Por Redação A12 Em Música

ANTE A MORTE: MÚSICA E ESPIRITUALIDADE

A morte é a única certeza que em vida todo ser humano possui. Mesmo assim, não costumamos nos preparar para enfrentar o “fim”. Embora desenganadas pelos médicos, pessoas portadoras de doenças graves buscam prolongar suas vidas o máximo possível, embora o diagnóstico médico indique que não há mais cura para a sua doença. Resta ao paciente esperar a sua “hora”. Mas, se não há saída, como enfrentar essa realidade? Como oferecer ao moribundo uma “boa qualidade de morte”? Como ajudar os familiares no momento de “passagem” de um ente querido? A Musicoterapia é um auxílio eficaz para esse momento importante na história da família. Os Cuidados Paliativos associados à Música com enfoque espiritual, trazem alento, serenidade, apoio e esperança ao doente assim como à sua família.

No momento em que o paciente sente que está chegando o momento de sua “partida”, depara-se com tais questões: como enfrentar a realidade da morte? O que há depois da morte? Como estarei após a morte? O que fiz da minha vida? O que minha existência significou para os que ficam? Alguns conseguem fazer um processo de aceitação da própria situação, outros resistem e sofrem mais. Ao mesmo tempo, os familiares envolvidos também se questionam: como separar-se da pessoa que amo? Como amenizar seu sofrimento? Como prolongar sua existência? Há lamentação pela iminente perda. São momentos em que aparecem questões subjetivas e existenciais. O paciente necessita da espiritualidade, pois nesse momento ele se depara com questionamentos que provavelmente nunca enfrentou: porque estou assim? O que sou eu? Porque eu?[i]

A Música é a arte capaz de tocar a profundidade do ser de cada indivíduo, “mobilizar núcleos”[ii] dos mais diversos sentimentos e emoções, possibilitando a sua expressão. É a arte que chega mais perto das verdades do homem. Kenneth BRUSCIA, ao falar da “Música como experiência objetiva”, afirma: “A música consiste em sons e vibrações organizados; ela é energia e matéria auditiva em movimento. Portanto, ela possui propriedades físicas e acústicas que podem ser utilizadas com propósitos terapêuticos”.[iii]

Espiritualidade vem da palavra espírito. Na cultura hebraica, significa mais profundamente o hálito que, brotando das entranhas de Deus e transforma as realidades por onde passa; é o sopro de vida que movimenta, cria, dá força, energia, e revigora o homem. Na Teologia cristã (Antigo Testamento - AT), o conceito de espírito (Ruah) é entendido como “espírito de Deus”, “expressão da potência e da ação de Deus sobre a história”, “força de atuação de Deus, seu alento fecundante, sua presença”: O Espírito é o agir de Deus para os homens, é a nova realidade que o homem (mundo) adquire quando deixa que o próprio Deus o enriqueça e o fecunde”[iv]

As realidades espirituais permitem apostar em novos caminhos quando não se enxerga saídas no mundo empírico que dominamos, através da aceitação da existência de Deus. A espiritualidade gera uma marca benéfica importantíssima na identidade da pessoa. Portanto, quem reconhece e cultiva sua dimensão espiritual, pode considerar-se mais enriquecida e humanizada, já que poderá aprender e experienciar conteúdos importantíssimos para o enfrentamento de situações-limites (o sofrimento, a morte, o medo, a frustração...), dando um novo sentido para cada momento vivido, encontrando caminhos para a superação de seus limites. A espiritualidade age, portanto, nesta perspectiva, como força invisível presente em todo ser humano, que o motiva a sonhar, construir, planejar, torcer, caminhar, mover-se “para”, criar, refazer, imaginar, projetar, inventar, pensar e transformar o mundo que o rodeia. Esta força vital renovadora, misteriosa e incalculável, associada ao poder da música - que também de forma misteriosa é capaz de transmitir energias revitalizadoras e renovadoras da vida – deve ser levada em conta em qualquer processo terapêutico, como também no tratamento musicoterápico.

A experiência de Lucanne MAGILL[v] no processo musicoterápico demonstra que os pacientes na situação de iminência da morte, com frequência trazem quatro temas recorrentes: os relacionamentos,[vi]as recordações,[vii]a oração[viii]e o sentimento de paz[ix]. Isso demonstra o poder da música para construir relações, realçar lembranças, ser uma voz à oração e promover o sentimento de paz.[x] MAGILL enfatiza que a Musicoterapia associada a espiritualidade é o coração do trabalho musicoterápico, pois Tudo o que nós fazemos vai além das palavras e isto é verdade por que é através da natureza transcendental da música que importantes curas podem ocorrer na musicoterapia (Idem)[xi].

