Brasil

"Independência ou Morte": O sesquicentenário da Independência

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

07 AGO 2022 - 08H00 (Atualizada em 30 AGO 2022 - 10H54)

Em 1972, no período mais duro do Regime Militar que governava o Brasil, aconteceu a comemoração do Sesquicentenário da Independência, como mais uma demonstração do “Brasil Grande”, que devia ser amado e idolatrado apesar das mazelas em que se vivia.

O Brasil, com os seus quase 100 milhões de habitantes, metade da população atual, se mobilizou para bem celebrar a ocasião.

O Sesquicentenário foi uma festa organizada para comemorar os 150 anos de independência do Brasil, no dia 7 de setembro de 1972, uma vez que em 1922 havia sido comemorado o primeiro centenário (1822-1922). O governo do general Médici convocou a população brasileira para uma festa patriótica de grande magnitude.

Embalado pela vitória do Brasil com o tricampeonato da Copa de 1970, pelas pesquisas de opinião favoráveis ao governo e pelo milagre econômico, a festa cívica deveria ser uma ocasião de jogar para escanteio os graves problemas do país, que eram a todo custo encobertados.

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O gaúcho Emílio Garrastazu Médici governou o Brasil de 1969 a 1974, organizando um amplo aparato de repressão e inúmeras leis de exceção para poder governar o país. Seu mandato presidencial ficou marcado pelo mais duro período da ditadura, em seus 21 anos de existência.

Neste período, as manifestações artísticas e culturais sofriam censura e restrições e muitas pessoas ligadas à oposição tiveram que deixar o país.

Na área econômica, o governo colheu os frutos do chamado "milagre brasileiro", que representou a fase áurea de desenvolvimento do país, por meio da captação de recursos e financiamentos externos que foram investidos em infraestrutura, com as muitas obras dando base de sustentação ao vigoroso crescimento econômico. O PIB (Produto Interno Bruto) chegou a crescer 12% ao ano e milhões de empregos foram gerados.

Mas esse modelo de desenvolvimento fez com que o país acumulasse uma dívida externa monstruosa, cujo pagamento (somente dos juros) bloqueou a capacidade de investimento e a crise explodiu anos depois. A estabilidade política e econômica imposta a ferro e fogo permitiu que o próprio presidente escolhesse seu sucessor e o general Ernesto Geisel foi designado para ocupar a Presidência da República.

Reprodução/ Wikipedia
Reprodução/ Wikipedia

Monumento do Ipiranga

O Monumento da Independência localizado em São Paulo, no Bairro do Ipiranga, foi inaugurado em 07 de setembro de 1922, como marco do centenário da Independência. Mais tarde, em 1951, surgiu a ideia de construir um local reservado para abrigar os despojos dos antigos soberanos. A cripta localizada no interior do monumento foi escolhida como o lugar mais apropriado para abrigar seus restos mortais.

Em 07 de setembro de 1954, dentro do monumento, perto do Riacho do Ipiranga, foi inaugurada uma cripta reservada ao descanso dos monarcas.

Leia MaisPor que o coração de Dom Pedro I é preservado pela Igreja?Em 1971, o presidente de Portugal, almirante Américo Thomaz, que também governava o país com mãos de ferro, concordou em presentear o Brasil com os restos mortais do imperador Dom Pedro I. Portugal e o Brasil dividiram os despojos de Dom Pedro, mas o coração do imperador permaneceu na cidade do Porto, devendo ser trazido ao Brasil para as festas do Bicentenário.

As festas do sesquicentenário

Em 1972, muitos eventos foram realizados em vista das comemorações do Sesquicentenário e até uma minicopa de futebol foi organizada, com o Brasil convenientemente vencendo Portugal por 1 a 0 na partida final. Mas o grande marco da festa foi o corpo do imperador Dom Pedro I, símbolo da independência do país, trazido de Portugal para ser depositado no Monumento do Ipiranga.

Os restos mortais de Dom Pedro chegaram ao Rio de Janeiro no dia 21 de abril, devendo viajar pelo país até ser depositado em São Paulo, na semana de 7 de setembro, numa cerimônia de vários dias, com hinos e até um desfile de 18 mil soldados na Avenida Paulista.

Seguindo um cronograma carregado de simbologia, pensado para exaltar o nacionalismo brasileiro, foi organizado um itinerário onde o ponto alto eram duas grandes datas nacionais. Em 07 de setembro de 1972, vindo de Pindamonhangaba e seguindo o mesmo caminho feito por Dom Pedro quando proclamou a independência, seu esquife chegou à sua última morada, a Capela Imperial no Monumento à Independência.

Leia Mais"Independência ou Morte": Por que Dom Pedro decidiu ficar no Brasil?“Independência ou morte”: Não aconteceu de um dia para o outro!“Independência ou morte” – Pera aí! Não foi bem assim!O governo militar não poupou esforços para transformar as comemorações dos 150 anos da Independência numa enorme celebração nacional. Mas, quase como uma anedota, daquelas que fazem parte da tradição brasileira sobre a “terrinha”, o caixão feito em Portugal não coube no lugar onde deveria ser colocado na Capela Imperial, no Ipiranga, sendo maior que o espaço preparado para recebe-lo.

Foi preciso desmontar o sarcófago da cripta e aumentá-lo e, quatro anos depois do Sesquicentenário da Independência, em 1976, o sarcófago de Dom Pedro I foi devidamente disposto no Mausoléu para ele construído.

Finalmente, em 1982 chegaram ao Brasil os restos mortais da segunda esposa de Dom Pedro I, a segunda imperatriz, Dona Amélia Cristina, também depositados no mausoléu, que passa agora por um processo de limpeza e recuperação, em vista dos festejos do Bicentenário.

A construção do Mito da Independência

Ao longo dos tempos, vários fatores ajudaram na construção histórica do Sete de Setembro como marco da Independência, que tem sua representação em obras de arte, em livros e em muitas narrativas. E a festa do Sesquicentenário foi um capítulo a mais nesta trajetória.

Contrariamente ao que se descreve, a emancipação política brasileira não foi tão pacífica assim, decorrendo de um conflituoso processo em várias regiões do país, com diversos atores e personagens. Vários episódios foram escamoteados em favor de uma história oficial, que tem no Sete de Setembro seu mito fundador, devidamente celebrado em 1922 e em 1972.

Reprodução
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O ponto de partida da construção é a farta coleção de imagens que tem como elemento central o famoso quadro de Pedro Américo sobre o “Grito do Ipiranga”. Na festa do sesquicentenário, essa “história gloriosa” foi devidamente comemorada, apesar dos muitos problemas que o país enfrentava com o Regime Militar.

A partir das tensões vividas na fase histórica conhecida como Brasil Império, com a crescente rivalidade entre Rio e São Paulo, passando pelo período da ditadura militar e Nova República, chegando na atualidade com a persistente crise enfrentada no atual governo, é importante perceber que a nacionalidade ainda é um processo em construção e que a construção da “pátria amada” depende de muito suor, sangue e lágrimas da população, que deve assumir o papel de protagonista de sua própria história.

Ouça também o conteúdo em formato podcast, com Pe. Inácio Medeiros, C.Ss.R.

Escrito por
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Redentorista da Província de São Paulo, graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da Província de São Paulo, atualmente é diretor da Rádio Aparecida

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