Jornal Santuário

Não hesite, apite!: conscientização social e orientação à mulher

Movimento conscientiza mulheres a respeito de assédios realizados em transportes públicos

Escrito por Carolina Alves

04 MAR 2015 - 14H25 (Atualizada em 09 MAR 2022 - 13H44)

O Brasil é o país que, em escala global, ocupa o sétimo lugar em feminicídios, isto é, violência fatal contra mulheres fomentada pelo conflito de gênero, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entretanto, o assassinato não é a única forma de violência feminina praticada corriqueiramente no país. Extensões dessa violência, como o assédio sexual, ainda são tópicos considerados polêmicos pelos cidadãos, enquanto se consolidam como problemas sociais, ocasionando sequelas irreparáveis às vítimas.

Em meados de março deste ano, uma onda de abusos sexuais em transportes públicos do estado de São Paulo, sobretudo trens e metrôs, tornou-se foco e motivo de debate nos veículos midiáticos e na população, que apontavam índices alarmantes sobre o assunto. Até abril de 2015, a Secretaria Estadual da Segurança Pública havia registrado, em toda a região, 285 casos de importunação ofensiva ao pudor, quando o assédio ocorre em locais públicos. Neste quadro, 17 aconteceram dentro de coletivos e 13 nos pontos de ônibus. Ainda assim, as mulheres não se sentem devidamente seguras para denunciar a agressão. De acordo com relatos de agentes de segurança que patrulham o metrô paulista, 80% das vítimas em que o fato é presenciado por eles, optam por não prestar queixa.

Leia MaisValores em ruínasO assédio sexual, por vezes, é limitado à concretização do ato sexual sem consentimento do outro (estupro), contudo, é observado como qualquer atitude que induza o indivíduo ao constrangimento. Sendo assim, até mesmo a famosa “cantada” pode ser considerada um ato de assédio.

Segundo pesquisa elaborada pela jornalista Karin Hueck, por meio do site Olga, em colaboração à campanha 'Chega de Fiu Fiu', 83% das mulheres entrevistadas alegaram que não acham legal ouvir cantadas, enquanto 81% já se privou da realização de alguma atividade, deixou de frequentar ou simplesmente passar em frente a um local temendo o assédio. Ainda, 73% das respondentes não reagem às cantadas por medo das consequências e 85% já foram acariciadas inadequadamente.


Em reação à agressão, diversos movimentos foram criados, a fim de auxiliar as mulheres a lidar com situações de assédio. Um deles é o Não hesite, apite!, iniciativa da Associação das Advogadas, Estagiárias e Acadêmicas de Direito do Estado de São Paulo (ASAS) e a Casa Isabel, centro de apoio à mulher, a criança e ao adolescente vítimas de violência.

A ação partiu da necessidade de suprir a lenta resolução do poder público à questão, orientar as mulheres sobre métodos de defesa dentro da legalidade, além de alertar a sociedade à repressão da violência. A ideia consiste na distribuição de apitos às mulheres em espaços públicos, objeto singelo, mas extremamente audível. “O apito é símbolo de ordem, de comando. É um instrumento pequeno, fácil de transportar, não requer instruções de uso e faz um barulho tremendo, capaz de chamar a atenção mesmo em ambientes amplos. O nome da iniciativa foi criado pensando na facilidade de compreensão dos diferentes públicos que receberiam a mensagem. É curto, objetivo e de fácil entendimento”, explicam a vice-presidente e a secretária geral do ASAS, Joenice Barba e Maria das Graças de Mello.

A entidade, no entanto, não se restringe ao oferecimento do apito. As participantes apostam também no diálogo como forma de conscientização. “A entrega do apito é apenas uma parte do processo. Antes, explicamos a razão do movimento, oferecemos um folheto com orientações sobre como se defender legalmente em casos de violências e, no final da abordagem, entregamos o apito cor-de-rosa”, esclarecem as dirigentes.


A execução do projeto já ganhou espaço fora de São Paulo. Cidades como Osasco, Bragança Paulista e Barueri já receberam os Dias de Apitação. A meta, porém, é a difusão em nível intermunicipal, bem como completar a marca de um milhão de apitos oferecidos. “Já entregamos mais de 150 mil apitos em pouco mais de um mês de movimento. E aonde chegamos, já somos reconhecidas e até abordadas, tanto pelas mulheres, como pelos homens. Essa resposta, no nosso entendimento, significa que a sociedade e, em especial as mulheres, estão recebendo e compreendendo a nossa mensagem”, pontuam.

Leia Mais"Não é você, é ele!": Série de vídeos discute violência contra a mulher Outra solução apresentada foi a demarcação do vagão exclusivo para mulheres no metrô em horários de fluxo mais intenso de passageiros, ou, como é mais conhecido, vagão rosa, aludindo à cor que detalha a repartição. O sistema já funciona no Rio de Janeiro (RJ), passou a vigorar no Distrito Federal em julho de 2014, foi proposta como Projeto de Lei em Belo Horizonte (MG), pelo presidente da Câmara Municipal, Léo Burguês, e instituída em São Paulo entre os anos de 1995 e 1997. Todavia, em todos os casos, a iniciativa não é efetiva, uma vez que diversos homens agem com indiferença aos avisos e embarcam nos vagões preferenciais.

Dessa forma, enquanto uma pequena parcela feminina aprova a instalação dos vagões rosa por se sentir mais segura e confortável, a maioria, composta por grupos que buscam a qualidade de vida da mulher, não os aceita como instrumento de combate ao assédio sexual nos transportes coletivos, mas um modo de culpabilizar e segregar em relação ao crime.

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