Há uma aparente contradição no relacionamento entre Maria e Jesus. Os evangelhos nos apresentam de um lado Jesus obediente aos pais e do outro os pais atentos à palavra de Jesus e prontos a realizar os planos de Deus sobre ele.
Esta contradição aparece de forma clara no episódio da perda de Jesus em Jerusalém e do reencontro dele no templo, sentado no meio dos doutores “ouvindo-os e interrogando-os”. (Lc 2, 41-52)
A obediência é recíproca porque, se de um lado Jesus, voltando para Nazaré “era-lhes submisso”, do outro “Maria conservava no seu coração” as palavras e os acontecimentos da vida de seu Filho, “sem compreender” plenamente o mistério que nele se encerrava. Ela também caminhava na penumbra de fé!
Nesta aparente contradição Mãe e Filho buscam descobrir, num profundo relacionamento de fé, de respeito e de amor, a vontade do Pai, como aparece nas palavras e nas atitudes seja de Jesus como de Maria. Jesus de fato afirma: “Minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou” e Maria, ao receber o anúncio do anjo, não hesita em responder: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra!”
Na vida de cada pessoa humana há um crescimento e deste crescimento não escapam nem Jesus, nem Maria. É Lucas, o evangelista médico que afirma: “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça”. E este crescimento manifesta-se no relato das Bodas de Caná da Galileia que o evangelista João coloca no capítulo segundo do seu evangelho.
Este relato parece um retrato em miniatura da Igreja: estão presentes Jesus, a Mãe de Jesus, os apóstolos, os servos, os convidados, o mestre de cerimônias. Celebra-se o banquete nupcial e acontece a transformação da água em vinho simbolizando e antecipando a vinda plena do Reino a ser vislumbrada nas palavras de Jesus: “Em verdade, não beberei mais do fruto da videira até o dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus!” (Mc 14,25)
Em Caná, a mãe de Jesus enxerga a necessidade, a falta, sente o constrangimento do noivo, provoca e antecipa a “hora” do seu Filho que manifesta a sua glória e confirma a fé dos discípulos que creram nele.
Em Caná, a mãe de Jesus, na fé pura, que vai além da aparente negação do Filho, toma a sério as suas palavras que apontam para a “hora” e faz com que esta “hora” aconteça. O Filho “se dobra” diante da mãe que coloca as horas da vida da gente, com suas urgências, dentro da “hora” do seu Filho, antecipando a sua ação salvadora: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Mas como Maria foi “obediente” à Palavra de Jesus?
Gostaria de apontar em Maria duas atitudes autenticamente evangélicas. Trata-se da primeira e da última frase que os evangelhos colocam nos lábios dela.
A primeira das sete “palavras” pronunciadas por Maria é uma pergunta: “Como vai acontecer isso?” (Lc 1,34). A Palavra de Deus anunciada pelo anjo Gabriel parece impossível de ser realizada, é incompreensível. A revelação, feita de palavras e acontecimentos, é sempre difícil de ser compreendida e acolhida, também para Maria. Ela quer entender, penetrar no mistério. Não importa se precisa de tempo. Ela também, embora já santa na imaculada conceição, é chamada a percorrer um constante caminho de fé. Para ela, assim como para cada cristão, a compreensão das palavras e dos acontecimentos do evangelho acontece na medida em que adere à vontade do Pai e percorre o caminho do sofrimento: vivendo e amando. (cfr. Paulo VI Marialis cultus, 56)
A esta pergunta de Maria, como consequência vem a resposta: “Eis a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Maria se rende incondicionalmente à Palavra de Deus, compreendida ou não. Torna-se, assim, o ícone do acolhimento e da disponibilidade. Orígenes, um escritor do 3° século, assim interpreta estas suas palavras: “Eu sou uma folha branca, onde o escrivão pode escrever o que ele quiser. Faça de mim o que quer o Senhor rei do universo!” (Comm. in Lucam, fragm. 17).
