A Igreja Católica e seus pontífices começaram lentamente a aceitar o mundo moderno com o papa Leão XIII. Essa abertura foi um marco importante na relação entre fé e modernidade. No ano de 1878, após breve Conclave Papal, o cardeal Gioacchino Vincenzo Pecci era eleito papa.
Tratava-se de uma pessoa importante no pontificado de Pio IX, pois durante o período de Sé-Vacância (período entre a morte de um pontífice e a eleição de seu sucessor), Pio IX fez do cardeal Pecci Cardeal Camerlengo, o que, curiosamente, quebrou o antigo costume de que o Cardeal Camerlengo jamais era eleito papa. Essa quebra de tradição sinalizava uma possível mudança de rumos.
Leão XIII era marcado por um discurso brando, divisor de opiniões; porém, não abandonou o conservadorismo papal, reafirmando as orientações do Concílio Vaticano I e o “Sílabo de Erros”, do papa Pio IX. Ele buscava equilibrar tradição e abertura.
Apesar disso, nomeou bispos progressistas, que se mostraram mais abertos ao mundo moderno, buscando promover uma aproximação entre fé e razão. Essa atitude gerou tensões, mas também novos caminhos de diálogo.
Neste contexto, o papa Leão XIII valorizou os estudos tomistas e estimulou a educação intelectual e filosófica nos seminários católicos. Ele acreditava que a formação sólida era essencial para enfrentar os desafios da modernidade.
A Revolução Industrial trouxe avanços inegáveis, especialmente através da imensa capacidade de produção pela máquina. A tecnologia modificou profundamente as dinâmicas de trabalho e convivência. A mecanização dos instrumentos de trabalho, a substituição da força humana pela força da máquina, o ritmo intenso de produção — tudo isso foi uma revolução no modo de viver da sociedade ocidental.
Mas, ao mesmo tempo, provocou grandes mudanças na estrutura das relações humanas. O êxodo rural e a urbanização acelerada mudaram o perfil das cidades. Os homens deixaram o campo e foram para a cidade em busca de empregos e melhores condições de vida.
A indústria nasce sob o domínio do sistema capitalista de produção e sob a orientação da filosofia liberal. O trabalho manual passa a ser visto como mero instrumento de produção, e o trabalhador perde o domínio sobre o que produz. O ser humano é reduzido a uma peça do sistema produtivo.
As condições de trabalho eram muitas vezes desumanas: jornadas longas, baixos salários, ambientes insalubres e ausência de direitos trabalhistas. As novas formas de exploração evidenciaram profundas injustiças. Além disso, o trabalho infantil e a exploração das mulheres tornaram-se comuns. Tudo isso fez surgir o que chamamos de “questão social”.
E, dessa forma, a mão de obra da classe dos trabalhadores vai ocupar os postos de trabalho nas nascentes fábricas. Formava-se, então, um novo grupo social: o proletariado. Esse grupo se tornaria protagonista dos embates sociais do século XIX. Essa nova classe trabalhadora urbana vivia em condições precárias, em cortiços ou habitações coletivas, com problemas de higiene, saúde e alimentação. As cidades cresciam de forma desordenada, e a pobreza urbana aumentava.
Assim sendo, essas mudanças na estrutura econômica em âmbitos continentais, a sede por lucro e o grande avanço dessas tecnologias vão modificar o cenário europeu dos anos oitocentos, atingindo também o campo das relações humanas. O modelo de sociedade tradicional estava em colapso.
O mundo já não é o mesmo do tempo dos reis absolutistas, dos barões da terra e dos camponeses submissos. A transformação do campo e o êxodo rural alteraram a configuração da sociedade. A Igreja, então, começa a se perguntar qual é o seu papel nesse novo mundo. E qual deve ser a posição da Igreja diante das injustiças sociais?
O papa Leão XIII começa, no fim do século XIX, uma intervenção mais clara e definida na questão social. Ele compreende que a Igreja não pode se omitir diante da opressão e da miséria. Seu principal instrumento foi a encíclica Rerum Novarum (“Das coisas novas”), publicada em 1891. Esse documento inaugura o que hoje conhecemos como Doutrina Social da Igreja, uma reflexão teológica e pastoral sobre os problemas sociais à luz do Evangelho e da tradição da Igreja.
O próprio Leão XIII, na introdução da Rerum Novarum, refere-se à abordagem do tema em encíclicas precedentes sobre soberania política, liberdade humana, cristianismo e sociedade civil. Mas é nesta encíclica que a Igreja assume uma posição ativa diante das questões sociais. O papa denuncia as injustiças contra os trabalhadores, condena o socialismo ateu e propõe uma via alternativa baseada na justiça, na solidariedade e no respeito à dignidade humana.
Leão XIII sublinha a importância da classe trabalhadora e seu direito de criar e organizar sindicatos para reivindicar a realização de seus legítimos interesses. Isso representava uma mudança radical na postura da Igreja frente ao mundo do trabalho.
Ele reconhece o valor do trabalho humano como elemento essencial da vida digna e justa. Também defende o direito à propriedade privada, mas lembra que esta deve ter uma função social e que os bens da criação são destinados a todos. A justiça social passa a orientar a moral econômica cristã.
Nota-se aqui uma mudança de enfoque ou de perspectiva: a Igreja, na pessoa do papa, deixa em segundo plano os assuntos internos e volta-se para os problemas que afligem os trabalhadores da época. A fé se traduz em compromisso concreto com a dignidade humana. A Rerum Novarum não é apenas uma denúncia das mazelas sociais, mas também um apelo à conversão dos corações e à construção de uma sociedade mais fraterna e solidária, conforme os valores cristãos.
O papa questiona a realidade social, em uma sociedade em que a grande riqueza se concentra nas mãos de um número reduzido de pessoas, que, com sua riqueza, dominam os trabalhadores, compram a mão de obra a preços irrisórios e colocam-nos sob uma carga pesada de trabalho.
Ele exige que o Estado proteja os mais vulneráveis. Ele reconhece o papel do Estado na regulação das relações de trabalho, na promoção do bem comum e na defesa dos mais fracos. O Estado, para o papa, deve ser um instrumento de justiça, e não de opressão.
Outra questão que preocupava o papa Leão XIII era a luta de classes, pregada pelo Manifesto Comunista em 1848 por Marx e Engels. Para ele, o conflito social não deve ser combatido com mais conflito. Para ele, a solução não está no conflito, mas na colaboração entre as classes sociais. Ele propõe um modelo de sociedade baseado na conciliação, no respeito mútuo e na busca do bem comum, onde cada um contribui com seu trabalho e recebe o que é justo.
A partir dessa doutrina social, Leão XIII argumenta no sentido de que os ricos devem ajudar os pobres, muito além da caridade. Ele defende a promoção da justiça como caminho de paz e dignidade.
A justiça social exige que se reconheçam os direitos dos trabalhadores, que se criem condições dignas de vida e que se promova o desenvolvimento integral das pessoas e comunidades. O papa abre, assim, um novo caminho para a atuação da Igreja no mundo, inspirando futuras encíclicas sociais e a ação de milhares de católicos engajados na transformação da sociedade.
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