Por Joana Darc Venancio Em Brasil Atualizada em 21 JUN 2018 - 11H43

A BNCC e o Ensino Religioso: Somente cultura? O que é da Fé?


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O Superior Tribunal Federal em 27 de setembro de 2017, por 6 votos a 5 julgou o Ensino Religioso de Caráter Confessional como componente curricular das escolas públicas de ensino fundamental. O Ensino Religioso está previsto na Constituição Federal no Artigo. 210, § 1 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/96 em seu Artigo 33.

Leia MaisBNCC: A proposta para a Educação InfantilBNCC e as 10 Competências: vamos acompanhar a aplicação na EducaçãoBNCC: O que é? Currículo como sinônimo de abertura à realidade?O Ensino Religioso (ER) também foi assegurado na BNCC (Base Nacional Curricular Comum) aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), como a referência para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares estaduais e municipais e das propostas pedagógicas das instituições escolares. Obedecendo o que determina a Constituição, o ER será de oferta obrigatória, no horário normal de aula, mas opcional para o aluno.

Uma preocupação não pode ser ocultada. Houve grande mobilização e discussão envolvendo as várias disciplinas para que a BNCC chegasse ao texto final. No entanto, o ER não foi discutido, já que o mesmo havia sido retirado do texto da BNCC; já que toda a fundamentação era de um Ensino Religioso com conteúdos determinados pelo governo. Fato que fere o princípio da liberdade Religiosa assegurado na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases. A surpresa foi que, com apenas cinco dias antes da votação da BNCC, o ER é reinserido pelo CNE e aprovado com a redação que anteriormente tinha sido reprovada.

Na BNCC o ER é apresentado e está definido como uma das cinco áreas do conhecimento. Ao longo dos nove anos do Ensino Fundamental, cada área do conhecimento tem suas competências específicas que estão em consonância com as 10 Competências Gerais:

Cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção. Isso implica abordar esses conhecimentos com base nas diversas culturas e tradições religiosas, sem desconsiderar a existência de filosofias seculares de vida.

A BNCC apresenta o ER como uma disciplina curricular com conteúdos determinados para todo o país pelo Ministério da Educação que abordará muitos conceitos, aspectos, assuntos e manifestações, sendo compreendido até como “filosofia de vida” em uma das séries do Ensino Fundamental. Também anuncia a BNCC que este deverá ser abordado a partir de pressupostos éticos e científicos. Não há dúvida de que o Ensino Religioso promove princípios éticos e desenvolve o espírito científico, condição já comprovada pelas muitas contribuições científicas que a Igreja deixou e deixa de herança para a humanidade, inclusive pelos inúmeros Padres Cientistas. No entanto, os pressupostos de uma disciplina, que permeará a relação com o Sagrado, para além da cognição, compreender a dimensão religiosa como construção histórico-social semeia contradições que esvaziam a relação natural com a Transcendência.

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É hora de muita atenção. A BNCC está em fase de aplicação nos sistemas de Ensino Estaduais, Municipais e Particulares, que desenvolverão suas estratégias para execução da mesma. E o ER estará a serviço de que tipo de formação? O Professor do ER será uma pessoa de fé ou um “cientista social” que possa dar conta de discutir os diversos conceitos estabelecidos na BNCC?

A BNCC considera os marcos normativos e, em conformidade com as competências gerais estabelecidas, o ER deve atender os seguintes objetivos:

a) Proporcionar a aprendizagem dos conhecimentos religiosos, culturais e estéticos, a partir das manifestações religiosas percebidas na realidade dos educandos;

b) Propiciar conhecimentos sobre o direito à liberdade de consciência e de crença, no constante propósito de promoção dos direitos humanos;

c) Desenvolver competências e habilidades que contribuam para o diálogo entre perspectivas religiosas e seculares de vida, exercitando o respeito à liberdade de concepções e o pluralismo de ideias, de acordo com a Constituição Federal;

d) Contribuir para que os educandos construam seus sentidos pessoais de vida a partir de valores, princípios éticos e da cidadania.

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Considerando esses pressupostos, e em articulação com as competências gerais da Educação Básica, a área de ER – e, por consequência, o componente curricular de ER – devem garantir aos alunos o desenvolvimento de competências específicas para o Ensino Fundamental:

1. Conhecer os aspectos estruturantes das diferentes tradições/movimentos religiosos e filosofias de vida, a partir de pressupostos científicos, filosóficos, estéticos e éticos.

2. Compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas e filosofias de vida, suas experiências e saberes, em diferentes tempos, espaços e territórios.

3. Reconhecer e cuidar de si, do outro, da coletividade e da natureza, enquanto expressão de valor da vida.

4. Conviver com a diversidade de crenças, pensamentos, convicções, modos de ser e viver.

5. Analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, da política, da economia, da saúde, da ciência, da tecnologia e do meio ambiente.

6. Debater, problematizar e posicionar-se frente aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, de modo a assegurar os direitos humanos no constante exercício da cidadania e da cultura de paz.

A BNCC na Unidade Temática Manifestações Religiosas quer proporcionar o conhecimento e a valorização e acolhida da singularidade e diversidade que envolve a condição humana “por meio da identificação e do respeito às semelhanças e diferenças e da compreensão dos símbolos e significados e da relação entre imanência e transcendência”.

Na unidade temática Crenças Religiosas e Filosofias de Vida, a BNCC quer assegurar o acesso aos tratados das diferentes tradições e movimentos religiosos e filosofias de vida, “particularmente sobre mitos, ideia(s) de divindade(s), crenças e doutrinas religiosas, tradições orais e escritas, ideias de imortalidade, princípios e valores éticos”.

O estado é laico, mas a humanidade não é! Estado laico não significa a destruição da dimensão religiosa, que é inerente à humanidade. A Congregação para a Educação Católica na Carta Circular sobre o ensino da Religião na Escola nº 10, afirma:

O ensino da religião na escola constitui uma exigência da concepção antropológica aberta à dimensão transcendental do ser humano: é um aspecto do direito à educação (conforme Catecismo, 799). Sem esta disciplina, os alunos estariam privados de um elemento essencial para a sua formação e desenvolvimento pessoal, que os ajuda a atingir uma harmonia vital entre a fé e a cultura.

A humanidade tem relação com a transcendência e essa não pode ser abolida por leis, ideologias e conceitos diversos. Romper com a dimensão religiosa é fragmentar e ferir a condição humana.

Escrito por
Joana Darc Venancio (Redação A12)
Joana Darc Venancio

Pedagoga, Mestre em educação e Doutora em Filosofia. Especialista em Educação a Distância e Administração Escolar, Teóloga pelo Centro Universitário Claretiano. Professora da Universidade Estácio de Sá. Coordenadora da Pastoral da Educação e da Catequese na Diocese de Itaguaí (RJ)

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