Por Armando Alexandre dos Santos Em Palavra do Associado Atualizada em 03 OUT 2017 - 08H39

Santidade e martírio – algumas noções básicas

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Nos primeiros tempos do Cristianismo, somente eram venerados como Santos ou Santas pessoas que tivessem derramado o seu sangue confessando a Fé em Jesus Cristo. Em outros termos, os mártires. O martírio, na prática, constituía a mais evidente manifestação da santidade. Identificava-se quase com ela. Mártir é palavra de origem grega, que significa testemunho; mártir era quem dava testemunho heroico e definitivo de Jesus Cristo, selando esse testemunho com seu próprio sangue.

Passados, porém, os três primeiros séculos de história da Igreja, séculos esses que se caracterizaram por um quase contínuo estado de perseguição, novas formas de manifestação da santidade foram, pouco a pouco, se afirmando. Não mais apenas pela morte, mas também pela vida virtuosa, com a prática constante das virtudes em grau heroico, se entendeu que podia ser feita a confissão da Fé em Jesus Cristo e se podia dar testemunho do Filho de Deus. Passaram, então, a ser venerados santos e santas não mártires. No caso dos homens, eram geralmente chamados “confessores”, porque confessavam a Fé. No das mulheres, dependendo de sua condição, eram virgens, matronas ou viúvas. O calendário litúrgico da Igreja registra pessoas de todas essas condições.

Os santos, além de intercessores junto ao trono de Deus, são modelos propostos pela Igreja à admiração e imitação dos fiéis. Nas últimas décadas, a Santa Sé tem procurado apresentar, aos fiéis das mais diversas condições, a Santidade como um ideal possível de ser atingido, e não mais como algo tão difícil e inacessível que somente por via de exceção poderia ser alcançado.

 

“Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48) - disse o Senhor, não apenas a seus Apóstolos e a uns poucos escolhidos, mas à imensa multidão que acorreu a ouvir o Sermão da Montanha.

“Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48) - disse o Senhor, não apenas a seus Apóstolos e a uns poucos escolhidos, mas à imensa multidão que acorreu a ouvir o Sermão da Montanha. A Igreja sempre entendeu, por isso, que o chamado à mais excelsa perfeição, aquela que têm como modelo o próprio Pai, era dirigido à generalidade dos fiéis.

Assim se pronunciou, por exemplo, o Papa Pio XI: “´Esta é a vontade de Deus, diz São Paulo, a vossa santificação´ (I Tess 4,3); e qual deva ser essa santificação, declarou-o o mesmo Senhor: `Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito` (Mt 5,48). Não se creia, pois, que o convite seja feito apenas a algumas poucas almas privilegiadas, e que os outros possam se contentar com um grau inferior de virtude. Pelo contrário, como se patenteia pelo teor das palavras, a lei é universal e não admite exceção” (Encíclica Rerum omnium perturbationem, de 26/1/1923).

No mesmo sentido, afirmou textualmente a Constituição Lumen Gentium que “todos os fiéis, de qualquer condição e estado, fortalecidos com tantos e tão poderosos meios de salvação, são chamados pelo Senhor, cada um pelo seu caminho, para a perfeição daquela santidade com a que é perfeito o próprio Pai” (n. 11).

Não somente pela via dos conselhos, seguida habitualmente pelas almas consagradas, mas também pela via dos preceitos, a qual todos, sem exceção, podem trilhar, a perfeição é sempre um ideal atingível, para o qual temos a própria palavra do Senhor a nos convidar.

No século XVII, o Papa Urbano VIII (1625-1634) proibiu que pessoas não beatificadas ou canonizadas pela Santa Sé recebessem qualquer tipo de culto público e fixou normas muito estritas para o trâmite dos processos de beatificação e canonização. Tais normas, que hoje poderiam parecer extremadamente rigorosas, eram sem dúvida necessárias no contexto em que foram estabelecidas, para introduzir uma indispensável disciplina onde, antes, havia uma situação anômica e que requeria urgente normatização. Durante séculos vigoraram, em toda a Igreja, as normas sábias que aquele Pontífice fixou, e produziram admiráveis efeitos. Mas, mudados os tempos, julgou a sabedoria da Igreja mais conforme à necessidade desses tempos apresentar em maior número, e com maior variedade, modelos de santidade aos fieis de todas as condições, permitindo assim que, pela via da exemplaridade, mais acessível se tornasse a santidade, de acordo com a frase latina “verba movent, exempla trahunt” (as palavras movem, os exemplos arrastam).

Com esse escopo, o Papa João Paulo II, recentemente canonizado, promulgou, em 1983, a Constituição Apostólica Divinus perfectionis Magister, na qual estabeleceu novas regras para os processos de beatificação e canonização, que em princípio conservaram no essencial todo o antigo rigor, mas abrandaram e suavizaram um tanto exigências secundárias e acidentais, que tinham sido necessárias no passado, mas cuja prática, pouco a pouco, acabara produzindo um formalismo por vezes excessivo e até mesmo impeditivo de que muitos processos fossem abertos ou que, tendo sido abertos, chegassem a bom termo.

Armando Alexandre dos Santos é jornalista profissional

e historiador, membro do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro.

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