Crescendo na Fé

O luto na juventude

Alessandro Cardoso - A12 (Arquivo pessoal)

Escrito por Alessandro Cardoso

17 MAI 2021 - 09H14 (Atualizada em 17 MAI 2021 - 11H00)

Photographee.eu/ Shutterstock

Há um ditado que diz que a única certeza da vida é a morte. Errado não está, mas sabemos o quanto é difícil encarar essa certeza quando ela chega próximo de nós. Do começo de 2020 pra cá, não somente convivemos com a morte diariamente (ao ver alguém de luto nas redes sociais ou simplesmente ao assistirmos qualquer telejornal), como muitos de nós sentimos na pele o que é perder alguém amado.

Neste artigo, oito jovens compartilham suas experiências ao lidar com a morte de um pai ou uma mãe vítimas da Covid-19.

Travel man/ Shutterstock
Travel man/ Shutterstock

Ao receberem a notícia da morte, a maioria reage com negação: 

“Um engano! Isso não podia ter acontecido com ele, os médicos iam perceber que estavam falando com a família errada”, foi o que pensou Eliana quando os médicos lhe deram a notícia do falecimento do seu pai.

"Só podia ser brincadeira, uma coisa daquela não poderia estar acontecendo”, “Queria que tudo fosse mentira”, disseram Mariana e Vitória ao perderem a mãe.

“Acho que eles querem autorização pra fazer algum procedimento”, pensava Tadeu quando ligaram do hospital pedindo sua presença.

“Eu fui sozinho na visita e já sabia que a minha mãe estava intubada. O médico disse ‘eu tenho uma notícia ruim’, eu pensei que era o fato da intubação, mas ela não tinha aguentado e morreu. Eu só pensei ‘ISSO NÃO É REAL, ISSO NÃO É REAL’” (sic), relatou Ailson.

Como é sofrido aceitar algo que todos sabemos que um dia chegará!

fizkes/ Shutterstock
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Então, a ficha começa a cair e as condicionais começam a perturbar a mente, como se fosse possível voltar atrás e fazer diferente para retardar a morte mais alguns dias, pelo menos.

“Ninguém está preparado para receber a notícia que a sua mãe faleceu, a gente sempre se apega no fio de esperança. A tristeza veio em seguida, por saber que não poderia ter feito mais, não poder estar do lado cuidando. Chorei muito, acho que nunca chorei tanto”, conta Cacilda.

“Fiquei sem chão, um vazio no peito que parecia que a vida estava sem sentido, pois tinha perdido o meu alicerce”, relatou Felipe ao saber do falecimento de sua mãe.

“Como vai ser daqui pra frente?”, se perguntava Luiz ao perder o pai.

Leia MaisComo aprender a conviver com o luto?Mais cedo ou mais tarde, todos perderemos nossos pais e os sentimentos serão muito semelhantes. Exceto por um fato que deixa a despedida de quem foi vítima do novo coronavírus ainda mais sofrida: a falta da despedida!

Para Felipe, “foi horrível [não poder velar], porque minha mãe, super devota de Nossa Senhora, não poder fazer uma oração decente pra ela e se despedir direito, foi como se tivesse enterrando um indigente”.

Cacilda dá mais detalhes e diz que é desolador não poder velar. É como se o ciclo não tivesse concluído. Falta alguma coisa. Não consigo imaginar como ela estava, como estava sua fisionomia; não sentir o frio da sua mão na última despedida. Parece que o botão da despedida dentro de mim não desligou; em algum momento me senti como São Tomé, precisando ver para acreditar. Estamos dimensionados a concluir ritos de início e fim e, pra mim, esse rito de velar, estar junto antes da partida, não foi realizado”.

“Uma sensação de impotência e tristeza, por uma pessoa tão querida ser enterrada como se fosse escondida, sem a gente nem saber se era ele mesmo que estava ali dentro daquele caixão!”, diz Eliana.

“Meu pai que sempre prezou por comparecer nos velórios dos amigos e familiares, não teve a mesma sorte. De mais de 20 tios que eu tenho, apenas uma tia compareceu ao cemitério”, recorda Tadeu no dia em que seu pai foi sepultado.

Já para Mariana e Vitória, não ver a mãe no velório foi como se livrar de uma dor ainda maior. “Para mim, foi até melhor assim. Ter que ver o caixão se fechar seria um sentimento muito ruim para mim”. “A sensação de não poder velar é ruim, mas não sei bem como agiria na despedida”, relatam as irmãs.

Antonio Guillem/ Shutterstock
Antonio Guillem/ Shutterstock

Negação, condicionais, tristeza… E então vem a revolta: 'Por que, Deus?' A conexão com o divino falha. “Fiquei chateado [com Deus] nos primeiros dias, não consegui entender o motivo”, conta Luiz sobre sua relação com Deus após a partida de seu pai.

“Na hora fiquei revoltado com ele. Dizia ‘por que ela, Deus?’, mas depois fui aceitando e voltando normalmente a relação com ele”, disse Felipe.

Para Mariana, a conexão ainda não foi restabelecida: “Ainda hoje peço discernimento para entender os motivos da vida”.

Diferentemente de sua irmã, Vitória, que acha que se apegou muito mais a Deus depois da partida de sua mãe, e conclui dizendo que há coisas que nunca vamos entender, mas crê que tudo tem um porque.

Já para Eliana, Cacilda, Tadeu e Ailson, Deus foi a fortaleza naquele momento tão difícil: 

“Deus sempre foi minha força, acredito que se não fosse a fé seria muito mais difícil, pois Deus já estava me preparando para esse momento. Minutos antes da morte do meu pai, eu estava em frente ao sacrário e Deus colocou em meu coração que me preparava para aceitar a vontade Dele! Como não amar um Deus assim!?”, testemunha Eliana.

