Espiritualidade

Crise ou noite escura: o sofrimento à luz da fé

Padre Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R.

Escrito por Pe. Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R.

19 OUT 2021 - 09H58 (Atualizada em 19 OUT 2021 - 10H22)

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Crise ou noite escura: momento mais delicado do crescimento em Cristo. Acontece quando o cristão se depara com o inevitável. O maior desafio do ser humano se encontra no enfrentamento do inevitável, quando lhe acontece o que não queria e o que não planejara. Quando a realidade não corresponde a seus desejos e expectativas.

O imprevisto pertence à dimensão do inevitável. Alguns estudiosos o chamam de destino, compreendido não como o que Deus determinou desde sempre para cada um, mas como o que nos acontece sem a participação de nossa liberdade ou decisão. Afinal, ninguém escolhe o sofrimento.

Leia MaisA personalização da fé - IIA personalização da féDaí advém a crise, situação crítica, arriscada e exigente, que exige mudanças importantes, para melhor ou para pior, dependendo da reação pessoal e do empenho da liberdade. Esse fenômeno foi muito bem observado, desde sempre, no caminho espiritual. No desenvolvimento psicológico há também momentos fortes de desconcertos e incertezas.

A espiritualidade cristã, desde seus inícios, se debruça sobre o sofrimento, a cruz, a desolação, o abandono e as provas. Quem nunca foi provado pelos acontecimentos da vida? Fator decisivo no progresso rumo à maturidade cristã, uma fase que parece romper com as precedentes.

Quem passou pelas outras cresceu, amadureceu, adquiriu autoconfiança e, portanto, esperaria um nível mais elevado de integração e de harmonia. Sobrevém, ao contrário, uma situação pessoal desconcertante, que rompe as regras do programa. Obscuridade, aridez, abandono, incapacidade total são expressões dessa experiência vivida por muitos cristãos.

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Santa Teresa de Calcutá, no auge da crise, abriu seu coração:

“Dizem que a pena eterna que sofrem as almas no inferno é a perda de Deus... Em minha alma eu experimento precisamente esta terrível pena da perda de Deus, de Deus que não me quer, de Deus que não é Deus, de Deus que na realidade não existe. Jesus, te rogo, perdoa minha blasfêmia.

Os homens e as mulheres espirituais conhecem os sofrimentos. No meio da crise, Teresa se mantém fiel a Jesus e ao Evangelho. Expressa o seu sofrimento, grita-o, mas não muda a orientação fundamental da sua vida para Deus. Ela crê e é sustentada pelo Espírito Santo na mais pura desolação interior. O que ela diz não causa admiração, porque o sofredor goza do “privilégio de Jó”, ou seja, pode dizer o que quiser.

Leia MaisA Interiorização da fé - IA crise produz uma ruptura, que nada mais é do que uma mudança de rota, que põe o cristão no verdadeiro caminho do amadurecimento em Cristo, morto e ressuscitado.

Morte e ressurreição não são ideias teológicas abstratas, fazem parte da vida de todos os que verdadeiramente querem servir a Jesus.

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A espiritualidade antiga afirmava: Deus “envia sofrimentos”. Mentalidade hoje superada, porque Deus, enquanto amor, não deseja o sofrimento de nenhum de seus filhos. Deus não manda sofrimentos - sequer os permite - apenas não interfere. Respeita a autonomia do criado e a liberdade humana.

Assim foi com Jesus, Deus-Pai não “permitiu” que seu Filho sofresse, como muitas vezes se diz. Ele apenas não interveio. Uma vez morto em consequência da rejeição a seu projeto de construção do Reino, o Pai o ressuscita, fazendo vitorioso o que fracassara.

Leia MaisSer cristão: um processo que dura a vida todaO sofrimento, quando vem, exige, para quem crê, ser enfrentado à luz da fé. Jesus o enfrentou na confiança inabalável no Pai. Na vida pessoal, todos fazem a experiência do sofrimento, fruto da dissonância entre a realidade e o desejo. Afinal, quem tem uma vida ideal? Quem não se depara, todos os dias, com a dimensão da cruz em sua vida?

Pois o cristão enfrenta as provas da vida em união com Cristo, o que lhes garante um sentido e faz amadurecer na fé. O cristão, unido a Cristo desde o batismo, participa do seu mistério pascal também quando sofre. Seu sofrimento, portanto, visto à luz da fé, o faz crescer e amadurecer na adesão a Cristo.

Escrito por
Padre Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R.
Pe. Paulo Sérgio Carrara, C.Ss.R.

Missionário redentorista, Reitor do Instituto Teológico São Paulo (ITESP), em São Paulo, e professor de teologia. Também é formador dos religiosos estudantes de teologia da congregação do Santíssimo Redentor.

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