Por Joana Darc Venancio Em Igreja Atualizada em 16 AGO 2019 - 09H17

Educar para admiração e para espanto é a proposta da Filosofia

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O ato de filosofar pode ser caracterizado pela busca de resposta às interrogações acerca de nossa condição humana. Para isso, no entanto, precisamos nos admirar e nos espantar frente às adversidades que envolvem nossa existência. Aristóteles elucida:

Com efeito, foi pela admiração que os homens começaram a filosofar, tanto no princípio como agora; perplexos, de início, ante as dificuldades mais óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores, como os fenômenos da Lua, do Sol e das estrelas, assim como a gênese do universo. E o homem, que é tomado de perplexidade e admiração, julga-se ignorante (por isso o amigo dos mitos é, em certo sentido, um filósofo, pois também o mito é tecido de maravilhas); portanto, como filosofavam para fugir à ignorância, é evidente que buscavam a ciência a fim de saber, e não com uma finalidade utilitária". (Metafísica. Livro I. Tradução Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 40.)

A Filosofia não pode ser esvaziada, em sua tradição e reflexões, pela banalização do que se nomeia como reflexão filosófica. O Papa Bento XVI, nosso Papa Emérito, em Discurso aos representantes do mundo científico e cultural da Baviera, em setembro de 2006, na aula magna da Universidade de Regensburg, explicita a importância da Filosofia. Esta sempre teve em suas bases o entendimento de sua condição de verdadeira busca da sabedoria.

Mas, a pergunta sobre o porquê deste dado, de fato, existe e deve ser confiada pelas ciências naturais a outros níveis e modos do pensar – à Filosofia e à Teologia. Para a Filosofia e, de maneira diferente, para a Teologia, a escuta das grandes experiências e convicções das tradições religiosas da humanidade, especialmente da fé cristã, constitui uma fonte de conhecimento; recusá-la significaria uma inaceitável redução do nosso escutar e responder.

O ato de filosofar deve fazer parte das atitudes humanas que, pelo viés da sabedoria, das obras filosóficas, do pensamento elaborado e articulado, redimensiona a condição de vivente no mundo, compreendendo que é preciso sair da ignorância do determinismo e das fatalidades, passando à condição de criação e de escolhas.

“Diante de ti ponho a vida e ponho a morte, mas tens que saber escolher”. (Dt 30, 19)

Santo Agostinho, grande filósofo, Doutor da Igreja e responsável pela herança da Filosofia Cristã, nos deixou muitos escritos onde aparecem as palavras “admiração” e “espanto”. Podemos conferir no capítulo VIII, do Livro 10, em suas Confissões:

“Esta ideia me provoca grande admiração, e me enche de espanto. Viajam os homens para admirar as alturas dos montes, as grandes ondas do mar, as largas correntes dos rios, a imensidão do oceano, a órbita dos astros, e se esquecem de si mesmos! Nem se admiram que eu fale dessas coisas sem vê-las com os olhos; contudo, eu não as poderia mencionar se esses montes, se essas ondas, esses rios, esses astros, que eu vi, se esse oceano, no qual acredito pelo testemunho alheio, eu não os visse na memória em toda sua dimensão, como se estivessem diante de mim, mas quando eu os vi com meus olhos, eu não os absorvi; não são as coisas que se encontram dentro de mim, mas apenas suas imagens. E sei por qual sentido do corpo recebi a impressão de cada uma delas.”

Santo Agostinho nos ensina que mesmo que uma realidade não esteja perto de nós ou esteja perto, mas não seja vista, ela não deixa de existir. Portanto, distante ou perto, deve nos causar espanto ou admiração.

Vale lembrar São Francisco de Assis. Quando compôs o Cântico do Irmão Sol, ele estava muito doente e já não podia enxergar, por causa de uma doença nos olhos. No entanto, toda sua admiração pela Criação o fez contemplar a beleza e agradecer por tudo o que, um dia, ele viu. Gratidão imensa por tudo o que Deus lhe deu de presente. Uma admiração que vai para além da visão, mas que o levou a encontrar definitivamente os sentidos de sua vocação. Podemos conferir a beleza do Cântico nas Fontes Franciscanas.

"Altíssimo, onipotente, bom Senhor, a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção. A ti só, Altíssimo, se hão de prestar e nenhum homem é digno de te nomear. Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas, especialmente o meu senhor irmão Sol, o qual faz o dia e por ele nos alumias. (P123-124)"

 A admiração e o espanto nos fazem ir ao encontro das respostas. Ir ao encontro dos profundos sentidos. O ato de filosofar gera o desejo de conhecer ainda mais e desvelar os enigmas que circundam a existência. Movido pelo desejo de conhecer, o homem começa a se interrogar.

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O desejo de conhecer está na origem da Filosofia e, por ele, muitas indagações puderam ser reveladas e desveladas. No entanto, as interrogações estão abertas até hoje, para que possamos alimentar nosso desejo de conhecer e nossa capacidade de admiração e de espanto diante do cotidiano humano. Tais interrogações estão abertas para que se mantenha a coerência sobre a condição criadora do homem. Se fosse diferente, seria reforçada a condição do determinismo e de respostas prontas e definitivas.

É na incompletude e no inacabado que a Filosofia inspira a Educação. A Educação deve motivar e alimentar a admiração e o espanto. Quando ela não consegue fazer isso, é colocada à prova. Dos gregos, herdamos a admiração com o mundo e as interrogações que nos acompanham até hoje. Uma herança que, ao invés de nos acomodar em nossa zona de conforto, nos impele fazer interrogações em busca das respostas.

O Papa Bento XVI, como mencionado anteriormente, também afirma que:

“A Filosofia deve permanecer, verdadeiramente, uma busca da razão na própria liberdade e na própria responsabilidade; deve ver os seus limites e, precisamente deste modo, também a sua grandeza e vastidão. (...) A Filosofia não recomeça cada vez do ponto zero do sujeito individual que pensa, mas vive no grande diálogo da sabedoria histórica, que ela, crítica e, ao mesmo tempo, docilmente, acolhe e desenvolve sempre de novo.”

Neste sentido, não cabe à Filosofia o estatuto da inutilidade. Se, por um lado, a Filosofia não deva ser um amontoado de suposto enigmas a ser desvelado, por outro ela também não deve ser encarada pela ótica de um conhecimento ou de uma ação inútil. Vamos alimentar a admiração e o espanto como respostas à proposta do determinismo e do olhar banalizado dos acontecimentos.

Que a Educação seja a primeira a sentir essa inquietude, se admirando e se espantando. Se admirando com as conquistas quando consegue cumprir o seu legado e se espantando com as mazelas que a envolvem, ajudando a manter o indivíduo aprisionado ao determinismo.

:: Veja também: Sentidos da Autoridade Docente

Escrito por
Joana Darc Venancio (Redação A12)
Joana Darc Venancio

Pedagoga, Mestre em educação e Doutora em Filosofia. Especialista em Educação a Distância e Administração Escolar, Teóloga pelo Centro Universitário Claretiano. Professora da Universidade Estácio de Sá. Coordenadora da Pastoral da Educação e da Catequese na Diocese de Itaguaí (RJ)

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