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O Trem dos Romeiros e a devoção a Nossa Senhora Aparecida

O avanço ferroviário impulsionou as romarias até a cidade de Aparecida (SP) e fortaleceu a devoção à Padroeira do Brasil

Escrito por Pe. José Inácio Medeiros, C.Ss.R.

08 OUT 2025 - 17H55 (Atualizada em 09 OUT 2025 - 10H05)

PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CSSR-Aparecida/SP

Nas primeiras décadas do século XIX o transporte de carga e de pessoas, que até então basicamente era feito por tração animal, sofreu um grande impacto com o desenvolvimento do transporte ferroviário.

Em 27 de setembro de 1825, na Inglaterra, foi inaugurada a primeira ferrovia pública do mundo utilizando locomotivas a vapor, marcando o nascimento da era ferroviária moderna.

Os Estados Unidos, por exemplo, devem muito de seu desenvolvimento e integração costa a costa ou Leste-Oeste às ferrovias que ainda hoje cortam o país.

Nossa primeira ferrovia foi inaugurada em 30 de abril de 1854, no Rio de Janeiro, construída graças ao empreendedorismo de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.

A Estrada de Ferro Mauá ou Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis ligava o Porto Mauá a Fragoso, no Rio de Janeiro. A partir daí, mais e mais quilômetros foram sendo acrescentados à malha ferroviária.

Chegando ao final do século XIX, no declínio do Segundo Império e início da república, o Brasil já possuía uma malha ferroviária em expansão significativa, impulsionada, sobretudo, pelo café e pela necessidade de integração territorial.

O capital estrangeiro, especialmente britânico, era o grande propulsor desse desenvolvimento.

As ferrovias ligavam centros de produção agrícola e mineral aos portos para escoar a produção, marcando a modernização do país e seu contato com as inovações técnicas do século XIX.

Estações ferroviárias como a que existe ainda hoje na cidade de Bananal, no Vale do Paraíba Histórico, vinham inteiras da Inglaterra e aqui eram montadas peça por peça como se fosse um grande quebra-cabeça.

O Vale do Paraíba se beneficiou duplamente desse desenvolvimento, primeiro por ser ponto de passagem entre as duas maiores metrópoles do país, e também por ter sido a segunda região a ter suas terras ocupadas com as lavouras cafeeiras, antes que o café migrasse para outras regiões, chegando ao oeste do estado de São Paulo e norte do Paraná.

O crescimento das ferrovias beneficiará a religiosidade popular, fazendo com que mais pessoas pudessem visitar a Casa da Mãe Aparecida, incrementando o número de seus devotos que visitavam aquela que hoje é conhecida como Basílica Histórica.

Romarias se beneficiam do transporte ferroviário

O Estado de São Paulo desde cedo acreditou nas ferrovias, aumentando ano após ano o número de quilômetros construídos. Isso vinha favorecer a agricultura e a industrialização que já começava a despontar no início do século XIX, graças ao capital proveniente do comércio do café, mas favorecia também o transporte de pessoas.

Um marco do desenvolvimento foi a construção da Estação da Luz na capital paulista em 1867. Os trens que de lá partiam passavam pela estação do Brás, região industrial da capital paulista, de lá se direcionando ao interior do estado ou a outras regiões do Brasil.

Depois de passar por algumas estações, o trem acessava o tronco principal da linha a partir de São José dos Campos, prosseguindo até o Rio de Janeiro. Essa ferrovia logo se tornou uma das mais movimentadas do país.

Em 1894, a primeira turma de missionários redentoristas alemães que vieram trabalhar no Brasil, depois do desembarque no Rio de Janeiro e de alguns dias de descanso, seguiu de trem para São Paulo, numa viagem que, se não houvesse nenhum imprevisto, o que ocorria com frequência, poderia durar cerca de 12 horas.

Parte dessa turma retornaria depois, também de trem, para Aparecida, porque a Congregação Redentorista havia assumido os cuidados pastorais do Santuário Arquidiocesano de Nossa Senhora Aparecida, ainda conhecido pelo povo como “a Capela da Santa”.

.:: Como e quando os Missionários Redentoristas chegaram em Aparecida ::.

No dia 28 de outubro, por volta das 22h30, esses valorosos missionários foram recebidos festivamente na Estação Ferroviária de Aparecida.

Quando iniciaram a pregação das Santas Missões, a partir de 1897, muitas cidades somente puderam ser alcançadas pelas equipes missionárias graças aos trens.

.:: Queluz (SP) foi a primeira cidade a receber as Santas Missões Redentoristas com a imagem da Mãe Aparecida ::.

No tempo das famosas “Marias Fumaças”, para não terem suas roupas perfuradas pelas fagulhas ou cinza quente que saiam das fornalhas das locomotivas e que o vento fazia entrar nos vagões, os passageiros precisavam usar uma espécie de guarda-pó, ao longo do caminho.

