Por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R. Em História da Igreja Atualizada em 18 MAR 2020 - 10H40

O contexto sociopolítico e religioso no qual São Clemente Maria Hofbauer viveu

CSSR News.
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A partir do dia
15 de março de 2020 até 2021, a Congregação Redentorista viverá um Ano Jubilar, recordando os 200 anos da morte de São Clemente Maria Hofbauer. Ele é considerado o segundo fundador da Congregação, devendo-se a ele a entrada e o desenvolvimento do Instituto Missionário no coração da Europa, de onde se espalhou para o resto do mundo.

Se hoje os membros da Congregação Redentorista se fazem presentes em mais de 80 países do mundo, isso se deve muito ao gênio, ao trabalho pastoral e à coragem apostólica de Clemente, uma vez que o contexto sociopolítico e cultural no qual viveu era de dificuldades, de hostilidade e de oposição à Igreja.

Entenda!

Revolução Francesa

Estamos na França do final do século XVIII. No dia 09 de julho de 1789, uma Assembleia Nacional Constituinte se reuniu em Paris, com a incumbência de elaborar uma nova Constituição para o país. Pela proposta o Rei deveria deixar de ser o senhor absoluto do reino, mandando e dominando na vida do povo a seu bel prazer. Para conseguir seus objetivos a burguesia francesa apelou ao povo, chamado de terceiro estado passando a servir-se dele como massa de manobra.

No dia 14 de julho de 1789, a população parisiense saiu às ruas e, num movimento nunca visto, dirigiu-se à Bastilha, prisão política do estado e a derrubou. A Queda da Bastilha marca o início da Revolução Francesa tornando-se a data nacional comemorada até nos dias de hoje

Causas da Revolução

A Revolução Francesa marca a elevação da sociedade burguesa e capitalista na história da França e do mundo. O essencial desta revolução foi ter tentado realizar a unidade do país pela destruição do Antigo Regime e das ordens feudais privilegiadas. Abolindo o restante das instituições feudais da Idade Média, a Revolução buscou estabelecer os princípios da democracia

Além das causas sociais e estruturais a Revolução Francesa foi também o resultado de uma grave crise econômica enfrentada pelo país. Passada a fase de prosperidade e apogeu do tempo de Luís XV, com seus sucessores o país mergulhou numa grave crise. No tempo do rei Luís XVI era forte o problema da inflação, levando o país à fome e à miséria de muitos.

Estes elementos insuflaram a raiva do povo, manipulado e controlado pela burguesia, que passou a se bater contra a nobreza e contra a Igreja. Com isso, a situação revolucionária estava criada. O restante dos elementos se juntará com o tempo, como um estopim que se acende e não mais se consegue apagar.

A Revolução se espalha

Os camponeses tiveram um papel importante na propagação da Revolução, pois apesar da opressão e do domínio dos senhores eles eram livres. Querendo dispor de suas vidas e de seu trabalho, passaram a sonhar com uma sociedade de pequenos produtores, onde cada um fosse dono de seu campo, de sua oficina e de seu negócio. Queriam evitar o monopólio da riqueza e a dependência do proletariado. Neste contexto se entende o lema da Revolução: Liberdade, igualdade e fraternidade.

Por este ideal lutaram muito, sendo de grande relevância seu papel, sobretudo entre os anos de 1789 e 1793. Mal sabiam eles, porém, que ficariam de fora da aliança que mais tarde a burguesa iria realizar.

A Revolução Francesa passou por várias fases, inclusive a do Terror, até que em seu rastro surgiu a figura de Napoleão Bonaparte, baixo em estatura, mas grande em esperteza e preparo militar.

Napoleão Bonaparte

Napoleão Bonaparte era um general francês popular e famoso da época. Quando estourou a revolução, era apenas um simples tenente e, como os oficiais oriundos da nobreza, abandonaram o exército revolucionário ou dele foram demitidos. Napoleão fez uma rápida carreira. Aos 24 anos já era general de brigada.

