Por Mariana Mascarenhas - Redação A12 Em Brasil Atualizada em 17 AGO 2020 - 10H21

Mais de 100 mil histórias interrompidas!

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Dia 24 de março de 2020: a população mundial acompanhava atônita o surto de COVID-19 pelos quatro cantos do planeta e suas drásticas consequências em regiões como a Itália que, na mesma data, registrara um número de 919 mortes pelo novo coronavírus nas últimas 24h, batendo, até então, um novo recorde, e totalizando 9.143 mortes. Nesse mesmo dia, o Brasil registrava 15 óbitos nas últimas 24h, totalizando 92. Apesar da diferença nos dados, brasileiros se afligiam com o que poderia acontecer com o nosso país. Ruas e avenidas importantes ficaram desertas, estabelecimentos foram fechados e muitos se mantiveram confinados em suas casas.

Dia 8 de agosto de 2020: o Brasil atinge a marca de 100 mil mortes por COVID-19, com uma média diária de mais de mil óbitos, e há tempos ocupa o posto de segundo país com o maior número de mortos por coronavírus no mundo, atrás apenas dos EUA. Já a Itália registrou, no mesmo dia, 13 óbitos nas últimas 24h, totalizando cerca de 35 mil. Obviamente, trata-se de dois países completamente distintos quanto à sua população, distribuição geográfica, situação política, econômica e cultural, entre outras questões. Além disso, a pandemia atingiu primeiro o país europeu.

Nelson Antoine/ Shutterstock
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Homem observa as ruas vazias no bairro da Liberdade em São Paulo

No entanto, enquanto, na Itália, o medo era proporcional ao aumento do número de óbitos, aqui, uma parcela da população que teria condições para ficar em casa, rompeu a quarentena, promoveu festas proibidas, foi à praia, entre inúmeras outras atividades. A falta de alinhamento entre os governantes brasileiros também foi um grande entrave para a adoção de medidas que pudessem contribuir para a desaceleração da curva de infectados e de mortos, facilitando, assim, a flexibilização do confinamento por conta própria.

Outra questão a ser analisada também é a banalização do excesso de tragédias, exibidas exaustivamente pela mídia. No começo da pandemia, cada morte era motivo de preocupação para muitos, mas, à medida que a curva de contaminados e mortos apenas subia, houve uma naturalização da morte.

Leia MaisPandemia trouxe à luz patologias sociais vastas, disse Santo Padre"É terrível que morra uma pessoa por minuto de Covid-19", diz PapaVidas transformaram-se em estatísticas e o excesso imagético matou, em muitos, o senso de empatia com aqueles que choram a perda de seus entes queridos. A mídia necessita cumprir seu papel de informar os cidadãos; a questão é que, infelizmente, a estabilização da curva em cerca de mil óbitos diários, estabilizou, também, a indiferença por eles. Ao procurar o vocábulo “estabilizar” no dicionário Aurélio, encontramos a seguinte descrição: “firmar; fazer com que fique estável; tornar equilibrado, fixo, regular”. Mas é impossível associar tais termos à situação atual, equivalente à queda de três aviões boeings por dia, ou ainda a explosões diárias, como a que ocorreu no Líbano.

Além disso, é preciso pontuar que o Brasil possui um agravante que contribui para o caos: a desigualdade social. Segundo um levantamento da Folha de São Paulo, 65% das vítimas da COVID-19 morreram em hospitais públicos. Em cidades como São Paulo, por exemplo, marcada pelo alto contraste social, um levantamento feito pela Prefeitura apontou, em junho, que as regiões periféricas das Zonas Norte e Sul da cidade lideram o ranking de bairros com mais mortes causadas pelo novo coronavírus.

Uma pesquisa da Fiocruz, publicada em julho, ressaltou que a doença avança, rapidamente, nas regiões carentes de serviços básicos, caracterizadas pela pobreza urbana. Na cidade do Rio de Janeiro, a taxa de letalidade de 19,47% é mais do que o dobro em áreas ausentes de comunidades (9,23%). A todo momento, divulgam-se medidas preventivas de combate ao novo coronavírus, como o distanciamento social, uso de máscara e álcool em gel e a lavagem constante das mãos. Porém, o que para muitos parecem simples medidas, para outros é um desafio, já que mal possuem água nas comunidades em que vivem.

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Outros desafios são a exposição constante aos riscos de contrair a COVID-19, diante da necessidade de se locomoverem ao trabalho, ou procurarem emprego, e enfrentar as aglomerações dentro dos transportes públicos. Muitos chegam a contrair o vírus e seguem a rotina, sem saber a respeito e, quando vão ao hospital, já é tarde.

Paradoxalmente, enquanto muitos se expõem a tais riscos desejando estar em casa, outros, que possuem o privilégio de se protegerem, rompem o isolamento, simplesmente por tédio, e promovem festas e outros eventos, num total ato de irresponsabilidade. Eis um abismo não apenas econômico, mas também cultural, alimentado pela ignorância e pelo egoísmo.

Mais uma vez, a corda arrebenta para o lado do mais fraco, pois enfrentamos e enfrentaremos uma das piores crises econômicas da história recente, mas, mesmo em meio a tal cenário, observamos dados como os da ONG Oxfam, que apontou um crescimento de U$ 34 bilhões das fortunas de bilionários brasileiros.

Lamentar 100 mil histórias interrompidas pela COVID-19 não é menosprezar a interrupção de outras histórias por outras fatalidades, é refletir que o cenário poderia ser bem menos doloroso se não fosse o descaso de autoridades governamentais, o negacionismo, enfim, a falta do devido planejamento para cuidar da nação. Esta já está enferma há tempos, com os seus problemas crônicos, mas agora sucumbe a um mal que apenas faz ecoar o que a falta de cuidado e de amor ao próximo podem ocasionar.

Escrito por
Mariana Mascarenhas
Mariana Mascarenhas - Redação A12

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Atua como Assessora de Comunicação e como Articulista de Mídias Sociais, economia e cultura.

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