A persistência no passado colonial brasileiro, em plena era líquido-moderna, é simplesmente um descalabro. É imoral a proliferação de gestos e atos que promovem a desigualdade racial. Em pleno Brasil, mulheres e homens são colocados à margem da sociedade por causa da cor de sua pele. Há dois mundos: o mundo dos brancos e o mundo dos negros.
Embora o mito da democracia racial negue, brancos e negros não possuem as mesmas oportunidades. Aos negros são negados o direito de participar, igualmente com os brancos, dos processos socioeconômicos e políticos brasileiros. No presente, como no passado colonial, confere-se aos brancos supremacia e aos negros obediência e submissão. O racismo é o fruto da persistência no modus operandi colonial em plena era líquido-moderna. A quem interessa essa prática imoral e criminosa?
Lamentavelmente, mulheres e homens negros brasileiros são vistos como objetos e mera “massa de manobras” (FERNANDES, 2007, p. 108). Na sociedade líquido-moderna brasileira, os negros são impedidos de projetar seus anseios e suas necessidades. Não podemos negar uma relevante inconsciência abolicionista no Brasil. Para a raça dominante, os brancos, a abolição não aconteceu.
O negro, tão presente no passado colonial, continua sem proteção e consciência social própria. Os negros sempre se apresentam diante dos brancos com subserviência. Aos negros são negados até mesmo a sua condição humana. A burguesia branca brasileira baniu os negros da cena histórica. Eles foram e continuam sendo, na sociedade brasileira, selecionados negativamente.
As mulheres e homens negros estão predestinados a se contentarem com o “serviço de negro” (FERNANDES, 2007, p. 109). Esse serviço são trabalhos incertos e brutos, tão penosos quanto mal remunerados. O negro deseja ser tratado como HOMEM, como alguém que é senhor do seu nariz.
No Brasil, as mulheres e homens negros não são donos de seu próprio nariz. Ex-escravos brasileiros não têm liberdade para trabalhar como preferem. Aos negros só é permitido o “serviço de negro”, com mínimas exceções. O tempo de escravidão pode ter acabado para alguns, mas para uma parte da sociedade brasileira, as mulheres e homens negros continuam sendo vistos como coisas imprestáveis.
O racismo estrutural brasileiro provoca um enorme desajuste na sociedade ao transformar os negros em objetos refugados. A mídia brasileira difunde imagens negativas do negro, reforçando estereótipos. Não está interessada em defender os interesses das mulheres e homens negros.
É importante que os negros brasileiros se organizem e lutem para melhorar sua posição na sociedade, marcada pelo racismo e outros preconceitos.
O racismo estrutural, dentro da sociedade brasileira, é extremamente violento e exclusivista. Ele faz com que o preconceito e a discriminação contra as mulheres e os homens negros brasileiros sejam vistos como um ato moral e, até mesmo, necessário.
Diante dos fatos pergunto: Qual a posição da Igreja Católica diante das práticas racistas contra os negros? No presente, bem como no passado, os mores católicos proscreviam a escravidão do homem pelo homem. No entanto, hoje não mais, mas no passado a Igreja Católica, mesmo não concordando com a escravidão, a compreendeu como sendo uma conditio sine qua non.
Isto é, sem a escravidão, as mulheres e os homens negros seriam uns brutos, uns seres condenados a viverem entre as fronteiras do paganismo e da animalidade. Sem a escravidão os negros não conheceriam a graça do Batismo. Assim sendo, a Igreja Católica, no pretérito distante, compreendeu que a escravidão era um mal necessário. Ou seja, é melhor apanhar do que perder a alma no fogo do inferno. Ora, se Jesus, o Filho de Deus, apanhou, porque os negros, que não possuíam alma, não haveriam também de apanhar?
À luz desse pensamento, o racismo na sociedade brasileira, mais estrutural do que cultural, passou a ser uma práxis moral e institucional. Isto é, capturar, acorrentar, espancar, desqualificar as mulheres e os homens negros não era considerado, e ainda continua não sendo considerado, um mal em si mesmo. Mas, um bem em si mesmo ou uma necessidade natural. Faz parte do DNA dos negros a subserviência.
Biologicamente os negros são vistos como criaturas subumanas, inferiores, dependentes e sujeitos a todos os tipos de degradação. Aos brancos a supremacia. Aos negros a obediência e o chicote. No Brasil colonial, por exemplo, a discriminação racial se elaborou, primariamente, “como um recurso para distanciar socialmente (...) o senhor e o escravo” (FERNANDES, 2007, p. 119). No entanto, essa separação chegou ao seu extremo. Não demorou muito para a supremacia branca brasileira tirar as “palavras, gestos, roupas, alojamentos, alimentação, ocupações, recreação, ações, aspirações, direitos e deveres” (FERNANDES, 2007, p. 119).
Depois, a mesma supremacia branca brasileira dissertou as teses que afirmavam que os negros formavam a massa da população, uma maioria potencialmente perigosa. Por isso, para se evitar uma explosão incontrolável de negros rebelados era melhor mantê-los acorrentados e surrá-los conforme o querer de seu dono. Não se chega ao progresso individual e social sem a verdadeira disciplina.
