Enquanto o Brasil já se prepara para receber a tecnologia 5G, cuja previsão de chegada ao país é em julho de 2022, de acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a inclusão digital ainda se revela um grande desafio por aqui, especialmente em relação à determinados grupos. Um dos grandes exemplos são os povos indígenas: de acordo com dados divulgados pela última edição da pesquisa TIC Domicílios, metade desse grupo nunca utilizou um computador.
No entanto, quando se trata do acesso à internet, os dados são um pouco melhores, afinal, 76% dos indígenas entrevistados afirmaram já ter usado as tecnologias 3G ou 4G e 86% a conexão Wi-Fi, o que demonstra que a maioria da população indígena se conecta ao ambiente virtual por meio de um celular. Aliás, o dispositivo móvel é utilizado por 96% dos entrevistados, sendo considerado o principal meio de uso diário. Somente 25% ressaltam nunca ter se conectado às redes virtuais.
Leia MaisO que querem os indígenas? Povos indígenas: “Quando defendemos a terra, é para salvar a humanidade”Mas, ao se conectar ao mundo digital, surgem outros entraves que acometem não somente grupos indígenas, como a população de modo geral: a propagação de fake news e suas respectivas manipulações midiáticas. A situação ganhou ainda mais visibilidade desde 2020, com a chegada da pandemia da Covid-19 ao Brasil. Desde então, inúmeras inverdades sobre o novo coronavírus passaram a circular, especialmente após a descoberta das vacinas, com o intuito de gerar dúvidas sobre sua eficácia.
Se, providos de informação, muitos são influenciados pelas inverdades divulgadas, em razão de uma série de estratégias como efeito latente (envio repetitivo de uma informação), construção de imagens, geração de insegurança e medo na população com dados sem nenhuma comprovação científica etc, o que dizer daqueles que possuem acesso limitado aos recursos informacionais, como é o caso de muitos povos indígenas?
O resultado é um aumento dos estragos provocados pelas informações falsas. De acordo com um documento enviado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) à Procuradoria da República em 26 de março de 2021, 70% dos indígenas moradores de aldeias na região da bacia do rio Tapajós, no Pará, resistiram à vacina por decorrência de fake news divulgadas por algumas lideranças evangélicas e indígenas.
Em matéria veiculada na CNN, a Coordenadoria da SESAI do distrito de Tapajós ressaltou que parte dessas lideranças utilizam a influência de poder espiritual para atacar as vacinas. Como muitos indígenas já temem tomá-las por acreditarem em determinados mitos e recusarem remédios de homens brancos – o que também se deve ao fato de questões históricas, como no período do regime militar em que muitos indígenas foram mortos envenenados – tais fake news se tornam verdade. E são diversas as inverdades publicadas, como os boatos de que, no Instituto Butantã, em São Paulo, pessoas extraíam veneno de cobras para a produção das vacinas.
Tanta desinformação apenas contribui para cenários cada vez mais alarmantes. Em fevereiro de 2021, quando o Brasil já deveria ter imunizado mais de 430 mil indígenas, apenas 164.592 haviam sido vacinados no primeiro mês da campanha, segundo dados divulgados no portal G1. O percentual de vacinação estava mais baixo justamente nos estados da Amazônia, região com maior disseminação de fake news.
Leia MaisMarco Temporal: a problemática das demarcações das terras indígenas e os interesses do EstadoO Genocídio IndígenaEm contrapartida a tudo isso, jovens indígenas da Amazônia vêm se revelando ser a “luz” necessária para trazer conhecimento e descontruir inverdades por meio de tecnologias e novas soluções de comunicação, unidos na Rede Wayuri. Criada em 2017, trata-se de uma rede formada por 17 comunicadores indígenas de oito etnias, do Rio Negro, responsáveis por levar informação para suas 750 comunidades.
Conforme consta no site da Rede, esses jovens comunicadores produzem boletim de áudio, atuam como animadores de eventos, além de mobilizarem ações voltadas para melhorias de suas comunidades. A Rede também divulga conteúdo em suas mídias sociais com o intuito de “fortalecer a autonomia dos povos indígenas a partir da produção de suas próprias narrativas”.
Os alertas sobre notícias falsas se tornaram ainda mais intensos com a desinformação sobre a pandemia e as vacinas. Informativos a respeito da Covid-19 passaram a ser propagados com ilustrações e explicações a respeito da doença e cuidados necessários.
Em janeiro deste ano, a Rede realizou sua 4ª Oficina de Comunicação, com assessoria do Instituto Socioambiental (ISA) e apoio do Instituto para Democracia, Mídia e Intercâmbio Cultural (IDEM), reunindo 50 indígenas que foram alertados a respeito das manipulações midiáticas, em especial as fake news.
Cenários como esse sinalizam esperança e alento em meio a tanta desinformação propagada, especialmente para aqueles que têm acesso limitado à informação e, assim, não conseguem filtrar o que é real ou não. Por mais Redes Wayuri!
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