História da Igreja

O histórico encontro do Papa com o líder da Igreja Anglicana

Monarca britânico participa de uma oração pública ao lado de Leão XIV. Espera-se que o encontro traga uma maior aproximação entre as duas igrejas.

Pe Jose Inacio de Medeiros

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

24 OUT 2025 - 15H12 (Atualizada em 24 OUT 2025 - 16H27)

Reprodução/ Vatican News

No último dia 23 de outubro, aconteceu um momento histórico registrado no Vaticano: pela primeira vez em mais de 500 anos, o Santo Padre rezou ao lado do rei da Inglaterra.

O Papa Leão XIV presidiu uma Oração Ecumênica pelo Cuidado da Criação junto com a Família Real Britânica na Capela Sistina. O momento de oração marcou a conclusão da visita de Estado do rei Charles III ao Papa. Como líder supremo da Igreja da Inglaterra, o rei procurou dar à ocasião também um significado espiritual, especialmente no contexto do Jubileu da Esperança.

A eles se juntaram o Revmo. Stephen Cottrell, 98º Arcebispo de York e Primaz da Inglaterra, segundo bispo mais antigo da Igreja da Inglaterra.

O Papa e o Arcebispo conduziram a oração composta por salmos, cantos e leitura do Evangelho. A capela com seus afrescos de Michelangelo estava repleta de convidados, incluindo o Arcebispo de Westminster e Presidente da Conferência dos Bispos Católicos da Inglaterra e País de Gales, Cardeal Vincent Nichols, e o Arcebispo de St. Andrews e Edimburgo, Leo Cushley, representando o episcopado escocês.

O momento histórico marca o reencontro entre os líderes das duas igrejas após a separação provocada pela Reforma Inglesa, que separou a igreja da Inglaterra em relação à Igreja Católica, em 1534.

Esse momento vem se juntar a alguns movimentos de aproximação realizados no passado, especialmente a partir do pontificado de Paulo VI, mas que, devido a alguns problemas, foram interrompidos. Ele se coloca também no contexto de uma forte crise experimentada pela igreja anglicana, que perde membros inclusive para a Igreja Católica, fecha templos e sofre com dificuldades administrativas.

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Processo de afastamento e separação

Diferentemente do que acontecia em outras regiões da Europa, a Reforma Religiosa na Inglaterra do século XVI ocorreu a partir da iniciativa de um rei, e não de teólogos ou reformadores.

Muitos livros de história narram que a separação se deu por causa da não aceitação do divórcio do rei pelo papa, o que teria levado Henrique VIII a romper com a Igreja Católica. Porém, problemas políticos e certo estranhamento já vinham acontecendo desde a Guerra dos Cem Anos (1337-1453).

Além disso, críticas eram feitas em relação ao comportamento do clero católico na Inglaterra desde o final do século XV. Havia ainda o descontentamento com os altos impostos, taxas e dízimos que todos os anos deviam ser recolhidos e enviados a Roma.

Leia MaisQuais as diferenças e semelhanças entre católicos e anglicanos? Durante sete anos, a tensão entre Londres e Roma foi se acirrando cada vez mais. O rei pressionou o Parlamento para que votasse leis favoráveis que acabaram levando ao cisma em 1536, e à excomunhão de Henrique VIII, em 1538.

A situação já era tensa devido à votação do Ato de Supremacia, em 1534, pelo qual Henrique VIII se tornava o supremo mandatário da Igreja da Inglaterra. Com a separação, os dividendos que Roma recebia foram transferidos para o rei, que ainda ganhou o poder de reformar a Igreja no país, encerrando qualquer ligação com Roma.

Interessante notar que as leis versavam sobre questões administrativas e econômicas, e nenhuma delas abordava questões teológicas ou doutrinais.

Depois do curto reinado de Eduardo VI (1547-1553), sucessor de Henrique VIII e da tentativa de “recatolização” do país, promovida pela rainha Mary, fervorosa católica, a Inglaterra se tornou totalmente protestante no reinado de sua meia-irmã Elizabeth I (1558-1603). De lá para cá não houve mudanças substanciais nesse panorama.

