Por Pe. Daniel Luz Rocchetti Em Opinião

Depois do entusiasmo, o silêncio... Agora é tempo novo para a Missão!

Uma breve análise da conscientização missionária pós – Documento de Aparecida

Há dez anos, em maio de 2007, acontecia em Aparecida, sob o olhar e intercessão da Sempre Virgem Maria, mãe de Nosso Senhor e de cada cristão, aquela que foi a V Conferência Geral do Episcopado Latino Americano e Caribenho. Daqueles dias de reflexão resultou que, sob a tutela do então Papa Bento XVI e sob a escritura de seu sucessor, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio, o atual Papa Francisco, foi apresentado à Igreja o importante Documento de Aparecida.

Na cerimônia de abertura da 5ª Conferência do CELAM em maio de 2007, com o Papa Bento XVI (Foto Arquidiocese de Aparecida)
Foto: Arquidiocese de Aparecida

Este, por sua vez, recebia de herança uma densa história enriquecida pelos outros documentos episcopais do Rio de Janeiro, de Puebla, de Medellín e de Santo Domingo; e ao mesmo tempo trazia o frescor de uma atualização teológica latino-americana e a esperança profética que a missão, em si mesma, traz em seu conceito e em sua realização.

Sim, a missão foi tema central do Documento de Aparecida; e trabalhar este conceito e principalmente realizar a missão, traz em si mesmo o vigor que somente a própria missão é capaz de promover! O lema daquela V Conferência, como facilmente nos recordamos, foi constantemente repetido como um refrão: Discípulos e Missionários de Jesus Cristo, para que nossos povos n’Ele tenham Vida: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6)’.

O fio condutor das reflexões daquela conferência girava, portanto, no encontro pessoal com Jesus Cristo, que rende cada batizado um seu discípulo. No entanto, a experiência do encontro e do discipulado, como se sabe, não pode ser jamais uma experiência passiva e pacífica: o resultado de um encontro com Nosso Senhor, se por um lado nos faz seus discípulos, desejosos de nos conformar ao Seu modo de vida e viver conforme Seus ensinamentos, por outro lado, preenche de tal modo a vida, dando sentido a história pessoal de cada cristão, que não tem como não anunciar, pregar, comunicar aos outros, a boa e salvífica experiência de fé.

A missão é, portanto, a consequência natural do discipulado cristão e a mais madura auto-avaliação que se poderia fazer sobre si mesmo, no caminho e progresso de vida cristã: eu anuncio Jesus Salvador? Minha vida demonstra que sou cristão? Meu modo de ser, de falar, de agir, declara e comunica que sou um dos discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo? Aqui vale a pena recordar uma breve história que se diz atribuída a São Francisco.

Naquele seu tempo, conta-se, que ele chamou alguns de seus companheiros para irem evangelizar no entorno de Assis. Foram pelos caminhos, conversaram com tanta gente, ajudaram outros tantos, lavaram, limparam e acompanharam tantos doentes. Ao retorno para casa, um dos companheiros lhe questionou, pois tinham saído para ‘pregar o Evangelho’, ao passo que tinham feito outras coisas. Diz-se que São Francisco lhe respondeu docilmente: “Tem sempre que pregar o Evangelho... às vezes, com palavras!”.

Assim, o anúncio do Evangelho, quer dizer, a missão é algo que pode ser feita com palavras, mas será primeiro a vida conformada com o Evangelho que testemunhará e proclamará! Como dito acima, a experiência de fé e salvação é algo que acontece entre Nosso Senhor Jesus Cristo e seu discípulo. Quando outros fazem esta experiência do encontro com o Salvador e professam a fé, forma-se a comunidade.

A Igreja é formada, portanto, daqueles que decidiram seguir Nosso Senhor. Assim, também a Igreja precisa constantemente se perguntar se suas decisões estão em conformidade com o Evangelho da Salvação: somos uma comunidade servidora? Somos uma Igreja – hospital de campanha, como nos questiona o Papa Francisco hoje? Ou somos uma Igreja, talvez engessada em seus próprios critérios ou ainda, saudosa de tempos passados e, portanto, desarticulada com a atualidade?

Lembremos que há uma assistência constante da ação do Espírito de Deus para ajudar na criatividade e no discernimento das escolhas que devem ser feitas hoje, inclusive no modo como ser Igreja e no modo como anunciar Jesus Cristo Salvador. Passaram-se anos... já uma década desde aquele tão bonito evento e tão importantes linhas daquele Documento de Aparecida. Caberia hoje dar uma olhada no percurso realizado, no caminho feito. Depois de dez anos de Aparecida, nós como Igreja do Brasil, nos tornamos mais missionários? Sinto pena em constatar que talvez não muito mais, infelizmente.

E não é por causa de um número maior ou menor de pessoas que se declaram católicas, mas porque o contexto sócio-econômico-politico no qual o discípulo-missionário deveria incidir, pelo fato mesmo de se conformar e viver o Evangelho, parece não ter mudado muito para melhor: os escândalos de corrupção, a violência crescente, a desigualdade social que aumenta ainda mais a distância entre ricos e pobres, o descuido com a criação são apenas alguns exemplos.

A palavra ‘missão’ correu feito água ladeira abaixo nos lábios e nos escritos de tanta gente. Missão aqui, missão acolá! Missão jovem, missão na periferia, missão paroquial... Tarde de Missão, Dia Missionário, Missão... Missão... Missão... até que silenciou-se, passou a água. Secou o arroio. Há sempre um medo pelo uso irrestrito de uma palavra, de um conceito. Corre-se o risco de perder sua nuance e sua essência. Não foi diferente com a Missão. Falou-se tanto de Missão que hoje ela parece ter perdido força. Sim, perdeu. Mas também não perdeu.

Nosso Senhor Jesus anunciou aos seus discípulos que o grão semeado na terra tem que morrer para produzir frutos. É verdade que Ele falava de si mesmo e ainda, se referia à vida dedicada de seus discípulos. Porém, também este raciocínio ilumina o nosso conceito de Missão: ao ter sido falado demais, perdendo a força e o seu brilho, precisou-se resgatar a sua essência e torna-lo novamente entusiasmante. Hoje a Missão não é mais uma palavra compreendida de forma superficial ou tratada sem critérios e sem respeito. Aliás, a Missão não é mais uma palavra apenas!

É verdade que há um quadro atual que testemunha negativamente a ação missionária, menos incisiva e influenciadora da sociedade. Mas também há uma geração de discípulos, alguns teólogos, dentre leigos e clérigos, todos missionários, que iluminada e inspirada pela ação de Deus, têm entendido a Missão como vocação de uma vida, como conformação ao Evangelho, como consequência natural do batismo e da experiência de fé com Nosso Senhor. Esta realidade, apesar de nova, traz a força do entusiasmo, da leveza, da alegria próprias da Missão!

E é esta realidade, tão nova, mas tão fecunda, que será o impulso para recomeçar a ir, encontrando com as pessoas, ajudando quem precise, abraçando quem necessite do acalento, de um abraço, de um curativo, e anunciando que Jesus deu sentido e preencheu a vida do discípulo. E enfim, que se vá, agindo assim, mesmo que se tenha que ir a outros terrenos, a outros lugares, a outros países... Porque também lá a Missão deve se realizar!

Pe. Daniel Luz Rocchetti SAC – sacerdote palotino; doutor em Missiologia pela Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma.

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