Por Padre José Luis Queimado, C.Ss.R. Em Igreja

O ser humano e suas rivalidades

É muito bom pertencer a um grupo! Sentir-se parte de uma comunidade é próprio do ser humano. Eu, por exemplo, sou brasileiro, falo português, sou paulista, sou itaporanguense, sou da zona rural, sou do Bairro dos Silvas, sou católico.

Mas tudo isso poderia ser diferente se as condições e as escolhas sociais e culturais de meus pais e meus familiares fossem outras. Meus pais poderiam ter se mudado para outro país, estado ou cidade, antes de eu ter nascido, modificando, consequentemente, todas as minhas características acidentais. Isso não é relativismo, isso é realismo!

rivalidade

É certo que estamos falando de características sociais e culturais, não das biológicas, que fogem do controle da vontade humana, tais como: o ser homem; o ter sangue tipo O positivo correndo nas veias; o ser moreno de olhos castanhos; o ter cabelo enrolado são atributos intrínsecos à minha existência, que não poderiam ter sido escolhidos pelos meus pais, quaisquer pais que viessem a me gerar, pois o fundamental do ser humano não pode ser escolhido pelo simples desejo dos genitores. Mas não podemos negar que, com o advento da ciência genética, tudo isso acima é questionável!

Bem, mas o que realmente importa, e que está em discussão nestas breves linhas, é o conjunto de características passageiras e fugazes que nos incluem em um grupo com identidade própria. Ser feliz na sua “tribo” é algo natural, mas sempre haverá uma “tribo” rival, repleta de indivíduos estranhos, ameaçando a coesão de nosso grupo. Naturalmente, tememos o desconhecido, e somos agressivos com o diferente.

No projeto de Jesus, o sonho é de que todos sejamos um só rebanho guiado por um só pastor. Mesmo com todas as diferenças que trazemos, podemos crescer com a união de nossas forças.

Esse é o ideal cristão da vida em abundância para todos, pois, conforme disse o Apóstolo Paulo, não há mais gregos e judeus, nem homens e mulheres, nem ricos e pobres, pois, em Jesus Cristo, todos somos iguais e filhos adotivos de Deus-Amor.

Se houvesse compreensão necessária desse projeto bonito de Jesus, nosso mundo não estaria vivendo uma onda de violência devido à intolerância, esse carrasco que persiste em todos os momentos de nossa História.

Quando nos deparamos, por exemplo, com vídeos na Internet de um jovem rapaz espanhol agredindo com violência indescritível uma moça equatoriana que estava tranquilamente sentada dentro do metrô, nós nos perguntamos: o que levou esse moço a fazer isso? Falam a mesma língua, vivem em um mesmo país, mas quando foi feita essa pergunta a ele, a resposta não pôde ser dada com coerência, pois não podia admitir que os preconceitos arraigados em seu coração foram os responsáveis por aqueles chutes doloridos que machucaram a dignidade da moça equatoriana.

Quando acompanhamos as atrocidades praticadas por grupos extremistas por todo o mundo, a pergunta que não quer calar emerge em nosso coração: por que tamanha violência e tanto ódio contra o diferente? Será que eu faria o mesmo para defender o meu ponto de vista ou as minhas crenças? Será que eu destruiria uma vida para provar que as minhas ideias estão com a razão?

No caso do rapaz espanhol que agrediu a moça equatoriana, notamos que os ódios nacionalistas borbulharam com potência máxima. E assim acontece com grande parte do povo suíço, que quer fechar as suas fronteiras aos estrangeiros, ou de grande parte da Europa e dos Estados Unidos que vê no estrangeiro a ameaça e a destruição de sua cultura.

Mas não precisamos ir tão longe, pois podemos constatar as rivalidades históricas aqui mesmo em nossos jardins: entre Brasil e Argentina; entre São Paulo e Rio Grande do Sul; entre a cidade de São Paulo e a cidade do Rio de Janeiro, e assim por diante.

Se formos destrinçando os componentes, chegaremos cada vez mais perto de um grupo pequenino de indivíduos coloniais. Por exemplo, como sou paulista, rivalizo com um mineiro, argumentando ferozmente qual terra é a mais linda e a mais rica; se sou de Itaporanga, direi que minha cidade é a ideal, a mais bela e a melhor de todos os mundos possíveis, afirmando, com veemência, que a cidade vizinha de Riversul é o contrário de tudo o que foi dito sobre a minha cidade.

No entanto, achando que já não se podia ir mais longe, percebemos que, dentro da mesma cidade, ainda há rivalidades regionais. Sou da zona rural, do Bairro dos Silvas, que julgo ser mil vezes melhor que o Bairro da Onça, que é o vilarejo vizinho. Somos rivais, ainda que encontremos a nossa identidade no pertencer a Itaporanga.

E ainda dentro do minúsculo bairrinho existem milhares de rivalidades: sou católico, diferente daqueles que são pentecostais; sou descendente de italiano, completamente distinto daqueles que descendem de alemães. E dentro da mesma família: os pais podem ser católicos, enquanto os filhos professam outros credos; posso torcer pelo Santos, mas meu irmão pelo São Paulo; posso votar em um candidato ou em um partido, mas minha mãe pode escolher o contrário!

Enfim, o que realmente queremos salientar com esse texto é que temos uma identidade cultural, religiosa e social, mas precisamos nos lembrar, sempre, de que todas elas são acidentais. Você é católico, mas poderia ser hindu, se tivesse nascido na Índia. Você fala Português, mas poderia falar grego, se tivesse nascido na Grécia.

Você é paulista, mas poderia ter nascido no Acre. Essas são características que poderiam acontecer, mas sem o poder de sua escolha. Mas há muitas características que passam pelo seu querer: você torce pelo Corinthians, mas pode torcer pelo Palmeiras; você votou no seu prefeito atual, mas poderia ter votado no candidato que foi derrotado!

Em resumo, não deixemos que essas características passageiras, ainda que nos deem identidade e personalidade, destruam os seres humanos que estão ao nosso redor e que são culturalmente distintos de nós! Cuidado com as paixões, pois elas podem demolir tudo que está ao seu redor!

Ouçamos o diferente, ainda que não concordemos com suas ideias! Ele tem uma história de lutas e sofrimentos, vitórias e derrotas, assim como você! É certo que sempre teremos rivalidades, mas que elas ajudem a lapidar o ser bruto que existe em nós para a construção de um mundo de belos seres humanos!

Padre Queimado articulista colunista

 

Escrito por
Pe. José Luis Queimado, C.Ss.R. (Arquivo Santuário Nacional)
Padre José Luis Queimado, C.Ss.R.

Missionário Redentorista com experiência nas missões populares, no atendimento pastoral no Santuário Nacional de Aparecida, passou pela direção do A12, fez missão na Filadélfia nos Estados Unidos. Atualmente é diretor editorial adjunto na Editora Santuário.

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