Durante a Revolução, após um breve período de entusiasmo pelos Jacobinos, chegando até mesmo a ser amigo dos familiares de Robespierre, afastou-se deles quando estavam sendo depostos. Lutou na Revolução contra os países absolutistas que invadiram a França e foi responsável pelo sufocamento do golpe de 1795.

Enviado ao Egito para tentar interferir nos negócios do império inglês, o exército de Napoleão foi cercado pela marinha britânica. O Egito estava sob tutela inglesa, fazendo parte de seu vasto império. Napoleão abandonou seus soldados e, com alguns generais fiéis, retornou à França, onde, com apoio de dois diretores e da burguesia, suprimiu o Diretório e instaurou o Consulado, dando início ao período napoleônico com o Golpe de Estado conhecido por “18 de Brumário”.

Com este golpe Napoleão foi adquirindo poderes políticos até que em 6 de maio de 1804 foi consagrado Imperador com o título de Napoleão Bonaparte I, governando até 1814. Ele se fez coroar imperador na Catedral de Notre Dame, em Paris.

Reprodução.
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No início de sua missão, depois de 1785/1787, enviado à Viena para ali fundar a Congregação a complicada situação política não permitiu a São Clemente permanecer no seu próprio país. O imperador austríaco que já tinha fechado mais de mil mosteiros e conventos, não permitiria que uma nova ordem religiosa fizesse uma fundação. Sabendo disto, os dois redentoristas mudaram-se para a Polônia.





Expansionismo bonapartista

Durante o seu governo, Napoleão agiu no contexto externo e interno. Externamente estendeu as fronteiras francesas por meio de guerras. Internamente realizou diversas reformas políticas e sociais, sempre em nome dos interesses burgueses, instituindo o código civil, reformando o sistema educacional e adotando o estilo artístico neoclássico como modelo arquitetônico que servia de veículo de propaganda para as dimensões de seu poder político e para a alta burguesia com seu estilo de vida.

Investido de poderes ditatoriais, usou o entusiasmo e o idealismo revolucionário para atender aos seus próprios interesses e dos que o apoiavam diretamente. No entanto, a situação interna foi compensada pelo fato da Revolução ter estendido seus princípios e ideais a quase todas as regiões da Europa, durante o período das conquistas napoleônicas.

Uma das principais marcas da Era Napoleônica foi o expansionismo imperialista. Movido por este ideal buscou conquistar áreas na Europa e fora dela, expandindo o Império Francês por meio da anexação de diferentes regiões.

Na tentativa de conter esse expansionismo e seus desdobramentos, diversas nações europeias formaram alianças contra a França para enfrentá-la pela guerra, em diferentes fases, iniciadas antes mesmo de Napoleão ser aclamado imperador.

Inglaterra, Prússia, Áustria, Suécia e Rússia foram algumas das nações que se uniram contra o Império Francês. Por causa disso, a guerra foi levada à Itália, Portugal, Espanha, Norte da África e Rússia, atingindo assim uma vasta região.

Na Polônia a situação se complicou, pois com a política de alianças sua situação ficou muito complicada. Em 1807, com a assinatura do Tratado de Tilsit o rei Frederico Augusto da Saxônia, tornou-se o arquiduque de Varsóvia. Ele era católico, mas pressionado pelas tropas francesas e pela maçonaria, expulsou os redentoristas da cidade. Os missionários foram presos e levados para Berlim, onde, após quatro semanas de prisão, a comunidade foi obrigada a dissolver-se.

Depois de sair da prisão, Clemente voltou para Viena. Mas também este retorno foi muito difícil. Ele e seus companheiros foram presos diversas vezes acusados de espionagem. Por causa da complicada situação, em setembro de 1808 mudou-se de novo com o grupo de redentoristas para Viena, onde exerceria seu apostolado até sua morte, em 1820.

