Por Ciro Leandro Costa da Fonsêca Em Palavra do Associado Atualizada em 03 OUT 2017 - 08H13

A luz de Nossa Senhora da Minha Escuridão

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Neste ano do centenário de nascimento do poeta Manoel de Barros, e na preparação para o jubileu dos 300 anos do encontro da Virgem de Aparecida, um fato curioso me chamou a atenção: o título de uma obra nunca publicada e que dava a Virgem Maria um título inusitado, o de Nossa Senhora da Minha Escuridão. Sabemos que existem outros títulos que se revestem de um sentido antitético, como Nossa Senhora da Luz, Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora da Glória. Mas qual o sentido do título dado pelo poeta à Mãe de Deus?

 

Mas qual o sentido do título dado pelo poeta à Mãe de Deus?

Manoel de Barros foi o poeta da simplicidade, do campo, do que ele chamava de “despropósitos”. Reinventava não só a linguagem, mas toda uma poética, com suas invencionices e incompletudes. Embora se identificasse com o comunismo, ideologia distante da fé, quando aos 18 anos quase foi preso por ter pichado “Viva o comunismo” numa estátua, a polícia veio lhe buscar, e a dona da pensão suplicou que não levasse o menino, pois ele havia escrito um livro. Este livro inédito era intitulado Nossa Senhora da Minha Escuridão e o policial levou a brochura em troca da liberdade do menino-poeta, como se a dona da pensão tivesse recorrido à intercessão mariana naquele momento.

Foto de: Revista Época

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Poeta Manoel de Barros

O primeiro livro do poeta refletia sobre Nossa Senhora. Mais tarde Manoel de Barros escreveria o livro “Poemas concebidos sem pecado” que também faz interdiscursividade com a compreensão mariológica, já que Maria foi concebida sem pecado. Os poemas contidos nessa obra são concebidos sem pecado por revelar uma visão infantil das coisas, num tom de inocência. Neles podemos imaginar também que poemas compunham o primeiro livro do poeta. Seu universo apresenta à simplicidade da criação, os bichos, a beleza escondida no cotidiano do amanhecer, como no poema O Fazedor de amanhecer. Maria também é comparada poeticamente ao amanhecer, a aurora, como Uma Mulher Vestida de Sol, intertexto com o livro do Apocalipse que dá nome a obra pioneira da carreira teatral do escritor Ariano Suassuna.

Foto de: Galeria de Irina Meder

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ìcone Nossa Senhora da Luz

Apesar de muito jovem e confessando-se comunista, de forma simbólica o poeta Manoel de Barros elaborou um sentido poético para Nossa Senhora, que comunga com o universo do poeta, com a lírica da simplicidade, em que Deus se revela nos pássaros, nos outros bichos, nas flores do campo, na água, na terra, no silêncio, nas imagens que somente as crianças conseguem pensar, na fé pantaneira. Certamente o livro nunca mais encontrado unia a simplicidade da temática poética de Manoel de Barros à representação mariana, àquela que é luz na escuridão, que ilumina com suas candeias a estrada dos andarilhos, dos boiadeiros, dos tropeiros, de todos que na escuridão se lembram de Maria como Guia. Num momento de escuridão da vida do poeta, a entrega do seu livro sobre Nossa Senhora foi a luz para que não fosse preso. Uma atitude simbólica que merece ser rememorada no atual contexto de relativismo que vivemos, onde a fé e a poesia são consideradas valores arcaicos.

:: Por uma poética Mariana

Contemporâneo da poetisa Adélia Prado, Manoel de Barros revela em sua obra a mística do cotidiano, do contato com a natureza onde Deus se revela da forma mais simples. Sua visão torna belo o que é desprezível aos olhos humanos, como também o faz Deus ao resgatar o homem das piores condições humanas. É a busca da essência da vida, das coisas, que move as bobinas de sua lírica e o fez escrever o livro perdido. E que Nossa Senhora da Minha Escuridão também nos livre das prisões da cegueira poética que não permitem enxergar a beleza singela da criação e o sentido das revelações divinas nas descampadas travessias de uma vida pantaneira, que segue como comitiva de bois rumo a uma eterna poesia.

Ciro Leandro Costa da Fonsêca
Doutorando
em Letras pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Membro do GPORT (Grupo de Pesquisa de Literaturas de Língua Portuguesa) e Bolsista da CAPES.
Associado da Academia Marial de Aparecida.

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