A última palavra de Maria relatada nos evangelhos é aquela dirigida aos servos, nas bodas de Caná da Galileia: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2,5). A sua última palavra orienta para a Palavra. Maria orienta a Cristo e nos convida a viver cada palavra sua. Torna-se desta maneira, o ícone de quem anuncia a Palavra. Ela não a anunciou com a boca, pois não é um apóstolo enviado a proclamar a Palavra. Ela gerou a Palavra e, uma vez gerada, a apresenta, primeiro aos pastores, depois aos Magos e agora, em Caná, a aponta aos servos e, neles, a todos os homens e mulheres de todos os tempos: “Fazei tudo o que ele disser!”. Mãe da Palavra não atrai a si, mas põe-se a seu serviço, tornando-se “serva da Palavra” para que resplandeça como luz das nações.
Precisamos resgatar, cada vez mais na Igreja, a dimensão da vida e do amor em todas as suas expressões. Nem o legado missionário que Jesus deixou à Igreja deve fugir desta marca característica do amor e da vida. Ser missionário não é fazer propaganda do evangelho, nem ser ativista de uma organização religiosa. Não é tampouco se beneficiar do amor fraterno vivido dentro de uma comunidade de discípulos do Senhor, fechada em si mesma. Ser missionário é carregar uma presença, a presença do Senhor. É gerar esta presença para o mundo em que vivemos.
É neste sentido que o papel de Maria, Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, torna-se luminoso e atual. Há portanto um enfoque mariano da dimensão missionária da Igreja. Ele nos ajuda a compreender que, antes de qualquer palavra ou atividade, antes de qualquer passo a ser dado em direção do anúncio do Evangelho, em nós deve ser gerado o próprio Cristo. Maria não falou palavras, gerou a Palavra. Não andou para anunciar a Palavra, carregou a Palavra. Na comunidade dos discípulos, não tomou o lugar de ninguém, manteve a postura de quem aguarda a presença do Espírito pelo qual se torna presente o Ressuscitado.
O enfoque mariano da missão encontra expressão particularmente significativa num acontecimento da vida de Maria: a visitação. Ela recebe a Palavra, concebe-a por obra do Espírito Santo e dirige-se “apressadamente” às montanhas da Judeia para visitar e servir a prima Isabel, carregando a “PRESENÇA” do Verbo. O resto parece acontecer como consequência, numa série de encontros e fatos que revelam a novidade absoluta desta presença. Maria é missionária porque gera e carrega o Senhor! Mãe e discípula do Senhor, ela é receptiva da Palavra e a propõe a quem encontra, sempre mantendo a característica materna e feminina, geradora da vida, na perspectiva do amor-serviço, nunca da autoridade, da imposição, da atividade ou do protagonismo pessoal.
“No meio das nossas atividades evangelizadoras nos conforta a presença materna de Maria, Mãe de Deus e nossa. Ela compreende aquilo que de essencial está acontecendo e o que de essencial está faltando. Quem sabe possamos pedir que partilhe conosco um pouco desta sua capacidade contemplativa. Ela nos fará escutar com maior nitidez os gemidos do mundo: “Eles não tem mais vinho!”. Muitos de nós também o percebem, mas não sabemos como fazer. E continuamos fazendo de conta que tudo está bem. Como em Caná, não esqueçamos de convidar Maria, a Mãe do Senhor, para a nossa caminhada!” (Dom Vital Wilderink)
Terminamos esta nossa reflexão lembrando as palavras de Papa Francisco:
“Queridos amigos, viemos bater à porta da casa de Maria. Ela nos abriu, fez-nos entrar e nos aponta o seu Filho. Agora ela nos pede: “Fazei o que ele vos disser”(Jo 2,5). Sim, Mãe, nos comprometemos a fazer o que Jesus nos disser! E o faremos com esperança, confiantes nas surpresas de Deus e cheios de alegria. Assim seja!” AMËM!
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