PÁGINAS DE HISTÓRIA DA IGREJA
HISTÓRIA ANTIGA 20
Com a liberdade que a Igreja recebeu a partir do século IV veio a oportunidade de se organizar, mas também ela passou a enfrentar um grande perigo, maior do que as perseguições: o seu controle por parte do imperador e do estado romano. Essa interferência política foi e será sempre um perigo para a fé, ameaçada por imperadores adulados por bispos e altas dignidades, sendo que alguns deles se mudarão para a corte.
Deste modo, até as decisões dos concílios sofrem rupturas de acordo com a vontade imperial. Por outro lado, positivamente se projeta a grande riqueza da Igreja nos séculos IV e V: grandes pastores, doutores na fé e santos defenderão a doutrina cristã sem medo, garantindo a unidade e a ortodoxia. Eles são conhecidos como Pais (Padres) da Igreja ou como os Santos Padres. A autoridade deles era tamanha no seio da Igreja que seus escritos são quase igualados aos textos das Sagradas Escrituras. Eles ajudaram a conservar a verdadeira doutrina, foram santos, foram sábios. Dividem-se em dois ramos, os latinos e os gregos, dependendo da língua utilizada.
Defensores da fé do povo
Formados originalmente nas escolas de cultura pagã, colocaram sua sabedoria a serviço do Evangelho. Normalmente eram de famílias de origem cristãs, mas a maioria, pediu o batismo em idade adulta, o que era muito comum neste tempo. Após o exercício de uma profissão profana, formaram-se espiritualmente com os Pais do Deserto, aliando a sabedoria humana à santidade de vida e à contemplação. Retornando depois às suas cidades, foram ordenados sacerdotes, sendo depois candidatos naturais ao episcopado, oferecendo à Igreja uma quantidade nunca repetida de grandes bispos.
Como pastores zelosos, seus ensinamentos foram ministrados através da catequese e da pregação. O povo que os escutava também os compreendia. Não eram teólogos profissionais: eram santos teólogos. Vale para eles a máxima da sabedoria cristã oriental: Se sabes rezar, és teólogo; se és teólogo, sabes rezar.
Os teólogos da Corte se apressavam em justificar o imperador de plantão. Já os Santos Padres não aceitavam que nada e ninguém se opusesse à doutrina verdadeira e à unidade da Igreja. Em tempos favoráveis, chamavam o imperador de “santo”: mas bastava que ele se desviasse da reta doutrina para criticá-lo, chamando-o de satanás ou anticristo.
Mesmo possuidores de vasta cultura, jamais se afastaram do povo, vivendo junto à multidão dos pobres e humildes. Na mais pura imitação de Cristo, são pais dos pobres. Seus sermões contra os ricos e as riquezas são tão fortes e claros que ainda hoje causam espanto.
Luzeiros de sabedoria
Gregório de Nazianzo: Era um homem de Igreja, amado pelo povo e odiado pelos adversários heréticos ou pelos poderosos. Constantino disse que ele era insolente, orgulhoso, provocador de confusão. Para salvar a unidade da Igreja, não recuava diante de nada.
Atanásio foi vítima de chantagens, calúnias, mas soube sempre responder, conduzindo o povo a seu favor. Sua defesa da fé o fez sofrer 20 anos de exílio em 46 anos de episcopado.
Além desses, a Igreja tem em grande consideração os três Padres conhecidos como os Grandes Capadócios, por serem da região da Capadócia, localizada na atual Turquia: os dois irmãos, Basílio de Cesaréia e Gregório de Nissa, e Gregório de Nazianzo.
Leia MaisO renascimento e a arte de Rafael SanzioBasílio de Cesaréia, o maior dos Pais do Oriente, esperou muito tempo para pedir o batismo. Em busca do saber, peregrinou de escola em escola, frequentando os mestres de Constantinopla e de Atenas. Fundador da vida monástica oriental, teve imensa preocupação com os pobres. Percebeu a exploração dos humildes, pois em anos difíceis, os impostos e os dízimos eram cobrados com antecipação, criando verdadeiros escravos.
Suas palavras parecem escritas para os dias de hoje: “As exigências chegam ao cúmulo da desumanidade. Exploras o desespero, fazes dinheiro com lágrimas, estrangulas quem está nu, esmagas o faminto, foram ditas ao ver um pai vender um filho como escravo para escapar da miséria!”. Um prefeito, que não conseguia convencê-lo, lhe disse: “Até hoje ninguém ousou falar-me com tal liberdade”. Respondeu secamente: “Sem dúvida nunca encontraste um bispo!”.
O pai de Gregório de Nazianzo era um herege. Com a oração da esposa converteu-se e até tornou-se bispo de Nazianzo, gerando Gregório, filho único depois batizado por ele. Gregório era muito sensível, mais propenso à poesia e à contemplação do que à administração. Foi eleito bispo de Sásima, mas se recusava a assumir um posto povoado de estrangeiros e de vagabundos.
Gregório diversas vezes fugiu, pois não queria administração. Quando o velho bispo pai morreu, fugiu mais uma vez. Mas, sua fama persistia e acabou levando-o à escolha como patriarca de Constantinopla, onde adquiriu fama como o bispo da Trindade. Nas vezes em que novamente quis fugir, o povo dizia: “Então nos deixarás sem a Trindade?”.
Gregório, durante o concílio de Constantinopla (451), não aguentou mais as discussões em que os mais jovens tagarelavam como um bando de papagaios. Preferindo pregar a Trindade a ficar discutindo, fugiu, fixando-se na diocese de seu pai, que administrou por algum tempo, dedicando-se mais à vida literária e contemplativa.
São João Crisóstomo. Nascido em Antioquia (Crisóstomo = boca de ouro) nasceu para ser monge e pregador, e nunca para ser administrador ou político. Orador nato conhece todos os recursos para convencer e atrair os ouvintes, especialmente atraindo os humildes, objeto de sua atenção. Denuncia o luxo, a riqueza, a preguiça.
A fama de orador fez chegar seu nome à capital do Império e em 397, contra sua vontade, foi praticamente sequestrado e feito patriarca de Constantinopla. Seu primeiro ato foi limpar do luxo o palácio episcopal. Passou a comer sozinho e não aceitava recepções.
Ele continuou sendo monge e, denunciando os abusos da corte e dos bispos, se indispunha com todos, especialmente com a imperatriz Eudóxia que, para provocá-lo, fez erguer uma imagem própria diante da catedral...
Mas continuou a denunciar a imperatriz e na celebração pascal foi detido e exilado em uma pequena aldeia da Armênia, onde morreu em 407, proferindo suas últimas palavras: “Glória a Deus por tudo”. É o mais amado dos Padres orientais, sendo a liturgia ortodoxa denominada “Divina Liturgia de São João Crisóstomo”.
A Santíssima Trindade, a Bíblia, Maria e a justiça social. Os Pais do Oriente eram movidos pelo desejo de contemplar a Deus e esclarecer seu grande mistério. Saídos do deserto, eram monges em meio ao tumulto da cidade dos homens. O amor a Deus fê-los possuir uma imensa compaixão pelos pobres, criando obras para socorrer os famintos e abandonados.
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