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Por Pe. José Carlos Linhares Pontes Júnior, C.Ss.R. Em Espiritualidade

Quando a morte chega: Um olhar a partir da cultura moçambicana

Em Furacungo, Moçambique, cemitério fica dentro de uma floresta.

Morte! palavra no singular que expressa uma infinidade de incógnitas que permeia todo ser. Vida! certeza da realidade concreta atual e iminente. O antagonismo é a compreensão de que vida e morte caminham juntas. É preciso morrer para viver e é preciso viver para que se possa morrer.

Você já fez a experiência de morar próximo ao cemitério? Acompanhar praticamente todas as semanas e, às vezes, em dias seguidos a morte alguém na cidade? Ver o cortejo fúnebre passando, o choro e a dor dos que ficam? É uma realidade desafiadora! Não acredito que possamos ficar indiferentes quando a morte chega. Mesmo que não saibamos quem faleceu, ao saber do ocorrido pensamos na nossa própria vida e no que é a morte.

Existe um melhor momento para morrer? É injusto a morte de uma criança? Podemos falar em justiça no que se refere a morte? Alguns preferem morrer lentamente para que a família possa se preparar, outros pedem uma morte rápida e súbita. Independente de como a morte chega, se em casa, no hospital ou na rua, devemos aprender a valorizar a vida.

 

"Mesmo em meio a dor, as pessoas se solidarizam gerando vida no último adeus a pessoa falecida.

Nesse aparente dualismo entre morte e vida é que destaco alguns elementos culturais do povo moçambicano em relação ao velório. Mesmo em meio a dor, as pessoas se solidarizam gerando vida no último adeus a pessoa falecida. A casa paroquial dos Redentoristas fica na estrada do cemitério da Vila de Furacungo (Tete – Moçambique), aproximadamente uns quinhentos metros. Pela janela da nossa casa percebemos a marcha fúnebre que segue ao cemitério.

Aqui em Furacungo é responsabilidade do marceneiro que mora mais próximo a residência do falecido a confecção do caixão. A família doa a madeira e ele faz sem cobrar nada. O cemitério é comunitário, não possuindo taxas de manutenção nem planos funerários. Você pode me perguntar, mas quem cava a cova? Eu lhe respondo que depende! Se quem morreu foi uma criança de até três meses então as mulheres cavam a cova numa profundidade até o joelho. A partir dos três meses, quem cava são os homens e quanto mais idade tiver a pessoa, maior será a cova. Se o falecido for homem, então outros homens irão banhar o corpo e colocar dentro do caixão; se for mulher, esta responsabilidade é das mulheres.

Ritual fúnebre dos povos de Furacungo em Moçambique.

O costume é velar o corpo da pessoa por um dia. Se quem morreu foi uma criança de até três meses, então o enterro será pela manhã e será enterrado num espaço reservado dentro do cemitério. O cortejo é feito pelas mulheres, mas se algum homem quiser participar não tem problema. Passados dos três meses, todos que falecem devem ser enterrados por volta das 14h. Esse horário demonstra tem dois sentidos: 1- se a família decidir enterrar antes, está demonstrando que não gostava da pessoa e, 2- é um horário bom para as pessoas que vem caminhando de outras comunidades para o funeral. As mulheres vão na frente e os homens atrás, assim todos vão para o cemitério.

Próximo a casa onde tem uma pessoa falecida são colocados folhagem verde na rua. Dessa forma, todos que por ali passarem devem respeitar a dor e o luto daquela família. Se a pessoa estiver de carro ou moto, devem diminuir a velocidade; se de bicicleta, deve descer e ir caminhando; se a pé, deve seguir sem gritos ou brincadeiras; se tiver de chapéu, deve tirá-lo da cabeça. Além disso, se estiverem fazendo uma construção próximo a casa do falecido, em respeito para-se a construção.

Na casa do falecido pernoitam os amigos e familiares que levam dinheiro, milho, farinha para ajudar a alimentar todos que ficarão no velório. A redor da casa, dormem os vizinhos que guarnecendo o corpo durante aquela última noite. Um dos objetos mais comuns que são doados são as capulanas (veste da região). Com elas se cobre o corpo e o caixão. Durante o velório é lida a lista com o nome de todas as pessoas que ajudaram e o que doaram. As mulheres entram descalças na casa em que está o falecido.

