Enquanto a cirurgia plástica se expande no Brasil, sobretudo com fins estéticos, crescem também os questionamentos éticos sobre sua prática em hospitais públicos, onde pacientes vulneráveis enfrentam riscos que vão além da busca pela beleza.
O estudioso norte-americano Alvaro Jarrin questiona a ideia de que o humanismo seria a força motriz da cirurgia plástica em hospitais públicos brasileiros. Sem dúvida alguma, as vítimas de queimaduras e indivíduos com deformidades congênitas foram os principais beneficiários da cirurgia plástica nesses hospitais.
Mas, em muitas das clínicas particulares de alto luxo onde ele conduziu sua pesquisa, quase 95% de todas as cirurgias eram de natureza estética, buscando o “embelezamento humano”. O autor comenta que documentou centenas de casos em que os cirurgiões e os residentes borraram propositadamente os limites entre procedimentos reconstrutivos e estéticos para que fossem aprovados pelo governo e, consequentemente, pagos.
Leia MaisEm busca do 'direito à beleza' Residência médica e interesses estéticos
A grande maioria das cirurgias em hospitais públicos são realizadas por residentes médicos ainda em treinamento para se tornarem cirurgiões plásticos.
Eles têm interesse em aprender procedimentos estéticos e habilidades que os capacitarão para, mais tarde, abrirem suas clínicas privadas. No entanto, demonstram pouco interesse em aprender os procedimentos reconstrutivos que realmente melhoram a função corporal ou reduzem dores físicas.
Além disso, a maioria das inovações cirúrgicas no Brasil são testadas pela primeira vez por cirurgiões plásticos em hospitais públicos, expondo esses pacientes a mais riscos do que os pacientes ricos, atendidos em luxuosas clínicas privadas. Pacientes da classe trabalhadora acabam sendo utilizados como verdadeiras cobaias para pesquisa. O autor relata que entrevistou um número significativo de pacientes pobres insatisfeitos com os resultados de sua cirurgia plástica.
Um exemplo citado é o de Renata (nome fictício). O médico residente que a operou deixou-a com seios deformados e mamilos desnivelados. Além disso, ela desenvolveu graves infecções que levaram meses para cicatrizar, deixando marcas nada estéticas. Ela considerou processar o médico, mas o custo de uma avaliação pericial era elevado. Sabia também que o sistema legal brasileiro provavelmente lhe concederia muito pouco em termos de ressarcimento pelos danos. No fim, ela se inscreveu para uma nova cirurgia corretiva gratuita, esperando um melhor resultado.
Esta é uma história comum entre pacientes de baixa renda prejudicados por cirurgiões plásticos. A falta de recursos torna quase impossível recorrer à justiça, obrigando-os a assumir todo o risco.
Liberdade médica e riscos aos mais pobres
A partir das entrevistas com diversos médicos, o autor percebeu que essa técnica estética era amplamente defendida, sendo considerada uma ferramenta fenomenal que lhes permitia “modelar o corpo humano”. Quanto aos riscos, argumentavam que são inerentes a qualquer procedimento cirúrgico. Os cirurgiões plásticos brasileiros são reconhecidos mundialmente como dos melhores.
Durante uma conferência internacional no Brasil, um cirurgião americano afirmou: “Os cirurgiões brasileiros são pioneiros… sabe por quê? Porque no Brasil eles não têm barreiras institucionais ou legais para criar novas técnicas. Eles podem ser criativos o quanto quiserem”. Em outras palavras, ainda há pouca proteção legal e regulamentação ética no Brasil para resguardar os pacientes pobres de possíveis negligências ou danos médicos.
Penso que, atualmente, a questão da pesquisa em seres humanos conta com maior vigilância ética por comitês de ética e bioética, que exigem que esses procedimentos sejam realizados dentro dos padrões éticos da medicina de alta qualidade. Os pacientes não podem ser transformados em cobaias de cirurgiões aventureiros em busca de fama e lucro. E muito menos devem pagar com a própria vida por consentirem em participar de procedimentos experimentais.
Sabemos que, quando ocorre um “milagre”, ele é amplamente divulgado, mas os erros quase sempre são escondidos e negados. Não se discute aqui a importância da cirurgia plástica para correções e intervenções reparadoras do corpo humano. Elas são fundamentais e constituem uma necessidade de saúde.
Temos um sistema público de saúde universal, que em sua concepção filosófica é considerado um dos melhores do mundo. No entanto, quem precisa de seus serviços sabe que há filas longas, demora no atendimento e, infelizmente, ainda há casos de pessoas que morrem sem atendimento em prontos-socorros. Na prática, o SUS nem sempre é “para todos”, como é constitucionalmente concebido.
A cidadania real é aquela que garante direitos fundamentais a uma vida digna, priorizando sempre os mais necessitados. Nada contra a beleza estética, mas no ranking das necessidades humanas fundamentais, saúde e vida devem estar sempre em primeiro lugar.

Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.