Comunicação

Geração Tik Tok: de volta à massa?

Mariana Mascarenhas

Escrito por Mariana Mascarenhas - Redação A12

12 AGO 2022 - 09H21 (Atualizada em 12 AGO 2022 - 10H38)

Embora o homem se comunique desde a origem da civilização humana, foi somente a partir de 1900 que o fenômeno da comunicação se tornou objeto de estudo, inicialmente nos EUA, com o intuito de compreender o processo comunicacional, a partir das inovações tecnológicas surgidas na época e o quanto elas poderiam alterar tal processo.

Em tal período, o termo “massa” era comumente utilizado no âmbito comunicacional. A expressão, no entanto, começou a ser empregada, primeiramente, para definir o grupo de trabalhadores, unidos em torno de um único propósito: a luta pela igualdade e liberdade, diante da exploração trabalhista ocorrida durante a Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra do século XVIII.

Já dentro dos estudos comunicacionais do século XX, a massa estaria ligada aos chamados receptores informacionais que, ao acessarem as notícias pelo jornal, rádio ou TV, reagiriam a tudo da mesma forma ou, simplesmente não reagiriam, aceitando passivamente todo e qualquer conteúdo enviado (tais comportamentos seriam definidos nas primeiras teorias da comunicação). A expressão "massa", portanto, seria caracterizada por um todo homogêneo, cujas características individuais seriam desconsideradas.

O termo, inclusive, chegou a ser utilizado por grandes pensadores da época, que o associavam a algo pejorativo. Para José Ortega y Gasset, por exemplo, considerado o maior filósofo espanhol do século XX, o homem-massa é a antítese da figura do humanista culto, pertencente a uma coletividade incapaz de produzir ideias próprias. Assim, em tal contexto, não se enxergavam as individualidades da sociedade, algo perceptível nos próprios conteúdos produzidos pela mídia, os quais se direcionavam para um todo.

Todavia, na virada do século XX para o XXI, a sociedade passa a ser vista de maneira totalmente diferente. Com a popularização da Internet, especialmente a partir dos anos 2000, as mídias digitais não se direcionam mais para a massa, mas para os indivíduos. Aliás, antes mesmo desse momento, as mídias tradicionais já haviam se transformado, ao começarem a produzir uma série de conteúdos para públicos segmentados, os chamados nichos.

Leia MaisRedentoristas que estão fazendo barulho no TikTokAssim, as redes sociais vieram personalizar tal processo, ao sugerir informações a partir das próprias escolhas dos internautas. Dessa forma, a massificação deu lugar à individualização digital.

Mas tais mudanças também trouxeram seus problemas, como a formação das famosas bolhas digitais, as quais nos impedem de enxergar o todo, já que, no ambiente digital, somos cercados apenas das informações que nos interessam ou que pertencem a nossas crenças.

Além disso, as inovações criadas a todo instante, como a barra de rolagem infinita, produção de vídeos curtos, entre outras, tendem a deixar os olhos de muitos internautas cada vez mais vidrados nas telas, consumindo uma infinidade de imagens, sem nada a absorver. Diante de tudo isso, eis que, em 2019, explode um novo fenômeno da internet: o Tik Tok.

Lançado pela empresa chinesa Byte Dance, considerada a startup mais valiosa do mundo, com um valor de mercado estimado em 100 bilhões de dólares, o aplicativo se destacou como a plataforma de vídeos curtos que, somente em 2020, foi baixada mais de 2 bilhões de vezes pelo mundo. Danças, dublagens, “interações virtuais” com famosos, graças aos recursos oferecidos, atraíram usuários em todo mundo, sendo que muitos viram naquele universo um meio mais acessível de ganhar seus minutos de fama.

Diante de tamanho sucesso, não demorou muito para que outras redes passassem a oferecer opções semelhantes ao Tik Tok. O YouTube, por exemplo, lançou, em 2020, o YouTube Shorts, uma seção destinada à publicação de vídeos curtos. Já o Instagram incluiu o recurso do Reels em sua plataforma, com novas alternativas de vídeos curtos.

Porém, mesmo com tais opções, os concorrentes do Tik Tok ainda não se igualam à nova plataforma em termos de visualizações em menor período de tempo. Ricardo Cavallini, professor da Singularity University, disse em sua coluna de tecnologia do UOL que, ao postar um vídeo curto no YouTube, obteve 3 mil visualizações em dois dias. No Tik Tok, no entanto, o mesmo vídeo teve 340 mil visualizações em período idêntico. Cavallini também ressaltou ter levado um ano para conseguir 2 mil inscritos no YouTube. Já no aplicativo de vídeos curtos, ele conseguiu tal feito em duas semanas.

Leia MaisA vida religiosa não é um peso para nós, dizem irmãs que viralizaram no TikTokO professor também identificou o perigo das outras redes tentarem copiar o Tik Tok e, assim, perderem sua identidade, nessa busca desenfreada por audiência, em que a qualidade é preterida para a quantidade. Afinal, redes como YouTube, por exemplo, são conhecidas por apresentar conteúdos diversos, proporcionando o surgimento de canais com ótima qualidade por meio de cursos, curiosidades e muitas outras questões.

Mas, como Cavallini ressaltou, o algoritmo das redes está adestrando os criadores para a criação de mais conteúdo, já que, como a plataforma seleciona os vídeos que serão mais mostrados aos seus usuários, ela prioriza quem produz mais: “Na prática funciona assim: se o criador faz vídeo uma vez por semana, o YouTube não mostra o vídeo para ninguém. Se o criador faz vídeo duas vezes por dia, ele mostra para um monte de gente.

Tudo isso, contribui para uma redução da qualidade do material publicado. Inclusive, a palavra adestramento foi muito bem empregada pelo professor, se referindo, justamente, à maneira como não só consumidores, mas produtores de conteúdo são dominados pelas redes.

Enfim, não há problema algum em fazer danças no Tik Tok e se divertir ao ver alguns vídeos; a questão é a moderação. E, quando outras redes tentam imitá-lo, perdendo sua essência, os usuários são condicionados ainda mais rapidamente a se viciar num determinado padrão: o da instantaneidade e superficialidade. Diante de tudo isso, será mesmo que estamos tão longe do conceito de massa apresentado no começo desse artigo?

Escrito por
Mariana Mascarenhas
Mariana Mascarenhas - Redação A12

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Atua como Assessora de Comunicação e como Articulista de Mídias Sociais, economia e cultura.

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