Por Pe. Antonio Clayton Sant’Anna, C.Ss.R. Em Homilias

Homilia 6º Domingo comum - Ano B

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Cura do leproso: simboliza a lei corrigida pelo sacrifício da Vítima (o Servo de Javé)

Marcos 1,40-45

Nem tudo o que é legal, é legítimo. Ou seja, a lei pode ser injusta. Pode ofender a ética. Por exemplo, alguém que dirige embriagado e, por isso, atropela e mata uma pessoa na calçada da rua comete um assassinato não intencional. O ato é definido como crime culposo. Não é doloso; supõe-se que o agente não tivesse a intenção de matar. Pagará a fiança prevista e responderá o processo em liberdade. Aos parentes da vítima sobra apenas chorar a sua morte. Eis aí um caso legal (normatizado pela lei), mas que o senso ético comum não considera legítimo. Se o ato criminoso não intencionado escapa de punição legal, repugna à consciência ética atenuar no plano jurídico a obrigação natural de proteger a vida de todos.

Explicando mais. Na linguagem comum ambos os conceitos, legal e legítimo se referem à lei estabelecida. Legal é o que está conforme a lei ou é por ela validado. A palavra “legítimo” tem um sentido mais amplo. O alcance do que é legal é a letra da lei, a sua fórmula teórica. O alcance do que é legítimo é o senso maior da justiça à luz dos princípios éticos universais. A justiça é sempre maior que a lei. Esta não pode ser subserviente, omissa ou inepta. Muitas leis, aliás, não servem ou cumprem o que é justo. Há interferências, pressões, lobbys de vários tipos: político, econômico, ideológico; interesses de grupos etc. na formulação, votação e aplicação das leis. Nas eleições o objetivo era conquistar e manter o poder a qualquer preço. Ao preço do mensalão, do petrolão e do que mais surgir na Operação Lava Jato ou na avalanche de corrupção nos meandros do poder. Mas, não basta a maioria legal para haver cidadania, democracia, paz e progresso com justiça.


Essa breve contraposição do legal e do legítimo vigente entre nós já estava presente na sociedade no tempo de Jesus. E ele se viu envolvido por leis com força de códigos, costumes e tradições. Ilegítimas porque discriminatórias ou ofensivas à vida. É típico o episódio do leproso narrado por Mateus, Marcos e Lucas. A cura milagrosa é sempre o primeiro chamariz das cenas. Entretanto, quem deseja mesmo adentrar a mensagem do texto e achegar-se ao ensino de Jesus, deve ir além do milagre, pois ele é só um sinal dos princípios e das atitudes a serem vividos pelos discípulos. O contato de Jesus com o leproso, que lhe implorava limpá-lo daquela doença infamante e excludente, foi uma grave desobediência civil às imposições legais. Jesus violou em público a legislação permitindo a aproximação e o contato com pessoa excluída por lei e discriminada pela repugnância social. Rompeu com a ordem vigente, afrontou costumes e normas de convivência. Tudo isso porque em vez de observar o que era “legal”, optou seguir o que era a coisa legítima a fazer. Praticou a lei maior da solidariedade compassiva. Da acolhida caridosa. Nas palavras, ações e ensino o Mestre suscitou um real processo de libertação nas relações da sociedade. Mais ainda em favor dos pobres, marginalizados e desvalidos. Leia o episódio: Marcos 1, 40-45.

 

Nas atitudes com o leproso Jesus se mostra acima da Antiga Lei com seus ritos e prescrições.


O diagnóstico médico da época não distinguia muito lepra e doenças de pele. Mais do que doença a lepra era considerada um tipo de impureza que incapacitava a pessoa até para os atos religiosos comuns. Através do estatuto jurídico da impureza legal o aspecto religioso preponderava sobre cuidado médico, sanitário e público. Mesmo sem melhor conhecimento médico a lepra inspirava forte repugnância nos outros. A opinião do povo via nela um sinal de pecado e, portanto, um castigo divino. A lei segregava os leprosos visando proteger o povo em geral contra o contágio. Bastava tocar num leproso para contaminar-se juridicamente. Um código geral de impureza social definia quem era digno ou não de pertencer ao povo de Deus. Nas atitudes com o leproso Jesus se mostra acima da Antiga Lei com seus ritos e prescrições. Ele veio infundir nela um espírito novo, aperfeiçoá-la. Mostra ao povo que sua missão messiânica era justamente superar, vencer, romper o isolamento da pessoa humana com Deus. Jesus se apresenta inaugurando uma nova época para toda a humanidade: a do amor misericordioso que regenera, vivifica não só a carne doente, mas purifica no íntimo até mesmo o mais sujo dos homens. Ninguém fica excluído, marginalizado e proibido de se relacionar com Deus. O tempo messiânico anulou normas e ritos prévios para as pessoas serem amadas por Deus. Ele se aproxima de todos, logo ninguém poderá afastar ninguém do seu Reino.


O leproso fizera a sua parte: prostrara-se cheio de confiança implorando: “Se queres tens o poder de curar-me” (v.40). A resposta categórica de Jesus curou e reintegrou o homem no convívio dos outros. Impunha-se então tornar legítimo o que era apenas legal: exigir do sacerdote no Templo o atestado de cura e oferecer um sacrifício de agradecimento a Deus. A lição do texto para todos os tempos e culturas é: uma norma da lei humana só é boa se tiver um espírito legítimo. Ou seja, se não ferir a ética, se preservar o direito em todos, a dignidade inata da pessoa, inclusive a do feto no ventre materno. Na Nova Aliança a letra mata, o espírito dá vida. (2Cor.3,6). Não é a lei dos homens, não é o código votado no Supremo que em última análise decide quem deve nascer e quando. A onipotência não é inerente aos cargos públicos de presidente, deputado, senador, juiz. A democracia só existirá se preservar antes de tudo a vida indefesa, se for purificada pela “ficha limpa”.


Aplicação mariana.
Nos evangelhos o milagre não é fim em si mesmo. É sinal do poder messiânico de Jesus implantando-se nos corações e na convivência. Ele foi sacerdote e vítima da verdadeira justiça. O capítulo 53 de Isaías descreve o “Cristo leproso”, desprezado e rejeitado por todos. Maria acolheu no Calvário o corpo lacerado, torturado e desfigurado do Filho, o inocente excluído da ordem legal e sentenciado como criminoso. Conheceria ela as profecias de Isaías? De qualquer modo ela “contaminou-se” acolhendo seu cadáver, mas participou na redenção da cruz que nos purificou. Sua atitude na fé incondicional nos ensina e anima a achar os caminhos justos. Hoje, se formos capazes de ler nas palavras e gestos de Jesus os sinais do Reino de Deus, saberemos condenar sem medo a lepra da corrupção política e moral que vem assolando o Brasil e banir os corruptos dos cargos públicos.

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