Foto de: arquivo pessoal. 

Ritual fúnebre dos povos de Furacungo em Moçambique.

O cemitério fica dentro de uma floresta e somente é permitido cortar alguma árvore se for para utilizar no enterro.

 

O cemitério fica dentro de uma floresta e somente é permitido cortar alguma árvore se for para utilizar no enterro. Na entrada tem um tronco e ninguém pode entrar se não tiver avisado ao chefe da comunidade, essa é uma medida que visa combater as magias.

A cova é grande em largura, mas lá no fundo, onde o caixão ficará, a abertura é exatamente do tamanho e do formato do caixão. A partir do momento em que está aberta, esta não fica sozinha. Sempre alguém fica de guarda na cova. As mulheres levam comida até o grupo que está guarnecendo a cova no cemitério. Conforme a tradição dos antigos, caso seja aberta uma cova e posteriormente se percebesse que a pessoa estava viva, então era precisa enterrar uma bananeira na cova.

Os cristãos católicos tem três momentos distintos: a oração na casa que acontece no dia do falecimento; a oração na hora em que é retirado o caixão da casa; e, a oração no cemitério. Podendo ter missa em qualquer um desses momentos. No Novo Testamento, o evangelista João narrar estas palavras de Jesus: “Por isso o Pai me ama, porque dou minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou livremente” (Jo 10, 17-18a). Cristo em sua encarnação mostrou que o pecado desumaniza a criatura e por isto gera a morte. Mas, Ele possibilita a todos a vida plena com a remissão dos pecados. Foi Ele quem desceu a mansão dos mortos e ressuscitou. Por tal fato, a humanidade conhece o caminho a ser seguido. Esta é apenas uma etapa no caminhar definitivo ao regresso acolhedor do Pai.

 

"O período do luto é muito relativo: se quem morreu foram crianças, então não precisam guardar o tempo de luto; mas a partir dos três meses de vida, então o período de luto é relativo a idade da pessoa que morreu e a importância que ela tinha".

No cemitério são prestadas as últimas homenagens e solidariedade para com a família. Coloca-se o caixão no espaço moldado para isto e cobre-o com troncos de madeira. A cabeça do defunto fica em direção ao sol poente. Junto a cova vai a esteira na qual a pessoa dormia enquanto viva, a maca na qual os homens trouxeram o corpo até o cemitério e roupas do falecido. Como ato de partida definitiva, a iniciar pelos familiares, todos colocam um punhado de areia na cova e posteriormente os homes enterram definitivamente a cova. Após, faz-se um monte com terra em cima do túmulo e os familiares colocam as coroas de flores.

Todos voltam para casa munidos de vários sentimentos: dor, saúde, alegria na ressurreição, esperanças... O período do luto é muito relativo: se quem morreu foram crianças, então não precisam guardar o tempo de luto; mas a partir dos três meses de vida, então o período de luto é relativo a idade da pessoa que morreu e a importância que ela tinha.

Independente das crenças e de como a pessoa escolhe viver, procurei destacar a questão cultural. Os ritos fúnebres, o período do luto, as vestes são marcas de cada cultura que em resposta ao fato morte reagem especificamente conforme a realidade social na qual estão inseridas.

Em todo caso, a grande busca do ser humano ao infinito e eterno nesta existência não terminou. A morte continua sendo um enigma que assola toda a humanidade. Mesmo com os avançados estudos do genoma humano, da clonagem, da biotecnologia o ser humano continua se questionando o que de fato é a morte. As perguntas existenciais da humanidade, de onde vim, para onde vou, não cessam de interrogar a racionalidade num desejo constante de auto-preservação da espécie que luta constantemente pela vida. Esta é que deve ser preservada e conquistada a cada dia.

Diácono José Carlos FortalezaPe. José Carlos Linhares Pontes Júnior, C.Ss.R.
É Missionário Redentorista da Vice-Província de Fortaleza (CE)
Mora atualmente na Comunidade Redentorista de Tete em Moçambique

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