Espiritualidade

O dom de escutar a sabedoria na era do excesso informacional

Mariana Mascarenhas

Escrito por Mariana Mascarenhas - Redação A12

05 AGO 2021 - 08H38

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Em um mundo marcado pela cultura do instantâneo que, por sua vez, é cada vez mais fomentada pela exposição midiática frenética e constante, especialmente nos espaços virtuais, somos impelidos para um consumo desenfreado de informações, a ponto de nos dificultar uma análise crítica e profunda sobre o que é ou não verdadeiro. As imagens virtuais, muitas vezes, se tornam nosso único ou mais importante referencial de conhecimento do mundo, e, assim, nos aprisionamos em bolhas que vão aniquilando nosso contato com o mundo real, incluindo as pessoas que nos cercam. Estamos presentes num espaço real sem, realmente, estar.

Entre aqueles que estão próximos de nós, fisicamente, mas, ao mesmo tempo, distantes por um abismo que o universo virtual nos propõe, eu destaco o grupo dos idosos. Mestres da sabedoria e da experiência, eles têm muito a nos contar e nos ensinar com suas narrativas. Mas, eis a grande questão: para escutá-los, é preciso silenciar a mente e o coração, algo cada vez mais difícil em uma sociedade marcada por preocupações materialistas e supérfluas. A própria instantaneidade das redes sociais está dificultando a escuta, já que muitos querem apenas produzir conteúdos incessantemente, como detentores da verdade, sem ouvir opiniões divergentes.

Leia MaisDia Mundial dos Avós: Conheça o temaMas aqui não se trata de uma crítica radical aos meios tecnológicos. Pelo contrário, eles são essenciais para a propagação e ampliação do acesso às informações. A grande questão é o uso que se faz deles. Quando somos engolidos pelas imagens virtuais e nos esquecemos, inclusive, daqueles que nos cercam, nos tornamos seres alienados e, até mesmo, arrogantes.

Em diversas ocasiões, consideramo-nos autossuficientes e desprezamos aqueles que têm muito a nos ensinar com o próprio testemunho, como é o caso dos idosos. A estes atribuímos características de fragilidade, presos que estamos a um olhar excludente, que não valoriza a fortaleza vinda da mente e do coração dos mais velhos, por meio de seus gestos de amor e de suas memórias.

O próprio mercado audiovisual contribui para reforçar características pejorativas sobre os idosos ao apresentar imagens estereotipadas de pessoas frágeis, acamadas, com bengalas, em cadeira de rodas. Cenário contrastante com o panorama atual, marcado pela longevidade mais saudável, graças ao avanço da Medicina. E, mesmo no caso daqueles que desenvolveram doenças graves que afetaram, principalmente, a região cerebral, nunca devemos ter atitudes de desprezo para com essas pessoas, considerando que se trata de um ser humano com uma história de vida que tem muito mais a nos ensinar, diante do desafio de lidar com a enfermidade.

No entanto, infelizmente, nossa sociedade é marcada pelo comportamento doentio da cultura do descarte, que reduz o ser humano, muitas vezes, a mero objeto, o qual deixa de ser útil quando não mais alimenta as máquinas de poder por meio de sua produção. Contra toda essa calamidade, o Papa Francisco está sempre reforçando a preciosidade dos idosos em nossa vida e o quanto temos a aprender com eles.

Pressmaster/ Shutterstock
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Neste ano de 2021, por exemplo, ele instituiu, em cada último domingo do mês de julho, a celebração do Dia Mundial dos Avós e dos Idosos pela Igreja Católica Apostólica Romana. A comemoração anual tem o intuito de chamar a atenção mundial para a importância desse segmento na sociedade. Na mensagem escrita pelo pontífice para a data, ele destacou o momento difícil vivido pelos idosos, neste tempo pandêmico, em que a necessidade de isolamento social agravou a tristeza de muitos, especialmente daqueles que já viviam na solidão.

Papa Francisco também alertou para que, mesmo em meio às turbulências da vida, eles não se esqueçam do amor incondicional de Deus por nós e que a tarefa de evangelizar é contínua: 

“Perguntar-te-ás: Mas, como é possível? As minhas energias vão-se exaurindo e não creio que possa ainda fazer muito (...) O próprio Jesus ouviu Nicodemos dirigir-Lhe uma pergunta deste tipo: «Como pode um homem nascer, sendo velho?» (Jo 3, 4). Isso é possível – responde o Senhor –, abrindo o próprio coração à obra do Espírito Santo, que sopra onde quer. Com a liberdade que tem, o Espírito Santo move-Se por toda a parte e faz aquilo que quer.”

Em outro momento de sua mensagem, o pontífice cita a promessa do profeta Joel “Os vossos anciãos terão sonhos e os jovens terão visões.” (3, 1) – para reforçar a relevância do idoso na vida do jovem por meio de sua sabedoria. “Nisto se vê como os sonhos estão entrelaçados com a memória. Penso como pode ser de grande valor a memória dolorosa da guerra, e quanto podem as novas gerações aprender dela a respeito do valor da paz.” Certamente, não há ensinamento mais precioso do que aquele vindo de quem viveu e muito aprendeu com as próprias experiências. Eis o grande conhecimento da vida, proporcionado quando escutamos o que os mais velhos têm a nos dizer.

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No entanto, não basta apenas escutar, é preciso que saibamos escutar com o coração. Quando o fazemos, reconhecemos e valorizamos a importância da presença de quem nos fala em nossas vidas. Por isso, é preciso estar presente, sendo presença integral, e não apenas física. No caso dos idosos, por exemplo, eles se sentirão respeitados e amados.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 13% da população que está na faixa dos 60 aos 64 anos de idade é afetada pela depressão, liderando o ranking dos mais atingidos pelo transtorno. Trata-se de um dado preocupante que reflete o cenário, muitas vezes, de abandono familiar e do sentimento de inutilidade que acomete essa parte da população.

Portanto, não há nada mais prazeroso que, por alguns momentos, nos desvencilharmos do excesso imagético virtual para absorvermos outro tipo de imagem, aquela oriunda da voz da sabedoria. Que sejamos menos falantes e mais ouvintes, nesse sentido.

Escrito por
Mariana Mascarenhas
Mariana Mascarenhas - Redação A12

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Atua como Assessora de Comunicação e como Articulista de Mídias Sociais, economia e cultura.

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