Por Redação A12 Em Santo Padre Atualizada em 12 MAR 2020 - 10H59

Dom Odilo fala sobre renúncia, perfil do novo Papa e os desafios da Igreja

Papa e Dom Odilo

A redação do jornal ‘O São Paulo’ da Arquidiocese de São Paulo divulgou nesta quinta-feira (5) entrevista com o arcebispo metropolitano, Cardeal dom Odilo Pedro Scherer.

O Cardeal que participará pela primeira vez de um Conclave, destacou que a renúncia foi uma aula de eclesiologia e que os católicos devem manter “serenidade e discernimento” quanto às notícias veiculadas pela mídia secular nas últimas semanas.

“É um fato interessante que, de um momento a outro, todos começaram de novo a falar da Igreja, mesmo sem conhecer bem as questões abordadas. Muita matéria produzida foi sensacionalista ou simplesmente marcada pelo preconceito contra a Igreja, sem o interesse de conhecer ou comunicar a verdade”.

Sobre o ‘perfil’ do novo papa, dom Odilo acredita que deve ser “uma pessoa muito capaz, cheia de virtudes, preparada do ponto de vista intelectual e teológico, homem de grande fé e vigor espiritual, capaz de liderança e de comunicação, segundo as condições do nosso tempo. Mas também neste caso, precisamos ter a consciência de que ninguém nasce papa, mas aprende a desempenhar essa árdua missão enquanto a exerce”.

Veja a íntegra da entrevista:

O SÃO PAULO – O que significou o pontificado de Bento XVI para a Igreja e quais foram suas principais contribuições?

Dom Odilo Pedro Scherer – Bento XVI deixa um legado importante para a Igreja e será certamente recordado na história da Igreja como um dos grandes papas teólogos; tanto pelo que escreveu e falou quando já era Sumo Pontífice quanto pelo que escreveu antes disso. Será recordado também pelo seu esforço em ajudar a Igreja a voltar-se para a essência de sua fé e de sua missão. Mostram isso suas encíclicas sobre a esperança e a caridade, as exortações apostólicas sobre a Eucaristia e a Palavra de Deus. Mas será recordado, também, por ter estimulado o clero a buscar a autenticidade na vivência de sua vocação e toda a Igreja, na revalorização de sua fé e no esforço renovado para transmiti-la aos outros. Enfim, a própria renúncia é um gesto que ajudará a Igreja a voltar-se mais para o essencial de sua vida e missão, a partir de um renovado encontro com sua própria razão de ser e existir; um professor de teologia, em Roma, observou: a renúncia foi sua última aula de eclesiologia.

O SÃO PAULO – E o que significou a atuação de Bento XVI para a humanidade?

Dom Odilo Scherer – Isso ainda será melhor avaliado com o passar do tempo. De toda forma, continuando a tradição de seus predecessores, Bento XVI manifestou-se sobre todos os assuntos e fatos relevantes deste momento da vida e da história humanas. Sua contribuição para a cultura, a filosofia, a busca da verdade e do bem é extraordinária; como teólogo e humanista, tem largos horizontes e teve sua palavra geralmente acolhida com respeito e consideração; estimulou o mundo a pensar e a ir além das superficialidades de uma cultura consumista e imediatista. Sua encíclica social – Caritas in Veritate – é uma contribuição importante para o discernimento sério sobre as questões que atualmente afligem a humanidade. Estimulou muito, também, o diálogo entre as religiões e as culturas. Teve sempre a preocupação da justiça, da paz e da solidariedade entre os povos.

O SÃO PAULO – Como os católicos devem encarar as críticas e este clima de “denuncismo” que se instaurou na mídia após o anúncio de que o papa iria renunciar?

Dom Odilo Scherer – Com muita serenidade e discernimento. É um fato interessante que, de um momento a outro, todos começaram de novo a falar da Igreja, mesmo sem conhecer bem as questões abordadas. Muita matéria produzida foi sensacionalista ou simplesmente marcada pelo preconceito contra a Igreja, sem o interesse de conhecer ou comunicar a verdade. É sempre importante tentar saber de qual púlpito vem o sermão e perguntar se merecem crédito certas afirmações bombásticas, de efeito retórico (ex. “guerra civil no Vaticano”…), que não se sustentam em fatos, mas em suposições e conjecturas que visam jogar no descrédito a Igreja perante o mundo e perante seus próprios fiéis. É preciso lembrar que cada um deverá prestar contas a Deus pelas afirmações mentirosas e injuriosas ditas contra o próximo ou também a Igreja. Recomendo que não se dê crédito fácil a certas caricaturas que se fazem da Igreja; quem conhece a Igreja e vive dentro dela sofre com o desprezo à Igreja. Infelizmente, as palavras do próprio Papa, proferidas no anúncio do dia 11 de fevereiro sobre sua renúncia, foram deixadas de lado, como sendo não-verdadeiras, para dar largas a todo tipo de suspeitas, especulações e conjecturas sobre os “reais motivos” da renúncia. Alguém nas condições e na autoridade do Papa deveria merecer mais crédito e respeito.

