Por Redação A12 Em Santo Padre Atualizada em 08 ABR 2020 - 09H43

Como vive o Papa no isolamento devido à pandemia?

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O modo como vive o Papa Francisco foi tema de interesse do jornalista e escritor britânico Austen Ivereig, que publicou recentemente uma entrevista com o Papa e que está disponível na íntegra pela Vatican News.

Entre a preocupações do Santo Padre, também está como se preparar para viver o depois. Abaixo, destacamos alguns pontos fortes da entrevista.

Como o Papa vive a pandemia e o isolamento?

“A Cúria busca trabalhar em continuação, viver normalmente, organizando-se em turnos, para que nunca tenha muitas pessoas juntas. Muito bem pensado. Mantemos as medidas estabelecidas pelas autoridades sanitárias. Aqui na Casa Santa Marta, temos dois horários para o almoço, para atenuar o afluxo dos residentes. Cada um trabalha no seu escritório ou em casa com instrumentos digitais. Todos trabalham, ninguém fica no ócio”, disse o Papa.

“Como eu vivo espiritualmente? Rezo mais ainda, porque acredito que devo fazer assim, e penso nas pessoas. Preocupa-me isso: as pessoas. Pensar nas pessoas me ajuda, me faz bem, me subtrai ao egoísmo. Obviamente, tenho meus egoísmos: na terça-feira recebo meu confessor, é então que coloco no lugar este tipo de coisa. Penso nas minhas responsabilidades atuais e no que acontecerá depois. Qual será, nesse depois, o meu serviço como bispo de Roma, como chefe da Igreja? Aquele depois já começou a se mostrar trágico, doloroso. Por isso, convém começar a pensar desde agora. Com o dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, organizamos uma comissão que trabalha sobre este tema e se reúne aqui comigo”, explica o Santo Padre.

A minha maior preocupação – ao menos a que sinto na oração – é como acompanhar o povo de Deus e estar mais próximo dele. Este é o significado da Missa das sete da manhã ao vivo em streaming, seguida por muitas pessoas que se sentem acompanhadas, assim como de algumas minhas intervenções e do rito de 27 de março, na Praça São Pedro. Também de um trabalho bastante intenso de presença, por meio da Esmolaria Apostólica, para acompanhar as situações de fome e de doenças. Estou vivendo este momento com muita incerteza. É um momento de muita inventiva, de criatividade”.

Governos e a crise

O Papa cita que governos tomaram medidas exemplares, com prioridades bem definidas, para defender a população, mas estamos nos dando conta de que todas as nossas preocupações, queira ou não, estão ligadas à economia. "Uma política da cultura do descarte. Do início ao fim. Penso, por exemplo, à seletividade pré-natal. Hoje é muito difícil encontrar pela rua pessoas com a síndrome de Down. Quando são detectados nos exames de ultrassom, são renegados. Uma cultura da eutanásia, legalizada ou oculta, na qual são dados remédios ao idoso só até um certo ponto".

O Papa citou a encíclica do Papa Paulo VI, a Humanae vitae, que falava sobre a grande problemática da época que os pastoralistas se concentravam, que era a pílula. "Não se deram conta da força profética daquela encíclica, que antecipava o neomalthusianismo que estava sendo preparando em todo o mundo. É uma advertência de Paulo VI sobre a onda de neomalthusianismo que hoje vemos na seleção das pessoas segundo a possibilidade de produzir, de ser útil: a cultura do descarte”.

“Os sem-teto, continuam sem-teto. Alguns dias atrás vimos uma fotografia de Las Vegas, na qual eles tinham sido colocados em quarentena em um estacionamento aberto. E os hotéis estavam vazios. Mas um sem-teto não pode ir a um hotel. Aqui pode-se ver a prática da teoria do descarte”.

 Revisão do nosso modo de viver: conversão ecológica; sociedade e economia mais humanas

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“Há um provérbio espanhol que diz: 'Deus perdoa sempre; nós, algumas vezes. A natureza, nunca'. Não demos ouvido às catástrofes parciais. Quem é que fala dos incêndios na Austrália? E do fato que um ano e meio atrás, um navio atravessou o Polo Norte, que tinha se tornado navegável por causa do derretimento das geleiras? Quem fala das inundações? Não sei se é uma vingança da natureza, mas certamente é a sua resposta", afirmou.

