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Rafael (Máximo) Perea Pinedo

QUERIA SER PADRE, FICOU IRMÃO COADJUTO

Eis aqui outra história de vocação sacerdotal frustrada, embora não tão dolorosa quanto a do irmão Aniceto.

Irmão Máximo – nome de religioso, pois na pia batismal recebeu o nome de Rafael – nasceu aos 24 de outubro de 1903, num lugarejo que nem escola tinha, chamado Múrita, na província de Burgos.

Seus pais, Sandallo e Saturnina, cristãos fervorosos, deram-lhe piedosa formação religiosa. Desde cedo, Rafael ajudava à missa. Dos nove aos doze anos, morou com seus tios em outro povoado para poder ir à escola. Como no seu povoado, também ali era sempre ele o coroinha, a ninguém cedia o posto.

Tempos depois de retornar a Múrita, dois missionários Redentoristas pregaram missão em um povoado vizinho. Padre Aniceto, bom caçador de vocações, convidou-o a ir com eles. Jogou como isca o fato de Rafael já ter no seminário um irmão, Eduardo, e um primo, Daniel. Desde então isso não lhe saiu da cabeça, até que lhe escreveram do El Espino para que se apresentasse. E no dia 13 de setembro de 1915, não cabendo em si de alegria, ingressou no Colégio Nossa Senhora del Espino.

Começou os estudos com entusiasmo, mas também com muitas dificuldades. Talento escasso e, além disso, curteza de vista. A alegria e o entusiasmo deram lugar à tristeza quando três anos depois teve de voltar à casa paterna porque não conseguia levar avante os estudos.

Novamente em Múrita, já não seria coroinha; subiu ao posto de sacristão, que desempenhou com competência durante um ano. Deixou Múrita e seguiu para Valladolid, com os Irmãos Lasallistas, para terminar o colegial. Estes encantaram-se com o menino e tentaram atraí-lo para ser um deles. Inseguro, Rafael respondeu com evasivas e disse que mais tarde pensaria no assunto.

Chegou então o dia da grande alegria da família: a ordenação sacerdotal de Eduardo. Rafael recebeu o convite para a ordenação e para a primeira missa. E no encontro dos dois irmãos, entre eles ficou acordado um novo passo, que ia ser definitivo na vida de Rafael: ele  entraria na Congregação Redentorista como irmão coadjutor, já que não podia ser padre.

Voltou ao colégio Lasalle, em Valladolid, e logo em seguida chegou-lhe carta de Eduardo comunicando que já estava tudo acertado para sua ida a Nava del Rey. No dia 15 de abril de 1921 deu início a seu Noviciado. Menos de um ano depois, em 26 de fevereiro de 1922, vestiu o hábito redentorista, com o firme propósito de não deixá-lo nunca e de ser fiel a sua vocação até a morte. Rezava assim a Nossa Senhora todos os dias: “Maria, minha mãe, dizei a vosso Filho Jesus que me castigue como quiser por meus pecados, contanto que me deixe este santo hábito até a morte”.

Feita a profissão religiosa em 17 de fevereiro de 1923, viveu vários anos nas comunidades de Astorga e El Espino, desempenhando os ofícios de sacristão, porteiro, ecônomo e cozinheiro, sempre com boa vontade e o rosto iluminado por um sorriso que nunca o abandonava. Estava em Astorga em 1933 quando foi transferido para a Comunidade do Perpétuo Socorro, em Madri.

Irmão Máximo demorou em cair nas mãos da Frente Popular. Como os demais da Comunidade, deixou o convento na noite de 20 de julho de 1936 e hospedou-se, junto com o padre José Maria Urruchi, na casa do senhor Roberto González Nandín. Alguns dias depois teve de trocar de casa com o irmão Pascual, passando a morar onde este morava, ou seja, na casa de dona Emília Alcázar. Mais alguns dias e foi obrigado a sair também dessa casa e transferir-se para a residência dos Montenegro, onde já se achava escondido o padre José Morán Pan.

Muito corajoso, aventurava-se a sair à rua por qualquer necessidade. Numa dessas foi detido, mas solto logo em seguida. Não passou de um susto que serviu para lhe botar um pouco de medo.

Passou um segundo susto na noite em que houve uma vistoria na casa dos Montenegro. A família mandou que seus hóspedes fossem imediatamente para o quarto e se metessem na cama. Um filho do senhor Montenegro, que acompanhava os milicianos na vistoria, disse-lhes com naturalidade que aquele era o quarto de seus tios. Os milicianos só entreabriram a porta, deram rápida olhada pelo quarto e se foram. Mais um susto que não passou de susto, mas que fez com que, a partir daí, irmão Máximo se tornasse um pouco mais prudente.