O SÃO PAULO – O senhor poderia descrever algum episódio mais pessoal de seus contatos com Bento XVI?

Dom Odilo Scherer – Lembro da vigília na Jornada Mundial da Juventude em Madrid, em julho de 2011. Veio um temporal muito forte durante a fala do papa; o vento balançava até a estrutura do palco, onde estavam o papa, os bispos e muitas outras pessoas. Mais de um milhão de jovens estava à frente do Papa, apanhando toda aquela chuva. Os seguranças sugeriram, várias vezes, que ele se retirasse para um lugar mais seguro, mas Bento ZVI quis permanecer ali, com os jovens… No final da celebração, parecia que não queria ir embora, preocupado com os jovens… Aproximou-se deles, de maneira muito paternal, e desejou que, apesar de tudo, eles repousassem ao menos um pouquinho… Na manhã seguinte, já debaixo de muito sol, a primeira coisa que fez foi perguntar aos jovens como tinham passado a noite. Achei isso de uma sensibilidade finíssima, que emocionou e cativou o coração dos jovens.

O SÃO PAULO – A partir dos momentos reservados que teve com Bento XVI, que características o senhor destacaria dele?

Dom Odilo Scherer – Um homem sereno, simples, inteligente, atento ao interlocutor, interessado em ouvir, extremamente gentil e fino no trato com as pessoas. Nunca pude ver nele aquele homem “autoritário” ou “duro”, como  algumas vezes foi descrito; isso não corresponde à verdade. Quando visitou o Brasil, em 2007, fiquei perto do Papa durante alguns dias, na sua estadia em São Paulo. Eu lia os títulos na imprensa e me perguntava: de qual papa estão falando? Não era do papa Bento XVI, que eu conheço…

O SÃO PAULO – Estamos aguardando a escolha do novo pontífice. A Igreja está “acéfala” até que o próximo papa seja eleito?

Dom Odilo Scherer – Não, a Igreja nunca fica acéfala (“sem cabeça”, ou “sem chefe”) durante o período da vacância, porque o verdadeiro chefe da Igreja é Jesus Cristo glorificado, que nunca abandona o seu corpo, a Igreja. Além disso, durante a sede vacante, o Colégio dos Cardeais responde pela Igreja, segundo as competências que lhe são próprias.

O SÃO PAULO – Quais as características que o novo papa deve ter?

Dom Odilo Scherer – O escolhido terá as qualidades que tiver, e não podemos idealizar demais. Nenhum papa é igual a outro. Ele deverá ser dócil às inspirações e à ação do Espírito Santo, inteiramente fiel a Cristo e à própria Igreja. Podemos, humanamente, desejar que seja uma pessoa muito capaz, cheia de virtudes, preparada do ponto de vista intelectual e teológico, homem de grande fé e vigor espiritual, capaz de liderança e de comunicação, segundo as condições do nosso tempo. Mas também neste caso, precisamos ter a consciência de que ninguém nasce papa, mas aprende a desempenhar essa árdua missão enquanto a exerce.

O SÃO PAULO – Quais são os principais desafios que o próximo papa vai encontrar?

Dom Odilo Scherer – São os desafios de toda a Igreja, que se manifestam em toda parte: a nova evangelização, a transmissão da fé, a perseverança na fé e a operosidade dos filhos da Igreja para a irradiação da luz e da força viva do Evangelho no mundo…  Há os desafios internos da renovação constante da Igreja, para que ela viva no compasso do tempo e da cultura, sem deixar de ser ela mesma; há os desafios externos, representados pela cultura do nosso tempo, muitas vezes, fechada ao Evangelho, senão, contrária a ele. Há os desafios da presença pública da Igreja no mundo, no contexto da política, da economia, da educação, das relações sociais e internacionais. De fato, o Evangelho não é um bem privado da Igreja, mas uma “luz” para o mundo, que não deve ser ocultada, mas irradiada. Enfim, os desafios podem ser muitos, mas não devemos esperar que eles sejam enfrentados pelo papa sozinho, nem sempre em primeira pessoa. A missão e a responsabilidade pela Igreja são compartilhadas, com o papa, por todos os bispos em comunhão com ele. E em cada Igreja local, com os bispos, também os sacerdotes e todos os fiéis assumem essa mesma responsabilidade. A Igreja não depende só do papa.

O SÃO PAULO – Qual deve ser a atitude dos católicos neste tempo de espera para a eleição do novo papa?

Dom Odilo Scherer – Antes de tudo, uma serena fé e confiança na Igreja e na ação do Espírito de Cristo, que não abandona a Igreja. Talvez foi essa a mensagem mais insistente de Bento XVI nesses últimos dias de seu pontificado: não estamos sozinhos; o Senhor não abandona a sua Igreja. Portanto, ninguém desanime, nem se deixe levar pelo pânico. Este é um tempo de espera e de serena esperança. A Igreja não conta apenas com as próprias forças e fragilidades. Ela pode continuar a contar com o seu supremo Pastor, que é o próprio Senhor Jesus.


Informações: Arquidiocese de São Paulo.

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