Por Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R. Em Palavra Redentorista Atualizada em 15 ABR 2020 - 16H28

Repensar o futuro para vivermos melhor

Todo acontecimento nos deixa um aprendizado. Mesmo daqueles daqueles catastróficos, é possível extrair alguma lição, especialmente para não incorrermos no mesmo erro. Sobretudo, se tal catástrofe foi provocada por motivações humanas.

Há outras realidades que estão para além de nossas forças, como por exemplo os fenômenos naturais e as pandemias que, em muitos casos, não são só a propagação descontrolada de um agente biológico, viral, com capacidade letal para afetar a saúde da população, tendo também a colaboração do agente humano. Ainda assim, é factível um aprendizado futuro que possibilite preparar o extrato social para que não seja tão sacrificado, quando tais eventualidades ocorrem.

Isto posto, qual o aprendizado que interiorizaremos deste momento atual da nossa história?

Será que continuaremos com o mesmo estilo de vida de outrora ou será uma oportunidade para repensarmos o modo como pessoa e sociedade estamos conduzindo nossa existência e história?

Não é hora de sermos melhores?

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A
história da humanidade sempre foi marcada pela conflitividade e, em casos mais drásticos, tais como a Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Nos dias vigentes, são inumeráveis os conflitos ao redor do mundo que deixam suas vítimas, especialmente aquelas mais vulneráveis.

São essas realidades que fazem milhões de pessoas buscarem melhores condições de vida, deixarem suas terras e, em muitos casos, lutarem fisicamente pela sobrevivência de modo trágico. Existe uma tensão decorrente, sobretudo, de escolhas políticas, econômicas e até mesmo religiosas que confluem em um estado de profundo desgaste do tecido social.

Essa faceta de thanatos (morte) causa tanto mal aos seres humanos e, consequentemente, à humanidade. Essa realidade pode ser um indicativo de que esquecemos a dimensão do eros (amor) que nos faz confrontar com o rosto do outro e reconhecê-lo como semelhante e, neste encontro, produzir vida em sentido pleno.

Aí está a possibilidade de valorizar o outro e estabelecer vínculos sociais fundamentados no respeito, no cultivo da cidadania e da solidariedade. Na absurdidade do conflito e da morte sempre aparecerão pessoas grávidas de eros e philia (amizade) que curarão as feridas causadas pelo egoísmo e pela indiferença. Para essas pessoas, a dor tem um rosto, um corpo, uma dignidade e um desejo felicidade. São aqueles homens e mulheres bem-aventurados que, no seu silêncio, discrição e ação, transformam a vida de outros. Os tempos de epidemia de Covid-19 têm evidenciado essa dimensão tão bela do humano, a de cuidar do seu semelhante.

Mas não é só a humanidade que sofre por causa da ação humana. O planeta como um todo, como realidade vida, sofre as consequências: poluição do ar, da terra, das águas, exploração dos recursos de forma predatória e descontrolada, falta de políticas governamentais, públicas e privadas para equilibrarem a relação com o meio-ambiente e a sua preservação. Não nos faria nenhum mal recordarmos a tradição bíblica do ano jubilar, quando se dava o descanso da terra (Cf. Lv 25,19-22).

Cuidar de nossa casa comum é fundamental para nossa qualidade de vida. Então, como conciliar progresso social, econômico, avanço tecnológico e científico? É viável? É possível usando a próprio saber, gerando saberes que considerem o Planeta como um organismo vivo e desenvolvam tecnologias e políticas para reduzirem os impactos ambientais. Trabalhar em prol do Planeta é gerar fontes de recursos renováveis com melhor qualidade de vida. Todavia, enquanto pensarmos somente no modelo extrativista, consumista, egoísta e irresponsável, estamos destruindo a casa onde vivemos e, além disso, tornando-a cada vez mais vulnerável a futuras pandemias. Que ações cotidianas podemos empreender para cuidar de nossa casa? Não jogar o lixo irresponsavelmente em ambiente público já é um passo...

O cultivo das relações humanas, o cuidado com as pessoas e o ambiente são permeados pela dimensão ética e transcendental. Se o sujeito não é adepto de uma religião ou afirma ser não crente, se ele pauta sua vida por valores fundamentais, está contribuindo para um mundo melhor.

No caso do ser humano crente, a dimensão transcendental pode prestar, se de modo equilibrado, enorme aporte para a humanidade. Nesse sentido, a religião pode dar sua contribuição não só em nível espiritual, mas também social. De que modo? Colabora com o resgate do sentido, eliminando o vazio existencial que pode corroer a humanidade; oferece elemento para o cultivo da mística, ao favorecer a pessoa reconhecer-se como criatura que necessita de Deus, do outro e da natureza e superar sua dimensão egoística e, ao mesmo instante, capaz de bondade; favorece a comunhão e o diálogo com o semelhante; alimenta e fortalece a espiritualidade pessoal e comunitária; fomenta a esperança e abre diversos canais para a prática da solidariedade.

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A religião pode dar sua contribuição não só em nível espiritual, mas também social.


Essa
experiência de quarentena desvelou tantas experiências religiosas e salvíficas ao redor do mundo, resgatando o contato homem-Deus, ancorando a esperança e a caridade. É importante advertir que a experiência religiosa, quando travestida de fundamentalismo, nega a si própria e a relação com o divino. É manipulação do divino em benefício próprio. Esse fundamentalismo é privado de mística, de espiritualidade e carregado de narcisismo, ritualismo e moralismo e lê a história a partir do castigo divino e da culpa humana.

Leia MaisO amor que nos faz cuidar A esperança que nos faz ver horizontesA fé que nos encorajaPor fim, não podemos desconsiderar a capacidade humana de produção de conhecimento. Por que não utilizarmos dele para um mundo mais igualitário, mais humano e promotor da dignidade e vida humanas? Todo conhecimento é ambivalente, mas fundamentado pelo rigor da atividade científica, pela ética e por uma antropologia que considere o ser humano em sua totalidade, imanência e transcendência, pode gerar grande riqueza ao patrimônio humano, evolutivo e histórico.

Nesse sentido, é fundamental que as sociedades invistam nas Ciências para promoverem o bem comum. O discurso odioso às Ciências é ignorante e reducionista e o cientificismo é arrogante e manipulador. A Ciência deve estar a serviço da construção da humanidade em todos os sentidos. E como podemos, como cidadãos comuns, dar nossa contribuição para essa construção de saberes? A partir do pensamento crítico, a começar do combate às fake news e buscando informação de instituições relevantes.

Esta encruzilhada em que a Covid-19 nos colocou exigirá de todos repensar nosso estilo de vida e fazermos escolhas significativas para um futuro melhor…

:: Perfil do padre Rogério Gomes, C.Ss.R. no Lattes. 


Escrito por
Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R. (Foto Deniele Simões JS)
Pe. Rogério Gomes, C.Ss.R.

Missionário redentorista, formado em Filosofia e Teologia, com doutorado em Teologia Moral. Lecionou no ITESP e na Academia Alfonsiana de Roma. Atualmente é Conselheiro do Governo Geral da Congregação Redentorista.

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