História da Igreja

A Igreja condena o Nazismo

Apesar de possíveis reações contrárias, a Igreja condenou e condena fortemente o regime

Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.

Escrito por Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

26 OUT 2022 - 09H45 (Atualizada em 26 OUT 2022 - 11H01)

“Somente espíritos superficiais podem cair no erro de falar de um Deus nacional,
de uma religião nacional, e empreender a louca tentativa de aprisionar dentro dos limites de um único povo,
na limitação étnica de uma só raça, Deus, Criador do mundo”.
(Encíclica “Mit Brennender Sorge”)

Em 1933, Adolf Hitler chegou ao poder na Alemanha. Junto com ele chegava também a ideologia totalitarista que instalaria no país um regime autoritário e doutrinador, conhecido como Nazismo. Nos anos seguintes seriam criados vários organismos para disseminar a ideologia ou para atuar na repressão da oposição, a fim de garantir o seu funcionamento.

O regime nazista se fundamentava na ideia da purificação da Alemanha, limpando-a de raças consideradas inferiores, com especial aversão aos judeus. Mas outros grupos minoritários, como ciganos e outros grupos étnicos também foram atingidos. Além do mais, o regime praticou em larga escala a ideologia de gênero.

A princípio, a relação do nazismo com a Igreja Católica variou entre a tolerância e agressão, apesar das origens católicas de Hitler e de Goebbels, o ministro da propaganda nazista. Grande parte dos nazistas tinha aversão ao clero e a situação ficava mais complicada pelo fato da simbologia nazista fazer referência ao paganismo. Mas mesmo entre a Igreja, ainda havia os que apoiavam o regime. Hitler, na Alemanha, e Mussolini, na Itália, eram contrários ao clero, mas sabiam que um choque mais forte afetaria e retardaria seus planos de dominação.

Leia MaisDiálogos: Comunismo e socialismoA Igreja Católica já era contrária à ideologia nazista antes de sua chegada ao poder, mas havia uma aparente calma no relacionamento até 1937, quando o Papa Pio XI condenou a ideologia nazista e o totalitarismo. Isso provocaria uma caçada aos dissidentes políticos na Alemanha.

Padres foram perseguidos, presos e enviados a campos de concentração. Com medo, muitos religiosos evitaram falar sobre o antissemitismo e chegaram até a pedir orações pela “conversão” de Hitler. Houve ainda aqueles que procuraram exílio em outros países.

Em 1941, a Alemanha decretou a dissolução de todos os mosteiros e abadias de seu território, abrindo espaço para sua ocupação pela elite militar dos nazistas. Hitler, porém, abafou a operação, com receio de que os católicos alemães pudessem protestar contra as medidas e criar problemas paralelos em tempos de guerra.

Reprodução/ Wikipedia
Reprodução/ Wikipedia

A encíclica “Mit Brennender Sorge” (“Com profunda preocupação”)

No dia 14 de março de 1937, o Papa Pio XI publicou uma Carta-Encíclica intitulada “Mit Brennender Sorge” (“Com profunda preocupação”) na qual condenava o nacional-socialismo alemão e sua ideologia racista.

Esta foi a primeira condenação oficial ao nazismo feita por um chefe de Estado, contendo um ataque pessoal a Adolf Hitler, ao se referir a ele como "profeta louco de arrogância repulsiva".

A encíclica foi um dos dois únicos documentos da Santa Sé escritos em língua diferente do latim e grego, então línguas oficiais. O outro trata-se da Encíclica “Non Abbiamo Bisogno” (Não temos necessidade), de 1931, do mesmo papa, criticando o fascismo italiano.

A Encíclica criticava o racismo e o “Führer”, num tom raramente visto em documentos pontifícios. Nesta época, Hitler ainda gozava de prestígio junto à opinião pública internacional e a carta surpreendeu pelo tom firme e decidido, sendo alvo de críticas da imprensa francesa, que ainda defendia uma coexistência pacífica com a Alemanha.

