Por Revista de Aparecida Em Revista de Aparecida Atualizada em 14 NOV 2023 - 11H25

Olhares da devoção

"São pretos, brancos, pardos; são senhores e damas ricamente trajadas e pobres malvestidos; ministros de Estado, militares uniformizados ajoelham-se junto de um maltrapilho e com vela acesa nas mãos fazem suas orações e cumprem suas promessas. De fato, é uma fé viva, filial e simples” – Crônicas da Comunidade Redentorista de Aparecida, 1901

Thiago Leon
Thiago Leon
Romeiros trocam olhares com a Padroeira do Brasil diante do Nicho


Por Flávia Campos, Tatiane Carvalho e Victor Hugo Barros


Milhões são os devotos que visitam Aparecida para trocar olhares com a Mãe de Deus e nossa. João Alves, Felipe Pedroso e Domingos Garcia foram os primeiros a contemplarem o olhar sereno e bondoso da Padroeira do Brasil.

Para contemplar esse belo olhar, peregrinos caminham “por altos montes e altas serras”, vencendo “longes terras” para beijar os pés da Senhora Aparecida, muitas vezes para cumprir uma promessa depois de uma graça alcançada. Chegando ao Santuário, olham para a Virgem, rezam, agradecem pela graça recebida, mostram fotos daqueles que pediram orações, mas não puderam vir. Choram e confidenciam as dores e alegrias de suas vidas, entregando tudo nas mãos de Deus por meio da intercessão da Senhora Aparecida.

Acervo pessoal
Acervo pessoal
Devoto José Pacheco caminhou 220 quilômetros até Aparecida

“Em várias circunstâncias, o cristão é convidado a fazer promessas a Deus. O Batismo e a Confirmação, o Matrimônio e a Ordenação sempre as contêm. Por devoção pessoal, o cristão também pode prometer a Deus este ou aquele ato, uma oração, uma esmola, uma peregrinação etc.” (CIC, 2101).

Tocado pelo amor de Deus, Geraldo José Pacheco caminhou por mais de 220 quilômetros, vencendo a distância que separa Rio das Flores (RJ) – sua cidade – do Santuário Nacional. “Sou católico e devoto de Nossa Senhora Aparecida, como toda a minha família. Fiz a caminhada em agradecimento pela recuperação da minha saúde e da minha mãe. Foi a forma de retribuir a graça recebida por meio da intercessão de Nossa Senhora Aparecida. Voltamos a andar depois de termos sofrido um grave acidente de trânsito em 2001”, explica.

Durante o trajeto “marcado pela generosidade das pessoas”, como ele mesmo salienta, muitas foram as experiências que permitiram um encontro com Deus por meio de Sua Mãe Santíssima.

Minha experiência como peregrino, posso afirmar de todo o coração, que foi uma das melhores coisas que já me aconteceram em toda a minha existência, sem sombra de dúvidas! A chegada, após dez dias de jornada sozinho, refletindo, meditando, foi de muita emoção, que por alguns instantes eu não acreditava que ali estava, por tudo que se passou”, afirma.

Foi exatamente na chegada que ele teve a maior das emoções: a troca de olhares entre ele e a Imagem de Nossa Senhora Aparecida, em seu Trono no interior da Basílica. “Ali, caí de joelhos e não parava de chorar. Foi um choro carregado de todos os melhores sentimentos que se pode ter. Agradecimento e gratidão foram os principais”, conta emocionado o peregrino.

Centro de Documentação e Memória (CDM) - Santuário Nacional
Centro de Documentação e Memória (CDM) - Santuário Nacional
Manto da Imagem de Nossa Senhora Aparecida com o Brasão da República, no altar-mor da Basílica Histórica de Aparecida

Geraldo é o retrato de um povo de fé. Em todas as regiões do Brasil, cada qual com suas características geográficas e culturais, a devoção a Nossa Senhora Aparecida está presente e é unânime.

