Por Cristiano Luiz da Costa & Silva Em Igreja

O Reinado do Papa Leão XIII: Doutrina Social da Igreja e Capitalismo. (1878-1903)

A Igreja Católica e seus pontífices começaram lentamente a aceitar o mundo moderno com o papa Leão XIII. No ano de 1878, após breve Conclave Papal, o Cardeal Gioacchino Vincenzo Pecci, era eleito Papa. Tratava-se de uma pessoa importante no pontificado de Pio IX, pois durante o período de Sé-Vacância (período entre a morte de um Pontífice e a eleição de seu sucessor), Pio IX fez do Cardeal Pecci, Cardeal Carmelengo, o que curiosamente quebrou o antigo costume de que o Cardeal Carmelengo jamais era eleito Papa.

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Leão XIII era marcado por um discurso brando, divisor de opiniões, porém, não abandonou o conservadorismo papal, reafirmando as orientações do Concilio Vaticano I e o “Silabo de Erros”, do papa Pio IX. Embora ainda Mantendo a linha conservadora, a ponto de declarar, em 1885, na Encíclica Immortale Dei que a democracia era incompatível com a autoridade da Igreja, ele deu uma série de passos construtivos no relacionamento com diversos governos europeus. É neste contexto, que as inovações técnicas, que ao longo do século XIX, se espalham por toda a Europa, vão delimitar todos os rumos da produção, numa sociedade formada de pessoas que vivem na alma e no corpo os efeitos de um salto gigantesco em termos científico-tecnológicos.

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL trouxe avanços inegáveis, especialmente através da imensa capacidade de produção, através da máquina. Mas esse conjunto de transformações trouxe também efeitos negativos. Se for verdade que o poder das máquinas multiplicou em muito a capacidade de produzir bens, alimentos e equipamentos, também é verdade que os benefícios de semelhante progresso não foram equitativamente distribuídos. Os “tempos modernos” ou a “era da máquina” vieram acompanhados, simultaneamente, de um enorme potencial produtivo e de uma crescente desigualdade social.

 

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A indústria nasce sob o domínio do sistema capitalista de produção e sob a orientação da filosofia liberal. A livre concorrência e o lucro acelerou a economia capitalista. No mesmo campo, como forças desiguais, patrões e operários lutam por seus interesses. Uns detêm o capital e os meios de produção, outros apenas a força de trabalho. Em tais condições, instala-se a lei do mais forte. Na verdade, o liberalismo econômico é um jogo de cartas marcadas, no qual os mais fortes vão devorando os mais fracos.

Em tais condições, a realidade apresenta-se sob um duplo aspecto: por um lado, as fábricas crescem, multiplicam-se por toda parte; Por outro lado, os trabalhadores, primeiramente expulsos de suas terras, vêem-se, depois, submetidos às condições de trabalho e de vida extremamente precárias e desumanas. A riqueza de poucos é a contra-face da pobreza de muitos.

E dessa forma, a mão-de-obra da classe dos trabalhadores, vai ocupar os postos de trabalho nas nascentes fábricas. Dentre os trabalhadores, nas cidades destacam-se as massas vindas dos campos, com o êxodo rural e os artesãos, falidos pela injusta concorrência de preços com as nascentes fábricas e imigrantes judeus e irlandeses. Dentro das condições de trabalho, esses grupos submetem-se à tarefas intensas e longas jornadas de trabalho, em troca de baixíssimos salários, e condições precárias de subsistência.

Assim sendo, essas mudanças na estrutura econômica em âmbitos continentais, a sede por lucro e o grande avanço dessas tecnologias vão modificar o cenário europeu dos anos oitocentos, marcando o surgimento de novas relações de trabalho e o novo cenário social.

O Papa Leão XIII começa, no fim do século XIX, uma intervenção mais clara e definida na questão social. A encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), apesar de ser dirigida À Igreja, universalmente, responde à anseios da situação da classe operaria europeia. É a primeira vez que um documento do magistério católico dedica-se integralmente à chamada “questão social”. Isto não quer dizer que os problemas sociais estivessem ausentes das publicações anteriores na história da Igreja.

