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Brasil

Sobre a situação racial no Brasil

No oitavo artigo da série "Cores da Nação", o Pe. Vinícius Ponciano, C.Ss.R. expõe a realidade do negro no Brasil

Escrito por Padre Vinícius Ponciano

17 NOV 2023 - 14H06 (Atualizada em 23 NOV 2023 - 11H56)

A escravidão no Brasil, bem como em qualquer outro lugar do mundo, é fruto da exploração colonial. O velho mundo colonial era bastante classista, excludente e não muito competitivo. No velho mundo colonial, não havia integração social. Assim sendo, o rico era rico e o pobre era pobre, "conforme a determinação de Deus".

No velho mundo colonial, quando o pobre era uma mulher ou um homem negro, a situação se complicava ainda mais. As mulheres e os homens negros da atual República Federativa do Brasil, mesmo sendo mulheres e homens libertos, ainda hoje não gozam dos mesmos benefícios sociais. No Brasil atual, líquido-moderno, gozam de privilégios os seguintes agentes sociais: os políticos, os juízes federais, os senhores de terra ou fazendeiros do agronegócio, os industriais, os banqueiros, os comerciantes, os profissionais liberais e os operários especializados.

Leia MaisA respeito da realidade racial brasileiraA indefinição do 'status quo' do negro brasileiroDemocracia Racial: Um conceito logicamente falaciosoE os negros? Onde eles ficam na atualidade fluida brasileira? Os negros encontram-se marginalizados nos mais variados guetos espalhados pelo Brasil afora.

Isto é, nas favelas. As mulheres e os homens negros são agentes marginais. Por mais que eles e elas se esforcem, jamais chegarão ao topo da pirâmide social brasileira que, por sua vez, é fortemente preconceituosa, racista e excludente.

As mulheres e os homens negros libertos, no Brasil, estão predestinados a pertencerem ao setor marginal da população. Elas e eles se tornaram subproletariados. E o abolicionismo? O abolicionismo, por sua vez, não significa nada, absolutamente nada, para a supremacia branca que desfruta de todos os benefícios sociais na sociedade brasileira.

Nas favelas, guetos brasileiros, os negros vivem aglomerados. Sem muitas opções, os negros brasileiros curtem o “desemprego permanente ou temporário, o parasitismo e a anomia geral para todos” (FERNANDES, 2007, p. 86). No Brasil, não há partilha das possibilidades. As discriminações raciais e sociais, no Brasil, tornaram-se um estilo de vida. Assim sendo, não há um futuro promissor para as mulheres e os homens negros brasileiros.

Tal situação é gerada pela “incapacidade da sociedade nacional de criar rapidamente uma economia capitalista expansiva, capaz de absorver os ex-escravos e os libertos no mercado de mão de obra” (FERNANDES, 2007, p. 87). No Brasil, ao invés de introduzir os negros no mercado de trabalho, “optou-se por expulsá-los para as periferias da ordem social competitiva ou para as estruturas semicoloniais herdadas do passado” (FERNANDES, 2007, p. 87).

No Brasil, de forma particular, o negro, mesmo sendo ele um indivíduo liberto, não possui nenhuma condição social. Relegado como negro, ou seja, a categoria mais baixa entre a população pobre, “o negro foi vítima, e continua sendo, da sua posição e da sua condição racial” (FERNANDES, 2007, p. 87). Nós, mulheres e homens negros brasileiros precisamos, urgentemente, de uma segunda Abolição. Precisamos pôr um fim na supremacia branca brasileira que nega nossa auto-afirmação como mulheres e homens negros.

Nós, por sermos mulheres e homens negros, não estamos predestinados à marginalidade social como tal. Basta de desigualdade social e racial. As evidências de desigualdades sociais e raciais no Brasil são inaceitáveis. “As mudanças na estrutura social que ocorreram na sociedade brasileira desde a abolição da escravidão até agora não tiveram efeitos profundos” (FERNANDES, 2007, p. 88) na vida real das mulheres e homens negros.

A concentração da riqueza, do status social, do prestígio e do poder encontram-se nas mãos das mulheres e homens brancos. No Brasil de hoje, os brancos continuam tendo mais oportunidades do que os negros.

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Os negros brasileiros não possuem uma mobilidade social ascendente. Impedidos de fazerem parte de uma sociedade competitiva, os negros brasileiros continuam sob o crivo da indiferença dos brancos. Vistos como coisas ou objetos irrelevantes, os negros não contam com a justa “partilha democrática” (FERNANDES, 2007, p. 89) das oportunidades, dos direitos, da justiça, da religião e da segurança pessoal e pública.

Leia MaisO abolicionismo brasileiro não aboliu os negros coisa nenhumaDepois da abolição: O preconceito contra negros ainda continua forte no BrasilQuais são as perspectivas futuras para os negros brasileiros?Os negros são privados das oportunidades econômicas e educacionais. “A estrutura racial da sociedade brasileira, até agora, favorece o monopólio da riqueza, do prestígio e do poder pelos brancos” (FERNANDES, 2007, p. 90).

Não podemos negar que a “supremacia branca é uma realidade no presente, quase tanto quanto o foi no passado” (FERNANDES, 2007, p. 90). A organização da sociedade brasileira, racista e excludente, “impele os negros para a pobreza, o desemprego ou subdesemprego, e para o trabalho de negro” (FERNANDES, 2007, p. 90).

A situação das mulheres e homens negros brasileiros é deplorável. Lamentavelmente, as mulheres e os homens negros no Brasil continuam sendo tratados como coisas e como indivíduos subalternos. Subalternizar as mulheres e os homens negros é o imperativo regente da supremacia branca brasileira. Discriminação racial e social é um câncer que nos acompanha desde o velho mundo colonial. Precisamos erradicá-lo o quanto antes.

As mulheres e os homens negros brasileiros não podem continuar sendo vistos como sujeitos marginais. As mulheres e os homens negros brasileiros, ao contrário do que se pensa, são importantes agentes sociais históricos. Os negros deram, e continuam dando, sua contribuição para o crescimento e o desenvolvimento do Brasil. O peso do preconceito racial sobre o negro brasileiro é tão relevante que ele “não consegue lutar contra a desigualdade racial” (FERNANDES, 2007, p. 92).

O branco não percebe o negro. O branco só percebe o negro quando ele reage diante de uma determinada situação preconceituosa ou inesperada. No Brasil tem preconceito de cor e discriminação de cor. Assim sendo, o “preconceito e a discriminação de cor impedem a existência e o surgimento de uma democracia racial no Brasil” (FERNANDES, 2007, p. 93).

A partir dessa exposição geral sobre a situação racial no Brasil, levando sempre em conta o elemento estrutural da situação racial brasileira, podemos concluir e afirmar que, no Brasil, o problema da cor da pele continua relevante e bastante complexo. A discriminação de cor continua sendo sustentada na sociedade brasileira.

Até quando teremos que conviver com isso? “Atitudes preconceituosas e comportamento discriminativo baseado na cor” (FERNANDES, 2007, p. 93) põem em risco todas as tentativas de reconstrução da identidade das mulheres e dos homens negros brasileiros.

Bibliografia

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos / Florestan Fernandes; apresentação de Lilia Moritz Schwarcz. – 2ª ed. revista – São Paulo: Global, 2007.

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