Sob o manto da Padroeira, o Brasil se reconhece. E, ao longo do tempo, inseriu nele símbolos nacionais, como o brasão e a bandeira, como atestam antigas fotografias conservadas no Centro de Documentação e Memória do Santuário Nacional. Registros de uma devoção que atravessa o país e que move fiéis rumo à Capital Espiritual do Brasil.

Silene Aparecida Nunes, que leva a devoção à Padroeira em seu nome, conheceu desde cedo esse sentimento. Natural de São Caetano do Sul (SP), ela herdou a devoção de seus pais. “Meu pai era motorista de ônibus e trazia várias romarias. Uma ou duas vezes por ano ele trazia minha mãe, minha irmã e eu. Era uma alegria para mim. Eu tinha seis, sete anos e era uma alegria vir a Aparecida”, rememora.

Foi a fé na Virgem Maria que a fez pedir dispensa de um trabalho estável, que realizava há mais de 20 anos, para que ela pudesse morar em Aparecida. Para ela, a vinda para a Terra da Padroeira foi um verdadeiro milagre, originado a partir de uma troca de olhares entre a Mãe de Deus e sua devota.

“Um dia eu vim aqui em Aparecida junto com a minha mãe. Nós chegamos aos pés da Imagem e eu contei para ela esse meu sonho, esse meu plano de vir para cá. E, se fosse da vontade de Jesus, que ela me ajudasse a conseguir realizar. Não encontrei nenhum grão de areia no meu caminho para me atrapalhar na realização desse sonho”, recorda Silene.

Carlos Rodrigues
Carlos Rodrigues
Silene Aparecida Nunes mudou-se para a Terra da Padroeira movida pela devoção


Com apenas um cômodo construído, ela e sua mãe mudaram-se para Aparecida. “Já era o sonho realizado, mas como Nossa Senhora é uma mãe muito carinhosa, ela ainda me chamou para trabalhar na Casa dela. Eu me emociono porque essa foi mais uma bênção. Nunca imaginei que um dia pudesse trabalhar aqui, e trabalhei por 26 anos, me aposentei aqui e foram os anos mais felizes da minha vida e da minha mãe”, afirma a ex-colaboradora do Santuário Nacional.

Mesmo após a aposentadoria, ela continua servindo a Virgem Santíssima distribuindo, nas missas, a Santíssima Eucaristia, “presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho” (CIC, 1378), “fonte e centro de toda a vida cristã” (LG,11). “É difícil ficar longe da Casa da Mãe, né?! Então hoje eu sou ministra extraordinária da Eucaristia, sirvo aqui no Santuário, fico muito feliz em servir ao Altar do Senhor e distribuir a Sagrada Comunhão aos devotos que aqui vêm todos os dias e para mim é uma emoção e um sonho realizado. Agradeço muito a Nossa Senhora”, complementa.

“Quando eu era pequena, na hora de passar na frente da Imagem, meu pai me pegava no colo e era sempre um encantamento por ela”, conta a devota. Ainda hoje, todos os dias, ela faz questão de olhar para Nossa Senhora. “Essa troca de olhares realmente é muito forte. É uma Imagem, mas é um símbolo que Deus deu para os brasileiros”, declara.

A 1,5 km do Santuário Nacional e a 900m da Basílica Histórica, a troca de olhares entre a Padroeira e 21 monjas carmelitas também acontece, mas de outra forma. Vivendo em regime de clausura no Carmelo de Aparecida, elas acompanham as celebrações da Novena por meio da televisão, meio de comunicação que habitualmente não faz parte da rotina do convento.