Em Viena São Clemente sofreu novos ataques. Por certo tempo foi proibido de pregar. Depois chegou a ser ameaçado de expulsão por se ter se comunicado com o Superior Geral em Roma. Seu companheiro de missão Pe. Tadeu Hubl faleceu devido aos maus tratos e agressão que recebeu numa emboscada.

A derrota de Napoleão

A situação de Napoleão e da França foi se complicando cada vez mais e, num cenário de batalhas no qual suas tropas estavam em desvantagem em relação ao exército composto pelas nações opositoras, a França foi sendo derrotada pelas alianças militares que se formaram contra ela até acontecer a última Batalha em Waterloo, na Bélgica, no ano 1815.

Com isso, as Guerras Napoleônicas chegaram ao fim e Napoleão Bonaparte foi exilado na Ilha de Santa Helena, onde viria a falecer com a idade de 51 anos.

A Santa Aliança

Com a ruína do Império Napoleônico, as grandes potências se reuniram num Congresso realizado em Viena, nos anos de 1814/1815. Este Congresso tinha o objetivo de reorganizar o mapa político e geográfico da Europa, freando a difusão das ideias liberais e constitucionalistas da Revolução Francesa difundidas por Napoleão Bonaparte.

Durante o congresso, que contou com a participação de delegados dos Estados Pontifícios como moderadores, por ter sido a Igreja muito prejudicada pela Revolução e por Napoleão Bonaparte, as grandes potências decidiram criar uma aliança chamada de Santa Aliança.

Esta coalizão política foi selada no dia 26 de setembro de 1815, entre as grandes potências monarquistas da Europa: Império Russo, Império Austríaco e Reino da Prússia. Sua criação se deve em grande parte ao czar Alexandre I, da Rússia.

A Aliança trouxe ainda a união dos três ramos da grande família cristã europeia: os ortodoxos russos, os protestantes prussianos e os católicos austríacos. Pela proposta do czar da Rússia, Alexandre I, os príncipes cristãos deveriam governar seus países de acordo com os "preceitos da Justiça, Caridade Cristã e Paz". Eles formariam um bloco de potências, cujas relações seriam reguladas pelas "elevadas verdades presentes na doutrina de Nosso Salvador".

A coalizão tinha características políticas e militares visando garantir a realização prática das medidas aprovadas pelo Congresso de Viena. Este bloco militar duraria até as revoluções europeias de 1848. Depois, além de combater revoltas liberais, o bloco passou a interferir na política colonial dos países ibéricos, por ser favorável à recolonização.

No contexto da Igreja cresceu fortemente a intervenção do estado na sua vida interna. Esta política conhecida como regalista, punha em prática o antigo cesaropapismo dificultando ao máximo a comunicação e o contato com as autoridades eclesiásticas e com as instituições da Igreja que estivessem fora do seu país.

Na Áustria constituiu-se o josefinismo e o que antes era visto como uma proteção, passou a ser uma verdadeira escravidão, semelhante à situação que a Lei do Padroado provocaria nos países das Américas.

No contexto religioso católico de então começou o período chamado de Restauração e Ultramontanismo onde se destacará a figura do Sumo Pontífice e a centralização da vida e das atividades da Igreja em Roma.

Mas já era tarde, porque depois de Napoleão Bonaparte a Europa e o mundo nunca mais seriam os mesmos. Os ideais da Revolução Francesa seriam levados a todo o mundo influenciando diversos movimentos, inclusive no processo de independência das colônias da América Ibérica.

Curiosidade

No Brasil, o dia 14 de julho já foi feriado nacional, comemorado como a data da liberdade e da independência dos povos americanos (decreto nº 155 B, de 1890). Foi Getúlio Vargas quem aboliu esse feriado do calendário oficial (decreto nº 19.488, de 1930). O mesmo decreto reduziu pela metade os feriados nacionais (eram 12 até então).

Escrito por
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Redentorista da Província de São Paulo, graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da Província de São Paulo, atualmente é diretor da Rádio Aparecida

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