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Reparações ao Brasil

Portugal diz não ter planos de pagar reparações pela colonização

Escrito por Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R.

30 ABR 2024 - 12H00 (Atualizada em 30 ABR 2024 - 14H21)

Unsplash/ Luís Feliciano

Na semana que passou, o presidente português Marcelo Rebelo de Sousa “mexeu num vespeiro” que não tem tamanho ao defender medidas de compensação para as ex-colônias de Portugal, por causa da exploração dos indígenas e negros.

Seu discurso foi feito no contexto da celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos (1974), que pôs fim à Ditadura no país. Esta revolução teve como um de seus elementos provocadores as Guerras de Independência que já aconteciam em algumas das antigas colônias.

Imediatamente ele foi procurado pelo Brasil para conversas, mas, na mesma semana, o governo português anunciou que não planeja pagar reparações pela escravidão ou pelo colonialismo.

Em sua fala, o presidente português chegou a sugerir que essas reparações poderiam se dar mediante o cancelamento de dívidas de ex-colônias, desenvolvimento de programas especiais de cooperação ou por meio da oferta de financiamentos facilitados.

A realidade dos números

Por vários séculos, Portugal manteve colônias na América Latina (Brasil), na África e na Ásia, chegando a constituir um vasto império de onde extraia matérias-primas e escravizava mão de obra levada para outras partes do mundo.

Os números são imprecisos, mas pelo menos 12,5 milhões de africanos foram sequestrados e transportados à força por navios europeus e vendidos como escravos entre os séculos XV a XIX, mas algumas estimativas chegam a falar de 20 a 30 milhões de pessoas escravizadas.

Aqueles que sobreviviam à viagem e aos brutais maus-tratos acabavam trabalhando em condições desumanas nas Américas, principalmente no Brasil, e no Caribe, na região das Antilhas, garantindo enormes lucros aos seus proprietários. E ainda por cima proporcionavam o lucro indireto com a venda do açúcar que era produzido, com o pau-brasil, que era cortado, e com os materiais preciosos que eram retirados do solo das colônias.

De endividados a credores

Por que o presidente português “mexeu num vespeiro”? Porque o país não estava sozinho na empreitada escravagista e colonial. As principais potências europeias, como Espanha, Inglaterra, França, Bélgica, etc. mantinham suas colônias e delas retiravam riquezas de toda sorte e mão de obra barata e abundante.

Se Portugal organizar uma política de reparações, o seu exemplo poderá levar os países que precisam desta reparação a acionarem as demais nações que também estiveram envolvidas na política colonial.

Alguns estudos indicam, por exemplo, que, se a Espanha e Portugal fossem obrigados a pagar pelo ouro, prata e diamantes e outros materiais preciosos retirados do Brasil e das antigas colônias, eles se tornariam devedores e as antigas colônias se transformariam em seus credores.

O comércio de pessoas escravizadas, por exemplo, era dominado pela Grã-Bretanha e por Portugal, embora os Estados Unidos, a Holanda, a Espanha, a França, a Dinamarca e a Suécia e outros países também estivessem envolvidos até o pescoço neste comércio infernal.

Portugal chegou a traficar quase 6 milhões de africanos nos tristes navios negreiros, mas até agora não havia ainda confrontado o seu passado colonial. Pouco se ensina nas escolas do país sobre o seu papel na escravidão transatlântica. Em vez disso, a era colonial de Portugal, que começou com as grandes navegações dos séculos XIV a XVI, durante a qual países como Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde e Timor-Leste, bem como partes da Índia, foram submetidos ao domínio português, é frequentemente vista como uma fonte de orgulho nacional. As pessoas até se perguntam como que um país tão pequeno como Portugal pode manter este vasto Império Colonial.

A emancipação de alguns países africanos começou a partir de 1974, com as guerras de libertação.

Em Angola, por exemplo, o país se dividiu em duas facções, uma pró-capitalista, apoiada pelos Estados Unidos (UNITA) e outra pró-socialista, apoiada pela extinta União Soviética (MPLA). Ainda hoje a antiga colônia africana paga o custo da Guerra Civil que se arrastou por anos e deixou o país em frangalhos. Em Moçambique, a situação é muito parecida.

A declaração do presidente português veio de encontro ao movimento de grupos ativistas de direitos humanos, que defendem a definição de reparações e de políticas públicas para combater desigualdades relacionadas ao período colonial, incluindo o racismo sistêmico que ainda hoje persiste em quase todas as partes do mundo.

É certo que, por enquanto, a fala do presidente português não será levada muito em consideração, mas já é um começo de conversa para que a desigualdade entre os países que foram metrópoles, todos localizados no Hemisfério Norte, e aqueles que foram colônias, localizados no Hemisfério Sul, possam acertar o seu passado.

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