Por Lúcia Muniz Em Palavra do Associado Atualizada em 03 OUT 2017 - 08H19

Como a Teologia dialoga com o Mundo

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Como A Teologia Dialoga Com O Mundo

Lúcia Muniz[1]

“O fundamento inabalável da teologia é, justamente com a Tradição, a palavra de Deus escrita. Ela tira sua força e constante rejuvenescimento desse fundamento”.[2]

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre: Como a Teologia dialoga com o mundo, põe em destaque, mesmo que de forma breve, alguns entendimentos conceituais das palavras chaves da reflexão: teologia, fé, mundo, diálogo, na tentativa de ensaiar uma resposta para a reflexão proposta.

  1. Dei Verbum e a Teologia.

O documento conciliar Dei Verbum, especificamente o texto n. 24, ressalta a importância da Sagrada Escritura e da Tradição para o “labor teológico”. O texto de forma bela começa dizendo: “O fundamento inabalável da teologia é, juntamente com a Tradição, a palavra de Deus escrita. Ela tira sua força e constante rejuvenescimento desse fundamento”. Podemos até dizer que tal afirmação é obvia, todavia, escutando com mais zelo o que diz o texto percebe-se que a chamada é para uma retomada mais consequente da sua base fundante – Tradição e Sagrada Escritura. E, continuando com o texto conciliar, ele afirma: “As Sagradas Escrituras contêm a palavra de Deus. Como é inspirada, essa palavra é verdadeira e seu estudo é a alma da teologia”. O Concilio Vaticano II, no documento Dei Verbum recupera, vivifica o lugar da Sagrada Escritura, como Palavra de Deus nos estudos da teologia. Assim, a alma da teologia está num contínuo e dedicado estudo da Bíblia.

Para se compreender o conceito de um termo, palavra e ou expressões é interessante buscar a sua raiz, a sua etimologia. O termo teologia, etimologicamente se compõe de dois termos o que já define a sua natureza: Théos + logía = Deus + ciência. Segundo Libâneo:

“Teologia tem a ver com “logia”, com palavra, com saber, com ciência. Coloca-se Deus em discurso humano. Etimologicamente, significa um “discurso, um saber, uma palavra, uma ciência de ou sobre Deus.” [3]

Percebemos que, quando buscamos um conceito a partir da origem do termo temos uma elasticidade, uma amplitude de ideias que apontam direções diversas que se esclarecem com a aproximação de outras questões paralelas. Poderíamos, também, fazer uma incursão pela história para que em cada tempo histórico e contextual observando a compreensão do termo teologia nas diversas épocas. Creio que podemos arriscar um conceito para Teologia dizendo que Deus é o centro, a razão do meu eu, do seu tu, do nosso nós que permeia o universo que vibra de forma orgânica e sistêmica.

Neste sentido podemos afirmar que a teologia, sim, trata de Deus, mais mediado pela fé, pela acolhida de sua Palavra que chega até nós pela revelação transmitida na Tradição da Igreja.

O catecismo da Igreja Católica, capítulo III – A resposta do homem a Deus -, artigo I, II. “Sei em quem pus minha fé” (2Tm 1,12) nos diz:

“A fé é primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda verdade que Deus revelou. Como adesão pessoal a Deus e assentimento à verdade que ele revelou, a fé cristã é diferente da fé em uma pessoa humana. É justo e bom entregar-se totalmente a Deus e crer absolutamente no que ele diz. Seria vão e falso pôr tal fé em uma criatura.” [4]

Com os ensinamentos do CIC percebemos que o ser humano deseja compreender a sua fé e, nesse caminho ele vai à busca do que o liga a Deus e, para tanto quer aprofundar, justificar, esclarecer o seu ato de fé em Deus. Assim, podemos definir a teologia “como reflexão crítica, sistemática sobre a intelecção de fé”. Afirma Libâneo: “A teologia trata de Deus, mas mediado pela fé, pela acolhida de sua Palavra, que, por sua vez, nos vem comunicada pela revelação transmitida na Tradição da Igreja – escrita, vivida, pregada, celebrada, testemunhada”.[5]

A beleza do desabrochar da fé humana é um processo lento, inesgotável e requer do sujeito abertura para o toque do Divino que permite que ele estabeleça com Deus o processo dialogal. Quando o EU vai ao encontro do TU e nele acontece a interlocução entre pessoas, aí acontece o CREIO em TI e o sujeito não pode ser mais o mesmo. Ele, no mundo, vai ao encontro do outro para anunciar a grandeza imperdível da Revelação. Maria é o exemplo maior e mais perfeito a obediência da fé. Maria, na fé acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que “nada é impossível a Deus” (Lc 1,37) e, assim, deu seu assentimento: ”Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