A musicoterapia ajuda a encontrar o equilíbrio no momento em que a pessoa sente que chegou o final de sua vida.[xii] As dores, as perdas, as incertezas, as dúvidas, o medo... tudo isso é parte do caos que a surpresa da morte provoca. O paciente sente que é chagado o momento de avaliar o seu passado. Assim, a Musicoterapia torna-se um instrumento eficaz para ajudar o paciente a enfrentar esse momento de revisão de vida e mostrar que o sofrimento pode ser uma experiência de aprendizagem[xiii]

Tomemos como exemplo um paciente em fase terminal que ainda tenha habilidade de fala, canto e expressão normal do pensamento. As músicas e sons a serem oferecidas ou trabalhadas no processo terapêutico devem obedecer às circunstâncias. O primeiro passo é ajudar o paciente a desligar-se das dores, sentimentos e emoções negativos. Para isso, é aconselhável a aplicação de audição musical com obras orquestradas que promovam tranquilidade e paz de espírito. A improvisação musical ou o canto podem também ajudar nesse momento, fazendo o paciente interagir através de improvisação ou composição.

A espiritualidade sempre está conectada à música, pois esta tem a capacidade de elevar o estado de ânimo do ouvinte. Ela chega diretamente ao coração e abre as cortinas que cobrem as emoções. Ao tocar o coração da pessoa, a música alcança o seu lugar mais íntimo e mais verdadeiro e, associado ao conteúdo da espiritualidade poderá agir transformar as situações de dor. Música e espiritualidade agem juntas e dão um significado ao endereço existencial da pessoa que sofre.[xiv]

As músicas que fazem parte desse processo devem ajudar o paciente a “conectar a pessoa ao infinito” (Idem FACHNER). Aos poucos a música vai ajudar no contato com os conteúdos da sua vida levando-o a harmonizar seu passado e pacificar o que está desagregado, como por exemplo a relação com a família, com amigos, com as coisas, suas perdas, medos e frustrações.

            Se não podemos escapar da morte, pelo menos podemos cuidar para que tenhamos uma “boa qualidade de morte”. E isso é humanização. A Música, associada à espiritualidade poderão devolver a paz e a harmonia interior aqueles que esperam o fim de sua história de vida. E só um profissional habilitado, um musicoterapeuta, poderá ajudar nesse momento em que se experimenta os limites da vida.

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[1] FACHNER, Jörg. Symposium on Music Therapy and Spirituality in Health care: International and Multicultural Theories and Approaches. XII Congresso Mundial de Musicoterapia, Buenos Ayres, Argentina, (2008) Anotações livres

[1] Anotações em aula sobre ´Teorias, Técnicas e Métodos em Musicoterapia”, sob a orientação da Professora Rejane Barcellos.

[1] BRUSCIA, Kenneth E. Definindo Musicoterapia. 2ª edição, Rio de janeiro: Enelivros, 2000. P. 143

[1] DICIONÁRIO DE CONCEITOS FUNDAMENTAIS SO CRISTIANISMO. Dirigido por Cassiano Florestán Samanes e Juan-José Tamayo-Acosta, São Paulo: Paulus, 1993.P 234.

[1] MAGILL, Lucanne. Music Therapy in Spirituality. Disponível em: https://www.musictherapyworld.de/modules/mmmagazine/issues/20021205144406/20021205145915/Magill.pdf . Acesso em 17/12/2009

[1]Pacientes e familiares que estão se sentindo ameaçados pela doença ou estão no fim da vida, frequentemente sentem-se excluídas de si mesmas e do contato com os outros. A auto-identidade pode ser ameaçada, podendo ficar depressivos, retraídos, isolados ou separados por algum tempo ou por longos períodos. A música vai além das palavras e do toque corporal, constrói pontes de comunicação e ajuda as pessoas a voltarem ao contato consigo mesmo e com os outros (Magill 2002). Tradução livre do Inglês.

[1]Durante o tempo de dor e de perda, as pessoas são conduzidas, frequentemente, a relembrar os tempos de conforto, segurança, previsibilidade, ou mesmo das dificuldades. Há uma tendência natural de fazer uma revisão da vida. Como sabemos, a ligação entre a música e a memória é forte e fortalece este processo. (Magill 2002). Tradução livre do Inglês.

[1]Os pacientes e os membros da família frequentemente têm uma necessidade de se deterem na angústia, na dor ou na amargura. Entendo a oração no sentido mais amplo da palavra, esteja ou não num contexto religioso, é uma chamada a ir aos lugares mais profundos do coração, da mente e do espírito. Às vezes a necessidade de se expressar é suprimida, mas a música a alcança e torna-se uma voz de expressão. (Magill 2002). Tradução livre do Inglês.

[1]Pacientes frequentemente desejam conforto, o alívio da dor, a paz de espírito, o consolo nas interrupções, incertezas e na falta de controle. Como Michael Mayne explicou belissimamente, a música pode acalmar e trazer senso de equilíbrio e de ordem. (Magill 2002). Tradução livre do Inglês.

[1] In four themes in music therapy, we see the power of music to build rela­tionship, enhance remembrance, be a voice to prayer and instill peace. (Magill 2002, do original em Inglês).

[1] Tradução livre do Inglês: Today, I would like to reflect with you on what I believe is really the heart of what we do, music therapy in spirituality. So much of what we do is beyond words and it is really because of this transcendental nature of music that important healing in music therapy can and does occur.

 [1] Idem FACHNER

[1] Idem FACHNER

 

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