“Minha relação com Deus foi de entrega total, e isso continuou depois da perda dela. Uma coisa bem marcante que eu aprendi com Deus foi que a VONTADE Dele sempre, mas sempre prevalece e a gente tem que aprender que é Ele que manda. Antes da minha mãe ser minha mãe, ela era filha Dele!”“Acho que O decepcionei. Sinto que me afastei, não porque O culpava, mas porque senti que faltou algo dentro de mim. Hoje, após 4 meses, entendo que a falta foi por toda a situação da pandemia. Antes da perda, Deus se fez tão presente. Nunca sabemos quando será o último dia e Deus me proporcionou a dádiva de poder perdoar e ser perdoada antes da partida da minha mãe. Os planos de Deus nos surpreendem, por mais que não entendamos a princípiocontam Ailson e Cacilda, respectivamente.

Leia MaisTer medo da morte é pecado?Fala ComPadre: Deus pode salvar um ateu?Quando perguntados se estão recuperados da perda, todos são unânimes em dizer que será impossível se recuperar, ainda que a tristeza seja amenizada.

Felipe: “Não, e nunca vou recuperar, porque é um pedaço seu, mas você se acostuma com a dor e o vazio”;

Luiz: “Não sei se recuperar é a palavra ideal, mas hoje sei que ele está em um bom lugar, que ele descansou, imagino que ia ser pior ele sofrendo em cima da cama”;

Cacilda: “Não, ainda não me recuperei. Tenho a sensação de que a qualquer momento ela chegará em casa. Acordo à noite para ver se ela está bem, se precisa de algo. O que mais sinto falta é de ouvir sua bênção todas as vezes que saio ou chego do trabalho”;

Eliana: “Tem horas que acho que sim, mas em outros momentos ainda não. No momento que a tristeza é incontrolável eu rezo, lembro da promessa de Deus pra mim e como meu pai viveu bem sua vida, como se dedicou a fazer o bem, e isso me tranquiliza”;

Mariana: “Não, a perda de uma pessoa muito amada é difícil. Ainda mais quando é uma mãe, aquela pessoa que sempre está contigo...”;

Vitória: “Nuncaaaaaa (sic). Sinceramente, acho que nunca vou superar”;

Ailson: “Não me recuperei, nem sei se tem como se recuperar. Todo dia eu penso nela, seja uma frase ou um pensamento”;

Tadeu: “De vez em quando, tem um gatilho que dispara alguma lembrança e bate a bad, mas, se me serve de consolo, eu penso que não estou sozinho nesse barco e que muitos jovens também sentem a mesma coisa que eu”.

i_am_zews/ Shutterstock
i_am_zews/ Shutterstock

Tristeza e saudade são gumes de uma mesma faca e, assim como todos responderam não terem se recuperado, todos também disseram que a saudade faz parte do dia a dia e que são sempre as lembranças boas que prevalecem, dos sorrisos e momentos felizes. Sobre a saudade que tem da mãe, Cacilda diz o seguinte: “A saudade só existe porque se amou. Amei demais minha mãe e sei que ela me amou muito também“. “Quando a saudade aperta vou até o túmulo dele, faço uma oração e converso um pouco com ele, como se estivesse ali comigo”, é o que faz Eliana quando tem saudades de seu pai. “Graças a Deus fomos muito unidas”, diz Vitória sobre sua mãe.

Enfim, lidar com a morte é um processo que não tem manual de instruções. Cada um convive e lida com o luto de uma maneira totalmente ímpar e pessoal. Contudo, em se tratando de vida, os jovens entrevistados deram seus recados que sintetizo como se todos falassem a mesma mensagem:

“Vivi os últimos dias ao lado dele e do meu núcleo familiar, e foram dias que eu pude sentir com muita força a ternura em estar de bem com a família. Ninguém se prepara ou imagina perder alguém que ama. Depois da perda do meu pai, quero aproveitar minha família mais ainda e agradeço a Deus pelas coisas que eu tenho hoje.

Ninguém é eterno, então curta e viva todo tempo possível com as pessoas que você ama. Muitas vezes achamos que teremos tempo para declarar nosso amor aos que amamos e, de repente, não temos mais. De uma hora pra outra, não ouvimos mais a voz, não sentimos mais o cheiro da pessoa, não a vemos mais. Estamos isolados por prevenção, mas podemos nos fazer presentes com as ações, as palavras e gestos de carinhos.

O maior tesouro que podemos deixar nessa terra é o amor a Deus e ao próximo. Por isso beijem, abracem... Infelizmente, não sabemos o dia de amanhã. E por mais que doa, que não faça sentido e que não entendamos o porquê, os planos de Deus e seu acalanto são imensuráveis. Somente Ele para nós sustentar diante de tanto sofrimento. É somente ELE que nos levanta diante da sensação de tudo estar acabado”.

local_florist Em memória de Enival, Marcos, Aparecido, Sueli, Oscarina, Terezinha e Lia.

Escrito por
Alessandro Cardoso - A12 (Arquivo pessoal)
Alessandro Cardoso

Alessandro Cardoso é radialista formado pela Universidade Anhembi Morumbi, especialista em roteiro de ficção pelo Centro Universitário Senac de São Paulo, noveleiro e peregrino assíduo de Jornadas Mundiais da Juventude.

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Por Jovens de Maria, em Crescendo na Fé

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