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Organização da igreja Anglicana

A partir de 1571, Elizabeth I se declarou contrária a toda e qualquer mudança no âmbito religioso, forjando assim o que seria chamado de anglicanismo que, pela origem política e teológica, se distingue do protestantismo no resto da Europa pelo fato de ter sido imposto pela monarquia, com a conivência do Parlamento que lhe era subserviente.

A guinada para o protestantismo gerou oposição e críticas e, com isso, as execuções por motivo de não conformidade religiosa aconteceram. Entre 1509 e 1603, aconteceram cerca de 570 execuções, das quais 239 católicas.

Entre elas, as mais conhecidas estão a do bispo John Fisher e a do ex-chanceler Thomas Morus, depois declarados como santos pela Igreja católica. Eles se opuseram às medidas reformadoras e de separação, sendo executados (1535). Muitos mosteiros também foram extintos e suas propriedades confiscadas (1536-1539). Houve ainda o silenciamento de vozes e de movimentos dissidentes.

Nas décadas seguintes, setores sociais e religiosos desvinculados do poder de Estado mantiveram-se distantes da nova igreja. Alguns conservaram a religião católica e outros aderiram ao calvinismo, sendo o grupo mais importante o dos puritanos. De Henrique VIII até hoje, o monarca reinante se torna efetivamente o líder da Igreja Anglicana, dominando tanto os assuntos de Estado, como também os religiosos.

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A igreja anglicana hoje

A igreja anglicana se tornou a corrente religiosa predominante no Reino Unido. Com a expansão marítima do país, a denominação se espalhou pelo mundo, havendo seguidores em boa parte dos territórios que faziam parte do império britânico e também em outros países. Cerca de 85 milhões de pessoas em 165 países pertencem à igreja anglicana e o Arcebispo de Canterbury é o símbolo de unidade, aceito como o “primeiro entre iguais”.

No passado aconteceu um esforço de aproximação com a Igreja católica, sobretudo nos pontificados de Paulo VI e João Paulo II, mas a incidência de alguns temas mais candentes como a bênção de casais do mesmo sexo e a ordenação de mulheres, com seu acesso, inclusive, ao episcopado, fez com que esse esforço de aproximação fosse reduzido.

Leia MaisQuais as diferenças e semelhanças entre católicos e anglicanos?Papa aprova novas normas para comunhão de Católicos e Anglicanos Esses temas também geram tensões dentro da própria igreja, com conflitos entre anglicanos mais conservadores, principalmente na África, e os mais liberais, do Reino Unido, Canadá e Estados Unidos. Recentemente, a nomeação de Sarah Mullally como a primeira mulher a liderar a igreja provocou críticas de conservadores e intensificou a ameaça de cisma, com algumas organizações conservadoras ameaçando romper com a comunhão anglicana.

Na igreja anglicana se sente também o enfraquecimento da religião, fenômeno comum em toda Europa, se refletindo no fechamento de templos e dificuldades administrativas. Um levantamento feito pelo jornal Telegraph mostrou que, nos últimos trinta anos, cerca de 970 templos fecharam na Inglaterra.

Por isso, esse encontro ecumênico de oração, realizado em latim e inglês, é visto com grande expectativa porque hoje existem boas relações entre o Vaticano e o Reino Unido. O rei Charles tem demonstrado empenho no envolvimento inter-religioso. Espera-se que isso possa trazer uma maior aproximação entre as duas igrejas e que a conversação já feita no passado possa ser retomada para, quem sabe num futuro não muito distante, se pensar na volta da comunhão entre as duas igrejas.

Que São João Henry Newman, convertido do anglicanismo, feito cardeal da Igreja Católica e que em poucos dias será proclamado como Doutor da Igreja e Patrono da Educação católica, possa interceder junto a Deus para que a caminhada seja feita na direção da comunhão e sinodalidade!

Escrito por:
Pe Jose Inacio de Medeiros
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista que atua no Instituto Histórico Redentorista, em Roma. Graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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