O Povo de Deus é chamado a vivenciar o caminho sinodal, um caminho de comunhão, partilha, evangelização e escuta. Essa proposta não é nova, ela está enraizada na Igreja Católica desde sua criação, desde os apóstolos de Jesus.
Quando analisamos na teoria o caminho sinodal, podemos ver que a essência do cristianismo está nele e que não parece ser difícil seguir os passos de Jesus Cristo e sermos uma grande comunidade que caminha juntos.
No entanto, na prática, encontramos alguns obstáculos, entre eles o clericalismo. Você sabe o que essa palavra significa?
É de conhecimento de grande parte dos cristãos católicos que na Igreja Católica existe uma hierarquia formada pelo Papa que é o Bispo de Roma e Sucessor de São Pedro, e depois os bispos, padres e diáconos. Já os leigos, constituídos Povo de Deus, realizam a sua missão profética pela evangelização.
Para explicar de maneira simples, o clericalismo é quando líderes religiosos desconsideram ou reduzem a participação dos leigos nos processos da Igreja, levando a hierarquia para além da formalidade.
Quando falamos de um caminho sinodal, a proposta é que cada um reconheça sua responsabilidade e viva sua missão na Igreja de Cristo. Ao contrário do clericalismo que exclui essa participação.
O clericalismo na visão dos Papas
Em 2018, o Papa Francisco enviou uma carta ao Povo de Deus, na qual destacou que o clericalismo causa divisão na Igreja, colocando o clero como superior aos leigos, quando o necessário é que cada um reconheça o seu papel na Igreja.
Na carta, ele dizia: “O clericalismo, fomentado tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma cisão no corpo eclesial que fomenta e ajuda a perpetuar muitos dos males que hoje denunciamos”.
Caminhos para vencer o clericalismo
O documento final do Sínodo, realizado em 2024, explica que a sinodalidade é o antídoto contra o clericalismo, pois busca restaurar a comunhão e a participação de todos.
“O clericalismo não depende da 'boa vontade' daqueles que se acostumaram a se servir dele para mandar, até de forma autoritária, a maioria dos cristãos. Somente com uma reforma estrutural da Igreja Católica poderemos ter caminhos sinodais, não viciados na prática do clericalismo”, explicou o Padre Manoel José Godoy, doutor em teologia e sacerdote da Arquidiocese de Belo Horizonte (MG), em entrevista ao A12.
Ele ainda argumentou que a cultura do clericalismo está enraizada na Igreja e que é preciso mudar de dentro para fora. “Ouso argumentar que não haveria leigos e leigas clericalizados se não houvesse ministros ordenados clericalistas”.
Em entrevista ao A12, o professor doutor em teologia, Sérgio Alejandro Ribaric, destacou que o clericalismo é antissinodal, ao citar o Documento 62 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e recomenda que todos leiam com atenção, para compreender a missão dos leigos na Igreja.
“Por definição, o clericalismo é antissinodal, antagônico e destrói a prática sinodal, deturpando a função primária das pastorais. O grande desafio atual é modificar essa mentalidade clerical ainda presente que faz tudo girar em torno do ministério ordenado. O ministério ordenado precisa ser entendido como ministério de síntese e não como a síntese dos ministérios (cf. CNBB, doc. 62, n. 87).”
A Igreja sinodal propõe uma forma de viver a fé em que todos os batizados participam ativamente das decisões, do discernimento e da missão de ser Igreja. Padre Manoel destacou que Jesus Cristo já nos ensinou o que é viver em sinodalidade.
“Podemos afirmar sem medo de errar que Jesus Cristo deixou claro que a única hierarquia verdadeiramente evangélica é a do serviço: 'Quem quiser ser o primeiro, seja o servidor de todos' (Mc 10, 44 e Mt 20,26). Esse axioma ensina que a verdadeira liderança e grandeza se manifestam no ato de servir, e não em exercer poder ou dominar os outros”.
Papa Leão XIV também já falou sobre o assunto, recentemente na 65ª Assembleia Geral da Conferência Italiana dos Superiores Maiores, destacou que as diretrizes oferecidas pelo Sínodo são uma contribuição necessária nesse processo.
O Santo Padre afirmou que há três atitudes importantes: “o discernimento eclesial, o cuidado com os processos decisórios e o compromisso de prestar contas do próprio trabalho e avaliar seus resultados e modalidades”. Para o Pontífice, trata-se de “processos interligados, que se sustentam e corrigem mutuamente”.
Nesse sentido, o Padre Manoel explicou que o caminho sinodal proposto por Papa Francisco e continuado pelo Papa Leão XIV tem o objetivo de tornar a Igreja mais participativa, vivendo um clima de comunhão e abrindo caminhos de missão, mas destaca que o clericalismo é um grande obstáculo.
“Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco afirma: 'A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados' (EG 102). Portanto, a minoria deve entender sua missão no conjunto da Igreja como serviço (diakonia) e não mando ou chefia. Nesse contexto, o clericalismo é um desvio de função, que pode se manifestar no clero e no comportamento de leigos que o reforça.”
add Você sabe o que significa sinodalidade?
Existe a necessidade de avaliar a maneira como cada comunidade conduz o caminho sinodal, se existem obstáculos para que ele realmente seja exercido da forma como é proposto, como o “caminho que Deus espera para a Igreja do terceiro milênio”, conforme destacou o Papa Francisco na Carta para a 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ao Povo de Deus, em 2015.
Com isso, o professor Ribaric explicou que a “prática da sinodalidade leva à renovação de todas as estruturas ministeriais baseadas num clericalismo, pois deve ser entendida como princípio de renovação para a ação pastoral da Igreja, como expressão da igual dignidade batismal de todo o Povo de Deus e como capacidade de todos os fiéis participarem ativamente de sua missão evangelizadora.”
Ele ainda lembrou que é preciso envolver o povo de Deus em práticas inclusivas e participativas e não pensar somente em teorias para mudanças.
“Não apenas supor que simples mudanças tragam essa renovação tão necessária. Significa dizer que é preciso ir além. Não se faz renovação pastoral da comunidade em vista da sinodalidade sem a mudança-conversão do coração de todos os seus membros (clero, religiosos, leigas e leigos). Como disse o próprio Jesus: ‘não se põe remendo de pano novo em roupa velha’ (cf. Mt 9,16-17)”.
Ao falarmos de mudanças necessárias no processo para uma Igreja verdadeiramente sinodal, o professor contou que a formação presbiteral é um caminho para o início de mudanças por parte do clero.
“A cultura do clericalismo começa na formação presbiteral. Um novo modo de como entendemos o poder na Igreja é essencial para uma Igreja sinodal e acolhedora. Todo abuso na história da Igreja veio do exercício de uma forma patológica do poder. Dizer não aos abusos é dizer não a qualquer forma de clericalismo. Deve-se enfatizar isso já nos primeiros anos dos seminários.”
Pe. Manoel também compartilha do pensamento de que a formação do clero é um caminho para iniciar mudanças, mas destaca que a instituição dos Diáconos Permanentes é outro caminho que atualmente contribui para a clericalização do leigo.
“A instituição dos Diáconos Permanentes, recuperada pelo Concílio Vaticano II, também precisa de uma revisão séria. A experiência tem mostrado, por toda a parte, um forte processo de clericalização de leigos, sem nenhuma contribuição para uma face ministerial da Igreja. É preciso repensar tal iniciativa nos seus diversos ângulos: vocação, carisma, forma de sustentação e outros.”
O clericalismo é uma distorção da vida eclesial em que o poder se concentra no clero, reduzindo os leigos a meros executores, quando, na verdade, é necessário a compreensão de todos de que todo batizado tem sua responsabilidade e missão na Igreja de Cristo.
“Francisco afirmou, no encontro com o clero na catedral de Palermo, na Itália, em 15 de setembro de 2018: 'O clericalismo é a perversão mais difícil de eliminar. A Igreja não está acima do mundo, mas dentro do mundo, para fazê-lo fermentar, como fermento na massa. Por isso, queridos irmãos, toda forma de clericalismo deve ser banida'. Porque 'em um mundanismo espiritual esconde-se por detrás do fascínio de poder' (EG 95), com graves consequências para o testemunho evangelizador”, finalizou Ribaric.
add Leia também: A prática da sinodalidade na história da Igreja Católica
Você sabia que se arrepender também é considerado ser forte?
Livro “Da culpa ao arrependimento”, de René Dentz, investiga a coragem investida no ato de se arrepender e que age de forma transformadora na vida
Comissão Petrocchi publica relatório sobre o diaconato feminino
Relatório da Comissão Petrocchi apresenta conclusões sobre o diaconato feminino e a atuação das mulheres na vida e na missão da Igreja.
Carlo Acutis, Frassati e mais: relembre as canonizações do ano!
Portal A12 faz retrospectiva das principais notícias da Igreja no mundo em 2025. Nesta 1ª matéria, recorde a vocação dos santos canonizados pelo Papa Leão XIV
Boleto
Carregando ...
Reportar erro!
Comunique-nos sobre qualquer erro de digitação, língua portuguesa, ou de uma informação equivocada que você possa ter encontrado nesta página:
Carregando ...
Os comentários e avaliações são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site.