Desde o Brasil colonial, até os dias atuas. os negros são vistos como “inimigos da ordem pública e privada” (FERNANDES, 2007, p. 119). Na atualidade líquido-moderna, troncos, mutilações, correntes, ferro quente, máscaras de ferro e outros instrumentos de tortura estão fora de moda. Assim sendo, as mulheres e os homens negros brasileiros continuam sendo escravizados e torturados pela privação delas e deles nas relações sociais, históricas, culturais, econômicas, jurídicas, religiosas e morais da sociedade brasileira vigente. No Brasil, a cor da pele determina a posição social. No Brasil, a “pessoa de cor” deve manter-se sempre em seu “devido lugar”.
As mulheres e os homens negros brasileiros são pessoas talentosas. Elas e eles são seres humanos possuidores de dotes singulares. No entanto, as mulheres e os homens negros brasileiros continuam sendo vistos, por alguns brancos, como “a exceção que confirma a regra” (FERNANDES, 2007, p. 123). Isso significa que tudo o que as mulheres e os homens de “cor” fizerem de excepcional não beneficiará em nada sua “raça”.
As mulheres e os homens negros brasileiros, talentosos e bem-sucedidos na vida, são vistos, por alguns brancos e também negros, como exceção à regra. Isso significa que: a qualquer momento elas e eles, naturalmente, vão decepcionar. Não raramente, ouvimos as seguintes frases a respeito das mulheres e dos homens negros: “apesar de ser preto, ele é uma boa pessoa”. “Ele é um preto de alma branca”. “Ele é preto só por fora”. “Nossa, ele é tão bacana que nem parece preto”. “Logo se vê: preto quando não suja na entrada, suja na saída. Não se pode esperar muito de um preto”. “Cada macaco no seu galho”. “É um preto. Logo, não se pode esperar muito dele”.
Frases preconceituosas contra as mulheres e homens negros não nos faltam. Elas foram ditas no passado e continuam sendo ditas nos dia atuais com muita naturalidade e provocando grandes risadas. Racismo não é brincadeira. Ao contrário, é coisa muito séria.
Diante dos fatos, o que podemos ou o que devemos fazer enquanto mulheres e homens negros? Precisamos de uma nova abolição. Precisamos resgatar nossa identidade de agentes sociais históricos, e deixar de pensar que nós, negras e negros brasileiros, somos a escória da sociedade brasileira. Nós não somos agentes marginais. Nós somos, ao contrário, mulheres e homens negros, sujeitos e protagonistas na sociedade brasileira vigente.
O nascimento físico, antes de ser um momento de alegria, é um momento de tensões, dores e gritos. O segundo nascimento não é diferente. O renascimento da consciência é tão doloroso quanto o nascimento físico. Trazer para si a responsabilidade de sujeito de sua própria história não é algo fácil, principalmente, quando se é mulher e homem negros.
No palco da história brasileira, as mulheres e os homens negros foram colocados como figurantes e não como protagonistas ou atrizes e atores principais. Assim sendo, devemos nos permitir que renasça em nós um “novo negro” (FERNANDES, 2007, p. 123). Isto é, um negro mais politizado e possuidor de uma mentalidade mais secularizada e menos colonial.
Temos que permitir que renasça em nós um novo negro, que não tem medo da livre competição com o branco. Não podemos, enquanto mulheres e homens negros, impedir que renasça em nós um novo negro que pretende “vencer na vida a todo custo” (FERNANDES, 2007, p. 123).
Por fim, mas não menos importante, nós, enquanto mulheres e homens negros, devemos de forma ativa e constante “repulsar às manifestações tradicionais do preconceito e da discriminação raciais” (FERNANDES, 2007, p. 124). É preciso ter coragem de romper, de uma vez por todas, com os estereótipos e com as conveniências dissimuladas, “impondo-se socialmente por seus méritos pessoais, por sua riqueza e por seu prestígio” (FERNANDES, 2007, p. 124).
A cor da nossa pele, mulheres e homens negros brasileiros, não pode continuar determinando nossa posição social. Temos que quebrar o paralelismo colonial entre “cor” e “posição social”. A nossa consciência, de mulheres e homens negros brasileiros, deformada pelos argumentos coloniais, precisa ser restaurada. Precisamos fortalecer nossa base emocional e moral. Temos que buscar novas fontes de estímulos.
A ascensão das mulheres e dos homens negros brasileiros não é um folclore. É uma realidade possível. Podemos estar onde queremos estar. Somos gente e não coisas, objetos ou lixo sem direito ao reciclo. Somos negras e negros: protagonistas e agentes sociais históricos. Não temos que ficar esperando, por tempo indeterminado, para nos igualarmos aos brancos. Precisamos fazer acontecer aqui e agora a “Segunda Abolição” (FERNANDES, 2007, p. 127).
O dilema racial brasileiro é de caráter estrutural. No entanto, precisamos de forma gradual eliminar as desigualdades impostas entre brancos e negros. Estamos na sociedade líquido-moderna. Precisamos, enquanto mulheres e homens negros brasileiros, tomar consciência social, histórica e política para modificá-las e reorganizá-las. As mulheres e os homens negros brasileiros não podem “permanecer historicamente neutros, negando-se como fator humano de mudanças socioculturais” (FERNANDES, 2007, p. 129).
Ao persistirmos no passado colonial brasileiro nós, mulheres e homens negros brasileiros, continuaremos nos vendo sempre como vítimas impotentes. Precisamos reagir imediatamente para nos tornarmos “capazes de interagir socialmente, de maneira positiva, com as exigências do presente em defesa de nosso futuro humano” (FERNANDES, 2007, p. 130).
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