Dias depois, o porteiro da casa de repente entrou esbaforido contando ter acabado de dissuadir a dois foragidos que, acercando-se da porta, gritavam que ali havia dois Jesuítas escondidos. O bom porteiro conseguiu afastá-los apostando sua cabeça que isso não era verdade. Esse incidente foi a gota d’água que faltava para que todos da casa, hospedeiros e hóspedes, se convencessem de que ali já não havia segurança.

E saíram os dois, cada um para um lado. Antes de sair, padre Morán deu ao irmão um documento de um parente seu, que lhe poderia valer em algum apuro. Padre Morán conseguiu salvar-se. Já o irmão foi detido naquele mesmo dia. De nada lhe valeu o documento. Os milicianos levaram-no até um muro e, mandando que se colocasse de costas, deram alguns passos para trás para disparar sobre a vítima. Sentiu que havia chegado sua hora. Preparou-se para morrer. Mas os segundos foram passando e... nada de tiros. As vozes também sumiram. Atreveu-se a olhar para trás e não viu mais ninguém. Os milicianos haviam desaparecido. Irmão Máximo saiu em louca disparada, mas... infelizmente não tinha para onde ir.

Ocorreu-lhe então telefonar para a leiteria do senhor João Redondo, que diariamente entregava leite na Comunidade do Perpétuo Socorro. Atendeu-o a filha do senhor João. Como o irmão conhecia muito pouco Madri, ela explicou-lhe todo o trajeto que devia fazer e ele com muito custo conseguiu chegar. Entrou pelos fundos, como lhe pedira a moça. E finalmente começaram ali alguns dias de sossego para ele. Já não era, porém, o mesmo irmão Máximo corajoso. O medo de que o pior estava para acontecer instalou-se em seu coração. Era começo de agosto.

Sossego, que sossego? Ele não fora feito para o irmão Máximo. Logo depois que ali havia chegado, o senhor João Redondo adoeceu, vindo a falecer a 17 de agosto. Imagine-se a aflição dos da casa vendo que ela se enchia de parentes e conhecidos, que vinham para o velório. Nem todos, certamente, seriam a favor dos nacionalistas. Entre eles seria possível haver algum ‘amigo’ dos frente-populistas. Mais que depressa, Germana, uma das filhas de João, decidida e engenhosa, mandou que irmão Máximo e padre Câmara, outro que ali havia chegado dia 14, se trancassem num quarto, abasteceu-os com uma provisão de comida, pegou uma pequena escada e, colocando-a em frente da porta, sentou-se em um de seus degraus e dali não arredou pé durante as 24 horas do velório. A quem estranhava sua atitude, dizia que era porque não havia mais cadeiras na casa e que gostava de se sentar na escada.

Dia 24 de setembro, mais uma transferência, desta feita para a pensão de Frederico García, situada na parte baixa de Madri. Tanto pela bondade dos proprietários da pensão, quanto por sua localização, uma vez que nos arredores ninguém conhecia o irmão, essa transferência pareceu acertada. Rosário, irmã de Germana, visitava-o com freqüência e era quem pagava a pensão, com o dinheiro que lhe havia deixado padre Câmara. Pensou ele que, no caso de alguma vistoria repentina, era mais seguro o dinheiro estar com ela do que com o irmão. Ledo engano. Denunciada como refúgio de frades, a leiteria foi vistoriada, roubaram o dinheiro de Rosário e prenderam-na.

Em carta de 20 de janeiro de 1953, Frederico García informa o seguinte ao padre Colmenares, responsável por levantar dados sobre os mártires: 1. Que o irmão usou na pensão o nome de Rafael Morán, um parente do padre Morán Pan;  2. Que dia 2 de novembro, às duas da madrugada, houve uma vistoria na pensão e levaram o irmão, e nunca mais se teve notícia dele; 3. Que junto com ele levaram também um rapaz de nome Angel Bellot, e que este voltou às quatro da madrugada; 4. Que isso tinha sido presenciado por duas Irmãs de Caridade, que também se hospedavam ali; 5. Que o irmão havia sido denunciado por um guarda.

Este guarda era provavelmente um vizinho da pensão que, da janela de sua casa, podia observar o que nela se passava. Notando que irmão Máximo e Angel nunca saíam à rua, suspeitou de algo e os denunciou como fascistas.

Nada mais foi possível averiguar sobre a hora, o local e outros detalhes da morte do irmão Máximo. Nem nunca se soube do paradeiro de seus restos mortais.

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