Na Sagrada Escritura, o livro do Gênesis é aberto solenemente com a seguinte afirmação: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. (Gn 1,1). O CIC da Igreja Católica, segunda seção – A profissão da fé cristã os símbolos da fé – no parágrafo 4 – O Criador - temos uma bela e explicativa catequese que conduz a reflexão do homem sobre as velhas e eternas questões que ele sempre faz sobre o mundo e sua criação. De onde vim? Para onde vou? Qual é a minha origem? O mistério da criação é o presente, é a dádiva de amor do Criador para a criatura. Nele se encerra o querigma, a substância primeira e última da afirmação de João: “Deus é amor”.

O Criador na sua infinita grandeza e bondade deseja a participação nossa no mundo, pois Deus espera que nós, criaturas que recebemos de Deus o existir, também tenhamos dignidade no agir, para sermos causas e princípios umas das outras e dessa forma sejamos seus cooperadores no cumprimento do seu desígnio.

O homem é um ser de relações complexas não podendo ser compreendido afastado do outro com o qual se comunica. O verdadeiro diálogo traduz um encontro de interlocutores. É na relação com o tu que o sujeito constrói e aperfeiçoa a sua identidade. E, é nesta dinâmica relacional que envolve a semelhança e a diferença, em que se instala um rico processo de abertura, escuta e enriquecimento mútuos. O dialogo requer “cortesia espiritual” e abertura do coração.          Com essas pontuações sobre dialogo tentaremos dialogar com a Teologia e o mundo trazendo falas e expressões que caracterizam o papado do Papa Francisco. Para tanto usaremos algumas interlocuções de Francisco em carta dirigida ao cardeal-arcebispo de Buenos Aires, Mario Poli, quando do centenário da Pontifícia Universidade Católica Argentina (UCA).

O Papa Francisco em determinado trecho da carta diz: “ensinar e estudar teologia significa viver em uma fronteira, essa na qual o Evangelho encontra as necessidades das pessoas às quais se faz o anúncio, de maneira compreensível e significativa”. Francisco continuando insiste: “Devemos precaver-nos de uma teologia que se esgota na disputa acadêmica ou que contempla a humanidade desde um castelo de vidro. Aprende-se para viver: teologia e santidade são um binômio inseparável”. Francisco pede aos teólogos que, junto com o respeito à Revelação e à Tradição, haja um cuidado em “acompanhar os processos culturais e sociais, especialmente as transições difíceis”.

O Papa fala na condição de teólogo que compreende a Teologia como uma meta linguagem sobre a Revelação e a Fé e não simplesmente como uma monótona repetição de fórmulas dogmáticas. Ele também critica a Teologia pensada de forma fechada e de sofisticada reflexão acadêmica com tal complexidade que foge ao diálogo com as outras disciplinas, com o mundo, os fatos, os acontecimentos e as pessoas mais simples que procuram o conhecimento teológico para aprofundar sua relação com Deus. O discurso teológico hoje deve ir ao encontro da cidadania experienciada nos átrios da vida pós-moderna fazendo-se ouvir e dialogando.

Francisco, na carta ao cardeal da Argentina faz propostas ousadas. Pede uma Teologia em êxodo, fora dos gabinetes e enviadas às fronteiras do mundo e da sociedade conclamando-a a “encarregar-se dos conflitos”. E continuando diz: “Não apenas os conflitos que experimentamos dentro da Igreja, mas também daqueles que afetam todo o mundo e que são vividos nas ruas...”

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS.         

A partir da fala do Papa Francisco chega-se à conclusão que toda Teologia é pública, embora nunca deixe de ser confessional e eclesial. E o é no sentido de jamais poder confinar-se a um espaço privado que a impeça de ir ao encontro das grandes questões públicas e a elas procurar responder em diálogo e interlocução com outras disciplinas e saberes. Ser teólogo não significa instalar-se em zona de conforto. Ao contrário, pensar e falar de Deus são risco permanente e implicam em acompanhar os processos culturais, sociais, políticos, especialmente as situações e transições difíceis tal qual aconselha o Papa Francisco.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Bíblia Sagrada.Catecismo da Igreja CatólicaConcilio Vaticano II – Dei VerbumCarta do Papa Francisco ao cardeal-arcebispo de Buenos Aires.LIBANIO, J. B. e MURAD, Afonso. Introdução à Teologia. Perfil, enfoques, tarefas. Ed. Loyola.

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