O Trem dos Romeiros

No contexto do desenvolvimento ferroviário, graças à linha que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro, passando por Aparecida e ainda graças aos diversos ramais menores, muitos devotos começaram a realizar sua jornada de fé rumo à “Capela da Santa” de trem, substituindo no todo ou em parte as longas viagens que até então eram feitas a pé, a cavalo, carros de bois e carroças, ou pelos famosos “paus de arara”, quando viajavam sentados nos bancos duros da carroceira de um caminhão.

Quando a Central do Brasil foi assumida pela RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), criou-se aquele que ficou conhecido como o “Trem dos Romeiros”, uma composição especial que, partindo da Estação da Luz, em São Paulo, tinha como destino Aparecida que por isso mesmo, ainda era por muitos chamada de “Aparecida do Norte”.

A composição percorria um simbólico trecho do histórico ramal São Paulo-Rio de Janeiro. Chegando a Aparecida, o romeiro desembarcava na estação ferroviária e subia a histórica “Rua da Calçada”, chamada depois de Monte Carmelo, para chegar à basílica que abrigava a imagem da Rainha e Padroeira do Brasil.

Normalmente, o trem chegava por volta das 10h e, depois de ser abastecida em Cachoeira Paulista ou Cruzeiro, a locomotiva retornava por volta das 14h para Aparecida, para a viagem de retorno à capital paulista, saindo por volta das 15h.

O trem tinha classe única, com bancos inteiriços de três e dois assentos em cada lado do corredor, e o percurso que era feito aos domingos tinha uma duração média de três horas, com todos os seus 600 lugares ocupados.


Instituto Histórico Redentorista Instituto Histórico Redentorista Estação de Aparecida (SP) quando a linha "Estação da Luz - Estação de Aparecida" ainda era ativa


O serviço do Trem dos Romeiros perdurou até o início dos anos de 1990, período que justamente marca a decadência final das ferrovias no Brasil.

A ferrovia então seria modernizada, privatizada, servindo hoje apenas para o transporte de carga. A maioria de suas estações está abandonada, com algumas delas, a exemplo da estação de Aparecida, servindo para outras finalidades.

O Trem de Nossa Senhora

Em certas ocasiões festivas, era preparado um trem especial, seja para conduzir alguma autoridade da república ou do estado, como alguma personalidade do mundo dos espetáculos.

Numa ocasião especial, foi preparado um trem que conduziu a imagem de Nossa Senhora Aparecida à cidade do Rio de Janeiro, onde seria coroada e proclamada como Rainha e Padroeira do Brasil. Isso se deu em maio de 1931.

A viagem aconteceu após a celebração de um Congresso Mariano no Rio de janeiro de 24 a 31 de maio, preparando a cidade para receber a imagem da Padroeira do Brasil.

A imagem de Nossa Senhora saiu da “Basílica Velha” em procissão até chegar à estação ferroviária, onde foi conduzida a um vagão anteriormente transformado em capela e colocada no altar festivamente enfeitado.

Acompanhado por uma comissão escolhida entre autoridades civis e religiosas de Aparecida e de São Paulo, o trem partiu às 22h15 em direção à capital federal do Brasil, puxado pela locomotiva 388.


Instituto Histórico Redentorista Instituto Histórico Redentorista Locomotiva 388, o "Trem de Nossa Senhora"


Por todas as cidades onde passava e ao longo de todo o percurso, milhares de pessoas se reuniam para saudar a Santa Mãe de Deus em sua imagem de Aparecida.

O cortejo chegou à capital federal depois de nove horas de viagem, por volta das 7h15, sendo acolhido com entusiasmo pela multidão que se congregou por onde a imagem passava.

A cidade do Rio de Janeiro foi enfeitada e a festa só terminou com o retorno da imagem para Aparecida, ocorrido na noite do dia 31 de maio.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CSSR-Aparecida/S PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CSSR-Aparecida/S População do Rio de Janeiro reunida para pedir as bênçãos da Mãe Aparecida


O mesmo trem anteriormente preparado partiu da estação Dom Pedro II, da capital federal, às 21h15, e depois de uma viagem de mais de 10 horas, chegou de volta a Aparecida às 7h do dia 1º de junho.

O mesmo espetáculo se repetiu. Por onde o trem passava conduzindo a imagem da padroeira de volta à sua casa, a festa se repetia e as aglomerações populares se sucediam, até a imagem ser de novo instalada em seu nicho, na Basílica de Aparecida.

Outras viagens especiais se sucederiam pelo Brasil e pelo mundo em épocas diversas, mas nenhuma transportou um passageiro tão ilustre e especial como Nossa Senhora Aparecida, agora proclamada como Rainha e Padroeira do Brasil!

Fonte: Instituto Histórico Redentorista

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