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Opinião

O Painel dos Homens e a Doutrina Social da Igreja

Um caminho contemplativo da história do Brasil, um convite à ação transformadora contra todas as injustiças sociais

Karla Maria (arquivo pessoal)

Escrito por Karla Maria

23 SET 2025 - 09H28 (Atualizada em 24 SET 2025 - 08H42)

Quando o cardeal Robert Francis Prevost Martínez, O.S.A., apresentou-se na sacada da Basílica São Pedro, naquele 8 de maio de 2025, ele enviou uma mensagem clara sobre os rumos de seu governo. Ao escolher o nome Leão XIV, ele homenageia e resgata publicamente o magistério de Leão XIII, cuja encíclica Rerum novarum teve papel decisivo na ação social e política da Igreja.

A encíclica, publicada em maio de 1891, revela o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (DSI), “dá início a um novo caminho: inserindo-se numa tradição plurissecular, ela assinala um novo início e um substancial desenvolvimento do ensinamento em campo social”. Para um importante sociólogo francês, Pierre Bourdieu, campo social seria a própria sociedade, onde acontecem as relações e embates.

Nascido em Chicago em 14 de setembro de 1955, o agora papa Leão XIV é matemático, canonista e pastor, foi missionário no Peru e na Cúria Romana. Sua eleição, dizem os vaticanistas, representa uma ponte entre as tradições agostinianas, a governança eclesiástica e o compromisso com os pobres.

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O compromisso com os pobres é tema central da DSI, que ganha relevo em seu papado, já que defende a instauração de uma ordem social justa, “em vista do qual é mister individuar critérios de juízo que ajudem a avaliar os ordenamentos sócio-políticos existentes e formular linhas de ação para uma sua oportuna transformação”.

Linhas de ação para a transformação. Eis o convite que a Igreja vem fazendo às lideranças mundiais. Os 12 anos do pontificado do papa Francisco foram marcados pelas recorrentes denúncias contra as guerras em curso no mundo, como os conflitos na Faixa de Gaza e na Ucrânia, mas também as guerras no Sudão, no Congo, no Líbano, no Iêmen e na Síria.

Com Leão XIV não é diferente. A seu estilo, tem se colocado contra o sofrimento da humanidade. Segundo o Vatican News, em audiência com o presidente israelense, Isaac Herzog, analisou-se a situação no Oriente Médio e a tragédia de Gaza, reiterando por parte da Santa Sé, a “solução dos dois Estados como única saída para a guerra”.

A Igreja no Brasil, com seus bispos, responde historicamente a este chamado de ação pastoral para a transformação para uma sociedade de paz. Desde sua Fundação, em 1952, sob a articulação de dom Helder Câmara, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vem atuando e denunciando as injustiças aplicadas ao povo mais excluído.

Reprodução/ Arquidiocese de Olinda e Recife Reprodução/ Arquidiocese de Olinda e Recife

São tantas as iniciativas pedagógicas e educativas acerca da realidade do povo que enumerar evidencia a ação: Semana Social Brasileira, Comissão Justiça e Paz, Pastorais Sociais, Grito dos Excluídos, Jubileu Sul Brasil, Cáritas, Conselho Indigenista Missionário, entre tantas outras iniciativas que correspondem a uma resposta concreta do chamado da Doutrina Social da Igreja.

Essas manifestações de defesa da dignidade humana, ao longo da história do Brasil, desde a evangelização, ganham rostos e histórias de gente comum, de santos e mártires. Tudo está registrado nas paredes da Casa da Mãe.

Cláudio Pastro, o artista sacro responsável pelas obras do Santuário, faleceu em 2016, mas seu trabalho está eternizado em nós feito a primeira catequese, cujas sementes caminham conosco pela vida adulta.

Em entrevista de 2011, o então reitor da Basílica de Aparecida, padre Darci Nicioli, C.Ss.R., revelou o processo de escolha de Pastro: 

“O que mais chamou a atenção na proposta dele foi a sua consistência com as recomendações do Concílio Vaticano II, de que tudo deveria partir do Altar Central e não do trono de Nossa Senhora, porque tudo se inicia e finda em Jesus Cristo. Daí é que derivaria todo o acabamento da nova basílica.

O grupo então resolveu, por unanimidade, optar pelo Cláudio Pastro, pela sua competência, pelas obras realizadas por ele, não só no Brasil, mas também no exterior, bem como pelos livros editados por Cláudio Pastro, que mostram um conhecimento bastante profundo da arte sacra”.