Temos uma memória seletiva. Gostaria de insistir nisso. Impressionou-me a celebração do 70º aniversário do desembarque na Normandia, com a presença de personagens da política e da cultura internacional. E festejavam. Certamente foi o início do fim da ditadura, mas ninguém recordava dos 10 mil jovens que morreram naquela praia”, continuou o Santo Padre.

"Quando fui à cidade de Redipuglia, no centenário do fim da I Guerra Mundial, via-se um belo monumento e nomes gravados em uma pedra, e nada mais. Pensei em Bento XV (ao “inútil massacre”). O mesmo ocorreu em Anzio, no Dia de Finados, pensando em todos os soldados norte-americanos sepultados ali. Cada um tinha uma família"

"Hoje, na Europa, quando se começam a ouvir discursos populistas ou decisões políticas de tipo seletivo, não é difícil recordar dos discursos de Hitler em 1933, mais ou menos os mesmos que alguns políticos fazem hoje".

"Recorda-me um verso de Virgílio: Meminisce iuvabit. Fará bem recuperar a memória, porque a memória nos ajudará. Hoje é tempo de recuperar a memória. Não é a primeira pestilência da humanidade. As outras já se reduziram a casos sem importância. Devemos recuperar a memória das raízes, da tradição, que é “memoriosa”. Nos Exercícios de Santo Inácio, toda a primeira semana e a contemplação para alcançar o amor, na quarta semana, seguem inteiramente o sinal da memória. É uma conversão com a memória”.

“Esta crise nos toca a todos: ricos e pobres. É um apelo à atenção contra a hipocrisia. Preocupa-me a hipocrisia de alguns políticos que dizem que querem enfrentar a crise, que falam da fome no mundo, enquanto fabricam armas. É o momento de nos convertermos desta hipocrisia em ação. Este é um tempo de coerência. Ou sejamos coerentes, ou perdemos tudo”.

Francisco também diz que "Toda a crise é um perigo, mas também uma oportunidade. E é a oportunidade de sair do perigo. Hoje acreditamos que devemos diminuir o ritmo de consumo e de produção (Laudato si’, 191) e aprender a compreender e a contemplar a natureza. Também, a entrar novamente em contato com o nosso ambiente real. Esta é uma oportunidade de conversão”.

“Sim, vejo sinais iniciais de conversão a uma economia menos líquida, mais humana. Mas não devemos perder a memória depois que passar a situação presente, não devemos arquivá-la e voltar ao ponto anterior. É o momento de dar o passo. De passar do uso e abuso da natureza à contemplação. Nós homens perdemos a dimensão da contemplação, chegou a hora de recuperá-la”.

"Devemos" - disse ainda Francisco, citando o célebre romance de Dostoiévski - “descer no subsolo, e passar da sociedade hipervirtualizada, desencarnada. A carne sofredora do povo é uma conversão obrigatória. Se não começarmos por ali, a conversão não terá futuro. Penso nos santos do dia a dia nestes momentos difíceis. São heróis! Médicos, voluntários, religiosas, sacerdotes, profissionais da saúde, que fazem seu serviço para que esta sociedade funcione”.

A propósito da Igreja do pós-crise, Francisco disse: “Algumas semanas atrás, me telefonou um bispo italiano. Aflito, dizia-me que ia de um hospital a outro para dar a absolvição a todos os que estavam internados, ficando na entrada do hospital. Mas que alguns canonistas tinham chamado sua atenção, dizendo que não podia fazer assim, que a absolvição é permitida apenas com um contato direto. “Padre, o que o senhor pode me dizer?”, perguntou-me o bispo. Disse-lhe: “O senhor faça o seu dever sacerdotal”. E o bispo me respondeu: “Obrigado, entendi”. Depois soube que dava absolvições em vários lugares”.

“Em outras palavras, neste momento, diante de uma crise, a Igreja é a liberdade do Espírito, e não uma Igreja fechada nas instituições. O último cânon diz que todo o Direito Canônico tem sentido para a salvação das almas, e é aqui que nos é aberta a porta para levarmos a consolação de Deus nos momentos de dificuldade”.

Por fim o Papa observou que as pessoas que ficaram pobres por causa da crise são os despojados de hoje que se somam aos despojados de sempre, homens e mulheres que carregam “despojado” como estado civil. Perderam tudo ou estão perdendo tudo. Qual é sentido para mim, hoje, perder tudo à luz do Evangelho? Entrar no mundo dos “despojados”, entender que os que antes tinham, agora não têm mais. O que peço às pessoas é para que cuidem dos idosos e dos jovens. Cuidem da história. Cuidem destes despojados”.

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