História da Igreja

A Igreja Ortodoxa: Depois dos atritos, separação

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

22 DEZ 2021 - 08H07 (Atualizada em 22 DEZ 2021 - 14H37)

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O cristianismo, como bem sabemos, nasceu do judaísmo. Em Jerusalém formou-se a comunidade mãe da Igreja e no início os cristãos em nada se diferenciavam dos judeus, inclusive frequentando o templo. Conforme a nova religião foi se expandindo, a partir de Pentecostes, novas comunidades foram sendo criadas no norte da África, no Oriente Próximo, na Ásia Menor e nas demais províncias do Império Romano. E nelas os cristãos já tinham elementos próprios que os distinguiam dos judeus, ainda que muitas vezes fossem confundidos

Algumas Igrejas Cristãs mais importantes ou mais antigas passaram a ser chamadas de patriarcados, ganhando proeminência em nível regional. Aí se destaca os cinco grandes patriarcados: Antioquia, Alexandria, Jerusalém, Bizâncio (Constantinopla) e Roma.

Já no primeiro século, com a ida de Pedro para Roma e com o estabelecimento da sede da Igreja na grande cidade Roma foi ganhando proeminência ultrapassando todos os demais patriarcados.

É bom lembrar que em fins do primeiro século da Era Cristã, apogeu do Império Romano, a cidade de Roma tinha cerca de 1 milhão de habitantes.

Atritos e hostilidades

A partir do século VIII, a expansão muçulmana provocou o desaparecimento ou a anexação de alguns desses patriarcados restando então Bizâncio, sede do Império Romano de Oriente e Roma, cabeça do Império Romano do Ocidente. Começou assim um processo de crise e de afastamento entre as duas Igrejas que atravessaria séculos

No processo de separação, ainda no século XI, as discordâncias entre as igrejas estavam longe de ter fim. Isso motivou o Cisma ou divisão entre oriente e ocidente, em 1054. A separação entre a Igreja católica de Roma que abrangia quase todo o ocidente e a Igreja católica do Oriente, que abrangia Constantinopla, Grécia e Ásia Menor formaria dois blocos que pouco conviviam.

A chamada questão Iconoclasta foi um dos fatores que provocou o distanciamento. Discordando do que era tido como adoração de imagens de santos e figuras divinas, a Igreja Oriental ou Ortodoxa instaurou uma nova prática cristã com princípios doutrinais e rituais litúrgicos bem diferentes da Igreja católica romana. Na Igreja Ortodoxa não existe, por exemplo, a prática do culto às imagens desde esta questão do século VIII.

Ao definir a doutrina, as práticas litúrgicas e legais que os cristãos deveriam obedecer, a Igreja romana passou a perseguir os que não compartilhavam dessa postura. Começou então um período de hostilidades e de distanciamento que saiu do nível da hierarquia e do clero chegando até as camadas mais baixas da população.

A tentativa de controlar as ações das populações sob seu domínio, aumentando seu poder, sua influência e riqueza, especialmente com sua estreita ligação com o Sacro Império Romano de Carlos Magno e seus sucessores fez com que a Igreja do Ocidente passasse a usar de todos muitos meios para se impor.

Um desses meios foi a própria definição doutrinal. Como as pessoas não podiam ter outra religião que não a católica, frequentar o culto nas igrejas e praticar os ritos católicos eram a única manifestação cultural e religiosa permitida. As igrejas ou templos funcionavam como o lugar onde as pessoas podiam ser instruídas na fé e no conhecimento, visto ser a Igreja detentora da cultura e dos saberes.

Leia MaisIgreja: Na Idade Média instituição ganhou força políticaConcílios de reunificação

Desde o ano de 1054, as Igrejas do Oriente e do Ocidente não mais se encontravam. Uma desprezava a outra e ambas se consideravam heréticas. Fora isso, o ano de 1204 foi trágico para a sensibilidade oriental, pois nesse ano os cruzados que se dirigiam à Terra Santa invadiram Constantinopla, saquearam a cidade, roubaram ícones e tesouros artísticos, profanaram a basílica de Santa Sofia e transformaram a cidade na sede de um Império Latino do Oriente. Porém, um inimigo mais poderoso, os turcos otomanos, ameaçava Constantinopla e também o Ocidente.

A necessidade de defesa estimulou a realização de dois Concílios de reunificação: primeiro em Lyon e depois em Florença, mas sem frutos duradouros.

O imperador Miguel VII (1259-1282) desejava a união dos cristãos, mas também era movido por interesses políticos, pois ele estava sendo ameaçado pelo rei da Sicília, Carlos de Anjou, precisando do apoio do Papa. Para buscar a reaproximação convocou-se, por isso, na cidade de Lyon, um Concílio de unificação, no ano de 1274. Os delegados orientais chegaram a reconhecer o Primado Pontifício, que era outra fonte de discórdia, e recitaram o Credo com o Filioque (expressão latina que afirma que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho). Mas a recepção da união foi praticamente nula em Constantinopla e em outras regiões onde predominava a Igreja Ortodoxa. Sinal disso, foram as palavras da irmã do imperador: “Melhor que o Império de meu irmão pereça, do que perder a pureza da fé ortodoxa”.

O imperador Miguel VII acabou julgado por apostasia, não podendo nem mesmo receber sepultamento cristão.

O Concílio de Florença. O Concílio Ecumênico de Florença (1438-1439), apesar dos condicionamentos políticos, representou uma forte iniciativa na busca de superação do Cisma de 1054. Dele participaram o imperador João VIII, o Patriarca de Constantinopla e grande delegação da Igreja bizantina.

Houve um esforço sincero para discutir os pontos teológicos que separavam o Oriente do Ocidente, mas para os gregos era difícil discutir com objetividade. A reunificação era a última esperança de salvação diante dos exércitos turcos. Todos os ortodoxos assinaram uma fórmula de união, que abrangia as questões do Filioque, existência do purgatório e o Primado Pontifício.

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O acordo seguiu dois princípios básicos: unanimidade em questões de doutrina e respeito pelos ritos legítimos e tradições de cada Igreja. Dissemos que todos assinaram, mas houve uma exceção: Marcos, arcebispo de Éfeso, depois canonizado, negou sua assinatura.

A Europa Ocidental festejou a união alcançada em Florença, o que não aconteceu no Oriente. O imperador João VIII e seu sucessor Constantino IX mostraram-se envergonhados em publicar e aplicar as decisões conciliares. Bom número de bispos e legados, retornando às suas Igrejas, revogaram as assinaturas. Uma fração mínima do povo e do clero bizantino aceitou os decretos florentinos.

E com outras tentativas de aproximação o processo foi se arrastando. Apenas em 1967, com a visita do Papa Paulo VI a Istambul onde encontrou-se com o Patriarca Atenágoras a paz e aproximação entre as duas igrejas se tornou realidade.

Escrito por:
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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