Carlos Rodrigues
Carlos Rodrigues
Irmã Amanda, religiosa carmelita que vive em regime de clausura, no locutório usado para acompanhar a Novena e Festa da Padroeira


A vida no Carmelo, por ser uma vida de clausura, de monjas, não comporta televisão. Nós assistimos a cada três meses, mais ou menos, um filme, algum documentário, mas é muito raro. Com exceção da Festa da Padroeira. Então ela tem um destaque no nosso ano, porque são treze dias que nós assistimos televisão para podermos participar”, confidencia a Ir. Amanda Tereza de Jesus Infante e da Imaculada Conceição, monja carmelita que reside no Carmelo de Santa Teresinha do Menino Jesus. “Nós abrimos essa exceção para podermos nos unir mais ao povo de Deus e, com o povo, receber as graças”, explica.

União que não vem apenas por meio da televisão, mas, sobretudo, da fé. Apesar de não estar fisicamente na Casa da Padroeira do Brasil, a comunidade se une em prece, como verdadeiras “romeiras espirituais”.

Thiago Leon
Thiago Leon
Manto da Novena e Festa da Padroeira confeccionado pelas Irmãs Carmelitas de Aparecida


Quando está chegando o mês de outubro, perto da Festa da Padroeira, nossos horários são todos reorganizados para a gente poder assistir a Novena da noite. Tem toda uma expectativa de como será a Festa, quem serão os pregadores, se virão muitas pessoas. E o bispo deu uma responsabilidade extra: por estarmos em terras marianas, nós rezarmos pelos romeiros. E isso ele sempre nos cobra: ‘Irmãs, as senhoras estão rezando pelos romeiros?’ Então, quando chega outubro, dobra o nosso trabalho, rezando mais e participando pela televisão”, garante a religiosa.

Além das orações, o trabalho das religiosas também faz a Festa acontecer. Anualmente, as religiosas confeccionam o manto utilizado pela imagem que é venerada no Altar Central, seguindo sempre a temática celebrada no novenário.

“Nós presenteamos Nossa Senhora com este modelo. Então ele é feito peça por peça, pedrinha por pedrinha, com muita oração, para depois agradecer tudo o que ela faz por nós, pelo povo brasileiro, pela intercessão dela junto a Jesus”, comenta a monja.

A devoção que ingressa as portas do Carmelo também transcende as fronteiras internacionais. Vinda do Haiti, Marie Edèle Théodule não segurou as lágrimas ao trocar olhares com a pequena Imagem de Nossa Senhora Aparecida na imensidão do Santuário Nacional.

“Eu vim do Haiti com muita ansiedade. Cheguei diante da Virgem, chorei muito porque carregava meu país nos meus braços e no meu coração. E no mesmo instante senti que a mão todo-poderosa de Nossa Senhora já estava em meu país. Então todas as minhas ansiedades foram embora. E desde então sinto uma paz interior. Isso é um grande milagre que Deus e a Nossa Senhora realizaram na minha vida este dia que eu estava na frente dela e por isso hoje estou muito, muito feliz para viver essa experiência”, comenta emocionada.

José Cláudio Souza
José Cláudio Souza
Grupo de peregrinos do Haiti em visita ao Santuário Nacional. Entre eles, Marie Edèle Théodule e Charles Joslin


O sentimento é compartilhado pelo seu compatriota Charles Joslin. Com os olhos fixos na Padroeira do Brasil, o haitiano pediu a intercessão da Virgem e agradeceu pela sua intercessão poderosa.

“Vivo esta bela experiência e desejo revivê-la diante da Imagem, senti uma grande transformação. Estou verdadeiramente transformado. Lembrando de todas as graças e bênçãos recebidas dela, percebi que realmente existe esse contato entre ela e eu quando estava lá na frente dela”, reflete.

São histórias de conversão e encontro com Deus pelas mãos amorosas de Maria que, há mais de três séculos, todos os dias são testemunhadas diante da Imagem de Nossa Senhora Aparecida. Por meio da troca de olhares da Senhora Aparecida com seus devotos, ela renova sempre o convite feito nas Bodas de Caná e ainda hoje transmitido a toda a Igreja: “Fazei tudo o que Ele vos disser" (Jo 2,5).

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