Brasil

Educar pessoas transcende a formação de habilidades e competências

Joana Darc Venancio (Redação A12)

Escrito por Joana Darc Venancio

07 JAN 2021 - 10H00 (Atualizada em 07 JAN 2021 - 11H00)

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Uma questão que nos parece passível de reflexão aprofundada é a fragmentação do sujeito da educação. Evidente que, ao fazer a fragmentação, o que se espera é uma leitura detalhada de suas performances, nos mais variados ambientes e situações de sua existência, mas não é possível perder de vista a sua plenitude enquanto sujeito.

Em qualquer circunstância e em qualquer relação educativa, o sujeito somente pode ser entendido a partir de sua totalidade, pois o que está em voga é a interrogação acerca de quem ele é e não acerca de "quanto" ele é. O sujeito da educação é um ser encarnado, e não uma espécie de sujeito abstrato, sem sociedade, sem história. Ele se encontra em um mundo de sentidos e significados, que por ele precisam ser desvelados num contexto situado social e historicamente.

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O que esse sujeito sente, pensa, o seu modo de ser, pertence a um mundo que envolve um incontável número de significações socialmente instituídas, etc. A partir dessa realidade, com suas inúmeras significações e possibilidades, resulta a construção da sua identidade. O que isto significa para a educação? Significa que cada um tem uma história, uma identidade, e que por isso é um ser de emoções, de efetividades, de utopias e que alimenta esperanças e sofre decepções. Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, sobre o anuncio do Evangelho no Mundo Atual, Papa Francisco reflete e nos exorta sobre o afeto:

Cada ser humano é objeto da ternura infinita do Senhor, e Ele mesmo habita na sua vida. Na cruz, Jesus Cristo deu o seu sangue precioso por essa pessoa. Independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes! (274).

Estamos falando que o sujeito da educação é pessoa e que, por isso, não pode ser compartimentado. Pessoas têm anseios, paixões, medos e sonhos. Não nos parece que o conhecimento científico possa dar conta de responder toda essa avalanche de humanidade, já que em muitos casos, verdades são ocultas ou transmitidas parcialmente. Papa Bento XVI, na Carta Encíclica Caritas in Veritate, ensina que:

O desenvolvimento humano integral no plano natural, enquanto resposta a uma vocação de Deus criador, procura a própria autenticação num «humanismo transcendente, que leva [o homem] a atingir a sua maior plenitude: tal é a finalidade suprema do desenvolvimento pessoal ». Portanto, a vocação cristã a tal desenvolvimento compreende tanto o plano natural como o plano sobrenatural, motivo por que, « quando Deus fica eclipsado, começa a esmorecer a nossa capacidade de reconhecer a ordem natural, o fim e o ‘‘bem''.

Para a educação, isso significa que cada pessoa constitui uma história carregada de esperanças e que constrói o sentido de sua existência numa sociedade repleta de significações já instituídas, mas também é possuidora de capacidade instituinte. Devem-nos preocupar as interrogações acerca das outras dimensões, que são ocultadas na Educação. O sujeito da educação, exatamente por sua condição singular, não seria ele também instituinte de novos rumos para si e para a humanidade? O Catecismo da Igreja Católica (§1705) ensina:

“Em virtude da sua alma e das forças espirituais da inteligência e da vontade, o homem é dotado de liberdade, «sinal privilegiado da imagem divina»”.

Leia MaisAos Jesuítas, faça-se justiça! A Educação agradecePensar sobre essas questões nos remete a relembrar de que educar é - e será sempre - uma experiência que também lida com o imprevisível. Apesar da educação ser pensada e projetada, muitas vezes, a partir da lógica das competências indicadas como administráveis e previsíveis, não nos parece possível defender tal definição e orientação, pois fica evidente que a dimensão humana a ser privilegiada pela prática educativa é prioritariamente da cognição, permanecendo no ocultamento as demais.

O desenvolvimento de competências cognitivas nos garante a formação de um ser humano ético, autônomo, justo? Que lugar é reservado ao imprevisível, para a liberdade e para a Criação? Vale lembrar o que ensina o Catecismo da Igreja Católica (§ 1734) sobre o desenvolvimento da verdadeira liberdade: A liberdade torna o homem responsável pelos seus atos, na medida em que são voluntários. O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre os próprios atos.

Se a formação para as habilidades e competências previamente previstas ocupa a centralidade do projeto da educação, a mesma esvazia-se de sua condição criadora, não podendo, dessa forma, contribuir para a formação do sujeito e dinamizador de sua própria existência.

A complexidade da Educação vai muito além da análise e escolha metodológicas que possam cumprir a formação intelectual e habilidosa do sujeito.

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A Educação, como atividade criadora, como uma atividade que exige deliberação, construção de sentido, se perde nesta lógica do desenvolvimento das habilidades e competências.

A autonomia é um dos sentidos da educação. Portanto, esta não é simplesmente para desenvolver competências funcionais do seu sujeito. A autonomia humana é objeto de construção, e não algo que pode ser caracterizado como uma condição já determinada, somente por competências previamente traçadas. O Catecismo da Igreja Católica (§ 1731) ensina sobre a liberdade e a deliberação:

A liberdade é o poder, radicado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim, por si mesmo, ações deliberadas. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe de si. A liberdade é, no homem, uma força de crescimento e de maturação na verdade e na bondade. E atinge a sua perfeição quando está ordenada para Deus, nossa bem-aventurança.

O sujeito da Educação não deve ser compreendido somente no âmbito das competências e habilidades que deve desenvolver e que, por isso, depende do aprendizado de uma técnica, de um currículo, de um método. Não existe uma espécie de disponibilidade natural, comum a todos os homens, sendo possível controlar as competências e habilidades que todos, teoricamente, devem adquirir em tempo e em espaço determinados.

Escrito por
Joana Darc Venancio (Redação A12)
Joana Darc Venancio

Pedagoga, Mestre em educação e Doutora em Filosofia. Especialista em Educação a Distância e Administração Escolar, Teóloga pelo Centro Universitário Claretiano. Professora da Universidade Estácio de Sá. Coordenadora da Pastoral da Educação e da Catequese na Diocese de Itaguaí (RJ)

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