que “trabalha em conjunto com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária – SEAP no apoio necessário à retomada da normalidade dentro das unidades”. No entanto, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura realizou uma visita ao Compaj em fevereiro de 2018 e constatou, na normalidade do funcionamento da unidade, que havia racionamento de água, ausência de oferta de trabalho, insuficiência de colchões, falta de medicação, má qualidade dos kits de higiene e irregularidade na entrega, falta de horário e espaço adequados para a realização de visitas íntimas e religiosas com a privacidade e tempo necessários, cenário semelhante ao que se observa no cotidiano em cada presídio pelo país, na escuridão das celas fora do espetáculo dos massacres.
Em solidariedade às famílias de tantas vítimas do sistema prisional - as 55 que agora se foram e as mais de 700 mil que lutam cotidianamente para sobreviver em um sistema de produção de morte - a Pastoral Carcerária Nacional, guiada pela missão de Jesus de Nazaré de libertar as pessoas privadas de liberdade (cf.Lc 4,18), reafirma seu compromisso com a vida e reforça a importância de uma comoção social ampla frente a mais um caso de genocídio promovido pelo Estado brasileiro. Negligenciar essa luta necessária e urgente por um mundo sem prisões é compactuar com a barbárie".
.:: Recomeço de vida é possível para detentos
Fonte: Pastoral Carcerária Nacional
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