Por Pe. Antonio Clayton Sant’Anna, C.Ss.R. Em Grão de Trigo Atualizada em 26 MAR 2019 - 12H49

A lei, aplicada sem amor, não justifica nem salva

O bom samaritano

Homilia para 15ºDomingo Comum Ano C

Lc 10, 25-37 –                     

                        

A visão da vida, do mundo e do homem na Bíblia e particularmente no Evangelho une o amor a Deus e ao próximo num só. O amor humano, forma de comunicação básica prioritária e insuperável, tem duas direções inseparáveis: amar a Deus e ao semelhante. Mas, quem é o meu próximo? Talvez nem mesmo o vizinho! Pior ainda, talvez nem o irmão, a irmã, os familiares! Se fizermos uma lista de pessoas consideradas “próximas” enquanto atendidas não por laços de parentesco ou de amizade profunda, ficaremos surpreendidos. Negativamente porque revelar-se-á o egoísmo que estreita o círculo e limita o próximo àquele ou àquela ligados por interesses. Positivamente porque nos forçará a ver que os interesses não são bons critérios de seleção do próximo. Critério melhor seria o bom senso da vida. A própria vida nos faz próximos uns dos outros nas múltiplas relações de humanismo ou necessidades a serem satisfeitas. Carentes somos uns dos outros. Ajuda aqui, conselhos ali, compreensão e acolhida acolá.

Em si, a própria vida não isola ninguém, mas, ao contrário, aproxima-nos mais e mais uns dos outros. Afinal, o mundo é uma “aldeia global”. O progresso científico obriga até poderosas nações a revisarem pretensões dominadoras em relação às nações mais pobres. Há dois sistemas político-econômicos que disputam o espaço social e de poder. O capitalismo e o socialismo. Em teoria são de esquerda ou direita. Na prática centralizam-se ambos na competição impiedosa da lei do mercado e na ambição de propinas conexas à luta pelo poder, normalmente sem ética! Nesse contexto social desumano, o cidadão (ã) deixa de ser ‘próximo’. Vale no papel de “um consumidor a mais”; e nas poucas eleições como eleitor (a) enganado (a) por falsas promessas e bolsas sociais.

Seria esse o caminho do progresso e da cidadania na fraternidade? Se a vida é dom de Deus encontrar nela a sua vontade que nos livre das tentações e das ilusões midiáticas e, enfim, construir relações fraternas, justas, respeitosas na convivência uns com os outros. Qual será a vontade de Deus para nós? O que devemos fazer para amá-lo aqui na terra e garantir estar com ele no céu? Veja a resposta de Jesus em: Lucas, 10,25-37.

Entre os judeus era fácil falar de amor a Deus. O Estado era teocrático: unia vida civil e religiosa. Mas, propor o amor ao próximo complicava. Dizer concretamente quem é o próximo ao qual devo amar é comprometedor: mexe diretamente com os interesses materiais. Excita a disputa por espaço político e influências nas relações e projetos humanos.

Apliquemos a parábola do bom samaritano comparando-a com o que vive hoje o povo brasileiro: penalizado na assistência deplorável à saúde, na expectativa ansiosa do desemprego assustador, preocupado com inflação crescente etc. Há dois anos surgiu no Brasil a Operação Lava Jato. Tem feito um esforço sem precedentes tentando identificar e destravar as teias da corrupção principalmente nestes últimos 13 anos e punir os envolvidos no Governo, Câmara e Senado, Tribunais e Empresas. No texto aquele especialista nas leis civis e religiosas judaicas fizera duas perguntas a Jesus: o que devo fazer  para ganhar o céu? Quem é o meu próximo? Não eram sinceras. A 1.ª envolveria Jesus numa discussão inútil onde os debatedores exibiam a sua sabedoria sobre a Lei mosaica, mas na verdade não se comprometiam com nem com o amor a Deus, nem com ninguém. Por isso mesmo, Jesus deixa a resposta com o especialista: ele bem sabia o que perguntava. Obrigado a recuar em sua provocação, o mestre em leis, “querendo se justificar” (escreve Lucas), “disse a Jesus: ‘E quem é o meu próximo’” (v.29).

Por que “justificar-se”? Porque Jesus o convidou a “fazer” e não só ao “saber e falar”: “Faça o que você disse e sabe, e você viverá desde agora para a vida eterna” (v.28). Era notória a má intenção da 2.ª pergunta: “E quem é o meu próximo?” É o mesmo que se desculpar de amar o próximo dizendo: é muito difícil saber a quem amar como a si mesmo, amando a Deus.

Jesus então contou para aquele mestre nas leis judaicas uma parábola. A história parecia uma coisa tão ingênua que deve ter constrangido o doutor e homem da elite, na sua expectativa de exibir conhecimentos teóricos, numa boa discussão pública com o Mestre.

No final da parábola o samaritano socorreu o judeu assaltado na estrada. Jesus reservou outra surpresa para o especialista em leis. Judeus e samaritanos não se toleravam: na cultura, na política e na religião. O judeu caído na beira da estrada, gemendo sob as feridas e com risco de vida, foi desprezado por um sacerdote e por um levita seus compatriotas a serviço do Templo. Os dois eram presumivelmente as pessoas mais próximas de prestar-lhe ajuda. Não a recebeu. E sim de quem menos se esperava que ela viesse: do samaritano.

A surpresa, a segunda que Jesus fez ao especialista em leis, foi não dar a resposta sobre quem seria segundo a Lei de Deus o “próximo” do ferido. Pediu-lhe a opinião: “Em sua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (v.36). Novamente, o doutor do Templo não teve chance senão concluir: no caso, próximo foi quem fez a misericórdia com o necessitado. E novamente Jesus retrucou: “Vá, (por aí, pelos caminhos da vida) e faça a mesma coisa!” (v.37).

Também a nós, o diálogo de Jesus nessa parábola ilustrativa nos incomoda e questiona nossa prática religiosa, nossos gestos de caridade. Deus só quer o nosso amor, e esse tem que chegar a Ele, ‘rubricado’, ‘envolvido’ na acolhida incondicional aos outros. Pensando em Maria concluímos que na história da humanidade caída em desgraça por causa do pecado, Maria foi a verdadeira samaritana do Evangelho. Colaborou prontamente com o projeto salvador de Deus em Jesus. Com o Filho, gerado em seu seio virginal e acolhido no colo materno aos pés da cruz, ela mergulhou no mistério da misericórdia divina para ser do céu: o refúgio dos pecadores.

 

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