A “Mit Brennender Sorge”, além de condenar os erros do nazismo, falou dos "direitos humanos dados por Deus, que são inalienáveis”, invocando a "natureza humana", que passa por cima de barreiras nacionais ou raciais.

"Todo aquele que tome a raça, o povo ou o Estado (...) e os divinize num culto idolátrico, perverte e falsifica a ordem criada e imposta por Deus".

No documento o papa também criticou o chamado "mito de sangue e solo", afirmando que o catolicismo é incompatível com a exaltação de uma determinada raça ou figura humana sobre as demais.

Nesta época, não se conhecia ainda a extensão da perseguição contra os judeus. Mesmo assim, se condenou o antissemitismo, reafirmando que a doutrina católica pune com a excomunhão aquele que promover perseguições contra judeus, por motivos raciais ou religiosos. 

O texto ressaltou também o caráter indissolúvel da aliança entre Deus e o povo israelita, lembrando que foi tomando uma natureza humana semita que a eternidade irrompeu na história.

Repercussões dentro e fora da Alemanha

Ao ser publicada, foi determinado que a carta-encíclica fosse lida em todas as missas do Domingo de Ramos, em todas as igrejas da Alemanha, que na época eram cerca de 11 mil. Isto causou uma imensa surpresa entre os fiéis, autoridades e membros do partido.

O impacto entre as elites dirigentes alemãs foi contundente, porque na curta história do Terceiro Reich, ainda não tinha acontecido uma contestação tão ampla e profunda.

A repercussão da “Mit Brennender Sorge” só não foi maior porque o Partido Nazista tinha um rígido controle sobre a imprensa. A falta de liberdade de circulação de informações impediu que o impacto fosse maior entre as massas, com o conteúdo censurado sendo respondido a partir de uma forte campanha publicitária anticlerical.

Leia MaisA Igreja condena o FascismoComo era de se esperar, no mesmo dia da publicação da encíclica, o órgão oficial nazista Völkischer Beobachter publicou a única resposta à Encíclica, pois o ministro alemão da propaganda, Joseph Goebbels, foi perspicaz ao perceber a força que tinha tido a declaração.

Com o controle total da imprensa e do rádio, ele entendeu que o mais conveniente era ignorá-la completamente, censurando o seu conteúdo e quaisquer referências a ela.

Baptiste BRULANT/ Shutterstock
Baptiste BRULANT/ Shutterstock

Entretanto, após a leitura e publicação da carta, as perseguições anticatólicas começaram e as relações diplomáticas entre Berlim e Vaticano ficaram bastante estremecidas. Em maio de 1937, cerca de 1.100 padres e religiosos foram presos e, no ano seguinte, 304 sacerdotes católicos foram transferidos para o campo de concentração de Dachau. A perseguição e repressão ao clero e à Igreja também se estenderiam aos países dominados pela Alemanha.

Ao mesmo tempo, muitas organizações católicas foram dissolvidas e escolas confessionais foram interditadas. Até a queda do nazismo, cerca de 11 mil sacerdotes católicos, quase metade do clero alemão dessa época, foram atingidos por medidas punitivas, política ou religiosamente motivadas.

Depois da encíclica, o papa ainda se utilizou das mensagens transmitidas pela Rádio Vaticano, fundada por Marconi em 1931, como a “Mentre Milioni”, de 1938, fazendo um convite à oração "pelo iminente perigo da guerra e pela ameaça de massacres e ruínas sem precedentes".

Escrito por
Padre Inácio Medeiros C.Ss.R.
Pe. José Inácio de Medeiros, C.Ss.R.

Missionário redentorista graduado em História da Igreja pela Universidade Gregoriana de Roma, já trabalha nessa área há muitos anos, tendo lecionado em diversos institutos. Atuou na área de comunicação, sendo responsável pela comunicação institucional e missionária da antiga Província Redentorista de São Paulo, tendo sido também diretor da Rádio Aparecida.

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