História da Igreja

História da Igreja: Caridade e medidas sanitárias ao longo dos tempos

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

20 ABR 2021 - 13H28 (Atualizada em 20 ABR 2021 - 14H52)

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O francês Clemente VI (Pierre Roger) foi eleito papa em 7 de maio de 1342, em Avignon, onde os Papas se estabeleceram no início do século XIV. Seguramente, ele não imaginava que fosse enfrentar tão grandes dificuldades durante o seu pontificado, mas, como afirmam seus biógrafos, “sua coragem e caridade apareceram surpreendentemente na época da Grande Pestilência, ou Peste Negra”.

Leia MaisA ação da Igreja em tempos de pandemia Um biógrafo medieval anônimo escreveu que Clemente “agiu com muita caridade” durante a praga, orientando os médicos a visitar os doentes e garantir que os pobres tivessem o que precisavam. Isso apesar do fato de 1/4 de sua equipe ter sido exterminada pela peste. Para os mais necessitados, ele organizava enterros e até comprou um pedaço de terra para ser usado como “cemitério da peste”.

O Papa Alexandre VII foi outro que enfrentou com coragem outra peste surgida durante o seu pontificado. Ele decretou que fossem tomadas medidas sanitárias que, para muitos pesquisadores, contribuíram para que a letalidade de uma peste fosse muito menor no século XVII.

Nem em seus piores pesadelos o papa poderia vislumbrar que teria de enfrentar uma epidemia de peste, mas a resposta dele, no entanto, foi contundente. O papa decretou medidas que foram sendo implementadas gradualmente, conforme a situação se tornava mais perigosa. Ele chegou a determinar o fechamento de todos os portões da cidade santa para evitar a propagação da peste, controlando a entrada e saída das pessoas.

Distanciamento e consolo espiritual

São Carlos Borromeu (1538-1584) era cardeal quando a fome e a praga atingiram a cidade de Milão. O cardeal organizou os religiosos para alimentar e cuidar dos famintos e doentes. Eles alimentavam mais de 60 mil pessoas por dia, em uma iniciativa custeada pelo cardeal, que se endividou para poder alimentar os famintos.

Para impedir a propagação da praga que prosperava em espaços fechados, Carlos Borromeu determinou o fechamento de todas as igrejas. Mas para que as pessoas não ficassem sem consolo espiritual e sem atendimento, ordenou a construção de altares ao ar livre, fora das igrejas. Dessa forma, os fiéis podiam participar de missas e outros ofícios religiosos sem colocar em risco sua saúde e a de outras pessoas.

Quando a pandemia chegou ao fim, esses altares foram removidos e as pessoas retornaram ao hábito de assistir as missas nas igrejas. Mas, no lugar dos antigos altares externos foram erguidas as chamadas “cruzes da peste”, como símbolo de gratidão pela ajuda de Deus durante a pandemia.

O cardeal Borromeu e seus padres também visitavam os que sofriam com a epidemia e lavavam suas feridas. Apesar de estar na linha de frente junto aos doentes, o bom cardeal foi poupado, tendo vivido outros seis anos depois do que seria chamada de “a Praga de São Carlos”.

Depois disso, durante os anos de 1575-1577, um violento surto de peste bubônica atingiu a então República de Veneza, matando quase 50.000 pessoas. Um em cada três venezianos perdeu a vida devido à doença, incluindo o pintor renascentista Ticiano. Em 1576, no auge da epidemia, o Senado da República decidiu construir uma igreja para pedir a ajuda de Deus no combate à doença.

Em 20 de julho de 1577, apenas alguns meses após a decisão de construir a igreja, as autoridades declararam o fim oficial da praga. Uma procissão de barcos partiu de uma margem da lagoa para alcançar a igreja em sinal de gratidão.

Ação conjunta e união

Quando Justiniano I era imperador bizantino, houve uma epidemia que atingiu o império e a igreja do oriente. Trata-se da Praga de Justiniano que ocorreu entre os anos 541 e 544. A peste provavelmente teve origem no Egito, passando depois pelo Oriente Médio até chegar à cidade de Constantinopla, capital do Império Bizantino, em 542.

Os picos de mortalidade subiram de 5 a 10 mil vítimas por dia, e até mais. De tal maneira que, “em um primeiro momento cada um se ocupava dos mortos de sua casa, mas o colapso e o caos se tornaram inevitáveis e os cadáveres também eram jogados nas tumbas dos outros, às escondidas e com violência”. Como já tinha acontecido em outras ocasiões, até os corpos de pessoas ilustres “permaneceram insepultos durante muitos dias”, de modo que “os corpos se amontoaram de qualquer maneira nas torres das muralhas”, como lembra o escritor Procópio de Cesareia relatando que os corpos já não podiam ser mais enterrados, pois as covas não eram suficientes. Não havia cortejos e nem rituais funerários para eles.

Sem forma de conter a peste, visto que os medicamentos para erradicar a doença ainda não existiam, os cidadãos foram aconselhados a ficar em casa no intuito de diminuir o índice de contaminação. Como na maioria das pandemias, a atividade econômica foi paralisada e a vigília de soldados mantinha as pessoas fora de circulação.

A somatória de forças do império com a Igreja permitiu que, aos poucos, a situação fosse controlada.

E quando a crise passar

A história mostra como medidas que ainda geram controvérsias no Brasil da pandemia de Covid-19, como a proibição de circulação de pessoas, fechamento de fronteiras e cidades, restrição de acesso aos templos religiosos e lugares de culto e o rastreamento de casos dão bons resultados. A história mostra também como, em diversas situações, as notícias falsas e a desinformação prejudicavam muito, causando transtornos no enfrentamento das doenças.

A história mostra que só a união de forças e a coordenação de ações leva o conforto aos que estão sendo afetados pelas doenças, perdendo entes queridos. Nessas horas, sobressai a ação caritativa, assistencial e religiosa da Igreja, com o sacrifício e a morte de muitos de seus membros que doam a vida para que as pessoas tenham mais vida.

Hoje somos beneficiados pelos avanços da ciência, que, num tempo recorde, conseguiu produzir as vacinas que estão contribuindo para controlar e, por fim, acabar com a pandemia da Covid-19. Mas é preciso acreditar na ciência, deixando de lado certas crendices que ainda circulam entre a população.

O Bem-Aventurado Pedro Donders, C.Ss.R. (1809-1887) foi um padre redentorista holandês que serviu no Suriname por 45 anos. Ele lutou pelos direitos das pessoas escravizadas, evangelizou os indígenas e cuidou dos doentes durante uma epidemia. Ele passou suas últimas três décadas de vida servindo em uma colônia de leprosos e advogando junto às autoridades para obter melhores cuidados para seu povo. Que ele inspire a missão da Igreja e da Congregação Redentorista em tempos tão difíceis!

Escrito por
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Redentorista da Província de São Paulo, graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da Província de São Paulo, atualmente é diretor da Rádio Aparecida

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