Para Taciane Jaluska, em sua tese de 2018, há uma potencialidade educativa da obra de Cláudio Pastro no Santuário de Aparecida em vista da educação patrimonial no espaço sagrado:

“Pastro foi responsável desde o piso até o teto, passando por 34 painéis com temas do Evangelho, o altar, as naves, as cúpulas e demais outros painéis. O mais interessante de sua obra é o diálogo com a diversidade, tendo o artista buscado inserir no espaço de Aparecida elementos da cultura africana, da indígena, o uso de materiais ibéricos e de materiais que referenciem a terra santa, bem como buscar, por meio de sua arte, inspiração nos ícones ortodoxos e da Igreja Primitiva, transmitindo assim, um grande conhecimento para quem aprecia seu trabalho no Santuário”.

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Assim como a Igreja nos convida a viver para o bem, o artista Pastro nos convida a “praticar coisas boas e belas”. Desde o início, “a beleza torna-se a nota distintiva da espiritualidade dos cristãos e o segredo do seu apostolado”, escreveu Pastro em 2008.

O convite está feito, e Valeriano dos Santos Costas e Pe. Rodrigo José Arnoso Santos, C.Ss.R., membros Grupo de Pesquisa Teologia Litúrgica da PUC-SP, nos ajudam a apreciar e criar um diálogo entre a história da defesa da dignidade humana, da aplicação da Doutrina Social da Igreja, e a arte manifestada de Pastro no “Painel dos Homens”.

Localizado na ala Oeste, voltada para o interior do Estado de São Paulo, o “Painel da Evangelização” ou “Painel dos Homens” é formado por leigos, padres e bispos, que, ao seu modo e em seu tempo, deram testemunho da presença de Cristo no Brasil.

A devoção a Maria, vão lembrar os pesquisadores, ocupa um lugar de destaque na evangelização brasileira, e por isso, ela é apresentada ao centro do painel como a mulher do Apocalipse, “que traz no seu ventre, aquele que é o centro de nossa fé, o Cristo, a Palavra viva e encarnada do Pai”.

Ainda ao longo da ala oeste, há os painéis que retratam a Paixão de Cristo e os momentos que a antecederam. “Estes painéis se unem ao painel dos homens, que completaram em sua própria carne, em 500 anos de evangelização do Brasil, o que faltou à carne de Cristo”, registram os pesquisadores.

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Ali estão Padre José de Anchieta, Tibiriçá, Cunhaú e Uruaçu (foto à direita), Roque Gonzalez, Sepé Tiarajú, Zumbi dos Palmares, Frei Caneca, Frei Galvão, Padre Ibiapina, Dom Vital, Padre Cícero, Frei Damião, Dom Helder Camara, Alceu Amoroso Lima, Dom Martinho Miccheler, Padre João Burnier, Frei Tito, Wladimir Herzog, Padre Vitor Coelho de Almeida, Santo Dias, Padre Josimo, Padre Ezequiel Ramin, Chico Mendes, Joílson, as crianças da Candelária, o indígena Galdino e Dom Luciano Mendes de Almeida.

Santos, mártires, profetas, indígenas, lideranças, estudantes, sacerdotes, gente torturada e assassinada pelo autoritarismo, crianças abandonadas à brutalidade.

“Todos ligados à luta por um mundo justo, mesmo que vítimas radicais da injustiça desse mundo, como as crianças da Candelária e o Índio Galdino. E o que os coloca no painel do Santuário de Aparecida é o Mistério Pascal de Cristo, que funda a história e funda os homens que atuam nela, por causa de Cristo”, explicam os especialistas.

Quanto se pode aprender a partir da vida de cada um representado neste painel? As obras de Pastro estão lá, sobre as paredes do Santuário, envoltas de significados que valorizam a brasilidade, à espera do seu olhar para uma ação transformadora em defesa da justiça social, como convoca a Doutrina Social da Igreja.

“A doutrina, enquanto reflexão séria, serena e rigorosa, intenta ensinar-nos, em primeiro lugar, a saber aproximar-nos das situações e, antes ainda, das pessoas”.

Escrito por:
Karla Maria (arquivo pessoal)
Karla Maria

Jornalista e escritora, autora de quatro livros que tratam sobre fé e direitos humanos, cada um a seu modo. É mestranda em História na Unesp. Foi finalista do Prêmio Vladimir Herzog 2024, é TEDx Speaker, mãe do pequeno João, antirracista e devota de Nossa Senhora Aparecida. (@karlamariabra)

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Por Redação A12, em Opinião

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