O próprio Leão XIII, na introdução da Rerum Novarum, refere-se à abordagem do tema, em encíclicas precedentes sobre soberania política, liberdade humana e constituição cristã dos Estados. Mas, enquanto anteriormente essas questões apareciam de forma secundária, à margem de outros assuntos de maior relevância, agora o papa faz da condição social dos operários o tema central de sua carta.

 

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Leão XIII sublinha a importância da classe trabalhadora e seu direito de criar e organizar sindicatos para reivindicar a realização de seus legítimos interesses. Ele não só rejeita o socialismo e responsabiliza o capitalismo pela questão social, como também propõe uma verdadeira política social que inspirou a política trabalhista contemporânea.

Nota-se aqui uma mudança de enfoque ou de perspectiva: a Igreja, na pessoa do Papa, deixa em segundo plano os assuntos internos e volta-se para os problemas que afligem os trabalhadores da época. O olhar da Igreja dirige-se ao mundo exterior, identificando nele os principais desafios sociais à fé cristã e buscando alternativas para as contradições da sociedade em que vive. Em suas palavras Leão XIII expressou o pensamento social da Igreja e fez a defesa dos direitos dos trabalhadores no contexto da revolução industrial e do capitalismo em expansão.

O Papa questiona a realidade social, em uma sociedade que a grande riqueza se concentra nas mãos de um número reduzido de pessoas, que com sua riqueza dominam os trabalhadores, assemelhando-se a um estado de escravidão. Além disso, Leão XIII apresenta uma “descristianização” da sociedade, na distensão das relações entre a Igreja e o Estado e no comportamento das pessoas.

A partir da Industrialização e do mundo moderno, provocado pela Revolução Francesa e o Iluminismo, fragilizou-se as influências da Igreja Católica, como algo essencialmente “necessário” para a vida cotidiana das pessoas. Desta forma, é importante compreender até que ponto esta classe operária urbana freqüentava a Igreja e os sacramentos.

Outra questão que preocupava o Papa Leão XIII, era a Luta de Classes, pregado pelo Manifesto Comunista em 1848 por Marx e Engels. O Papa afirma que deve existir uma concordância das classes e não uma luta entre elas, e que o socialismo se torna uma libertação ilusória desta sociedade. A Igreja prega a harmonia entre as classes.

A partir dessa doutrina social, Leão XIII argumenta no sentido de que os ricos devem ajudar aos pobres, muito além da caridade. O papa afirma que o Estado deve desempenhar seu papel de diminuir as desigualdades sociais, que a prosperidade do Estado depende da atuação dos trabalhadores pobres, fazendo assim surgir um compromisso com a integridade e com a plena garantia de seus direitos, tanto espirituais como materiais.

Com esta preocupação, o papado passa a assumir, em seu magistério, uma postura mais clara para os diversos temas conflituosos da sociedade do século XIX. Leão XIII inaugura com estas críticas ao capitalismo e ao socialismo, um novo rumo de discussões na vida da Igreja. O Papa Leão XIII, em 1881, revela outra face dinâmica do seu pontificado. A abertura dos Arquivos do Vaticano à produção acadêmica, anteriormente sufocada pelo papado de Pio IX, fato esse que é aplaudido por historiadores Católicos e Protestantes.

Em um contexto em que a Igreja Católica ia ficando em segundo plano, cada vez mais à margem dos acontecimentos da história moderna, Leão XIII deixa como herança a Pio X, a concepção de que o papado não é instituição de arbitrariedade de conflitos políticos, sociais, econômicos. No fim de seu longo pontificado (1878–1903), Leão XIII conseguiria recuperar o prestigio do “representante de Pedro”, que havia se perdido em tempos difíceis.

Cristiano Luiz da Costa & Silva assinatura colunista

Escrito por
Cristiano Luiz da Costa e Silva (Reprodução/ Arquivo pessoal)
Cristiano Luiz da Costa & Silva

Historiador e professor de história na rede municipal de ensino na região do Vale do Paraíba (SP).

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