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Maria: Mãe de Deus e Mãe dos Homens

Os primeiros sinais de uma devoção mariana - Parte I

Escrito por Academia Marial

04 FEV 2021 - 17H06 (Atualizada em 06 FEV 2021 - 09H19)

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"Interrompendo bruscamente o silêncio, ouve-se a voz do Deus escondido: "Onde estás?". E os bosques olham-se atónitos e os grandes ciprestes, verdejantes moradores da floresta, olham-se surpreendidos, perguntando na majestade e no silêncio: "Que faz este aqui no meio de nós?". Era assim que o poeta hebreu Bialik, numa sua lírica de 1905, reevocava aquela pergunta lacerante ouvida no jardim do Éden e dirigida ao homem pecador: "Onde estás?" (Gn 3,9). É uma advertência à responsabilidade, um apelo à consciência dirigido a todo homem - Adão em hebraico significa simplesmente "homem" - no repentino silêncio da natureza que assiste emudecida ao arrojo de quem ousa desafiar o Criador. Na harmonia da criação, que se está a infringir, o homem está para se tornar um estranho. Deus entra agora em cena não mais como amigo, que descia pela brisa da tarde para dialogar com a sua criatura mais elevada, mas como juiz que está para instituir um processo.¹

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Cenas de "O Livro de Gênesis"


Segundo a Revelação bíblica, Deus criou o homem e a mulher a sua imagem, para que participassem de seu amor. Abençoou e dialogou com quem havia criado para dominar a terra (cf. Gn 1,28). A Bíblia testemunha que "Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom" (Gn 1,31). Rompido o diálogo com o Criador, dada a liberdade que ele próprio havia concedido ao homem e à mulher, entraram no mundo o pecado e a morte. Mesmo assim, Deus abriu-lhes novos horizontes: "Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirá o calcanhar" (Gn 3,15). Essa passagem é chamada de "Protoevangelho", isto é, primeiro anúncio da Boa-Nova. Genêsis 3,15 não é um texto vago, indeterminado, mas um claro anúncio da salvação, ainda que a luz decisiva venha a ser dada pelo Novo Testamento: o Redentor é Cristo e ele será vitorioso quando, encarnando-se, isto é, assumindo nossa carne e limitações, menos o pecado, nascendo de uma mulher (cf. Gl 4,4), salvar-nos-á. Cristo será o novo Adão, a cabeça da nova humanidade, o princípio da Nova Aliança. A mulher do Gn 3,15 será, em primeiro lugar, Eva. Sua descendência, a humanidade, sofrerá, mas triunfará sobre a serpente. Não é dito como ou quando isso ocorrerá. Segundo uma tradição muito forte na igreja, essa vitória foi alcançada não por Eva mas por Maria: seu descendente (Jesus) venceu o demônio para sempre. Afirma o Concílio Vaticano II (1962-1965) que Maria "já é profeticamente esboçada na promessa da vitória sobre a serpente dada aos nossos primeiros pais caídos no pecado" (LG 55).²

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A mulher profetizada (Gn 3,15) desde a queda do primeiro homem como aquela que nos traria o vencedor do mal ainda não tem nome concreto. É uma figura misteriosa não somente no protoevangelho mas também nas profecias ao longo das Sagradas Escrituras que fazem referência a vinda do Messias. "Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que a jovem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel" (Is 7,14). Dentre essas, há também outras que possuem certa relevância, pois remetem a raiz de onde virá o Messias. Vemos também essas profecias, quando diz: "Um broto vai surgir do tronco seco de Jessé, das velhas raízes, um ramo brotará" (Is 11,1). Como também na profecia de Miquéias o mesmo anúncio: "Mas tu, Belém de Éfrata, pequena entre as aldeias de Judá, de ti é que sairá para mim aquele que há de ser o governante de Israel. Sua origem é antiga, de época remotas. Por isso, Deus os abandonará até o momento em que der à luz aquela que deve dar à luz" (Mq 5,1-2). Percebe-se que essas profecias nos dão a origem do Messias, que é a Casa de Davi; nos dão também o lugar que ele irá nascer, que é Belém de Judá. Vê-se também a forma: por meio de uma Virgem. Esses dados nos dão os sinais suficientes para chegar à pessoa de Maria.³

É a partir deste ponto da história da Salvação (Profecias) que podemos traçar o início de uma Devoção. Antes da vinda do Messias, na plenitude dos Tempos (Gl 4,4), essas profecias apenas geravam no povo esperança e expectativas. Esperança e expectativas não somente sobre a vinda do Messias, mas também sobre quem seria a genitora. O mistério que envolve a identidade da genitora do Messias é mistério gerador de uma devoção-admiração.

“Deus não só quis que fosse por meio de Maria, mas também foi dando pistas, revelando aos patriarcas e profetas, que por meio da própria humanidade Ele realizaria a salvação dos homens. Assim, na antiguidade eles não tinham a capacidade de saber que era a menina de Nazaré que daria à luz o Salvador, e a figura desta mulher estava velada, era esperada, mas ainda desconhecida. Mas, é Cristo, a plenitude da revelação, que rasga o véu do mistério de Deus, e a mulher desconhecida e esperada por todos é revelada. 4”

As menções a Maria no texto bíblico são muito reduzidas. Em algumas, ela nem aparece citada pelo próprio nome, como é o caso da Carta de Paulo aos Gálatas, dos Evangelhos de Marcos e de João (nas bodas de Caná). Maria tem mais expressão narrativas de infância dos Evangelhos de Mateus e Lucas. No entanto, embora seja mencionada pelos narradores dessas obras, ela mesma fala muito pouco: em Lucas, quatro vezes (1,26-38.46-55;2,41-52); em Marcos e Mateus, nenhuma vez. Em Lc 2,41-52 e Jo 2,1-12 são as únicas vezes em que ela fala diretamente com Jesus.5

Maria é a mulher silenciosa das Sagradas Escrituras, aquela que no silêncio acolhe e medita todas as coisas em seu coração.  “Do antigo testamento, Maria tirou as lições silenciosas de aceitação à soberana vontade de Javé: Por acaso a argila pergunta ao oleiro: O que estás fazendo? (Is 45,9b). Sentindo-se barro nas mãos do artista, Maria acolhe, no silêncio da fé e da humildade, sua missão. Em suas pregações, Jesus haveria, posteriormente, de exaltar essa silenciosa humildade: Quem se humilha será exaltado (Lc 14,11).6”

Seguindo nesta silenciosa humildade, a Mãe de Jesus, começa a atrair a admiração dos seguidores de seu Filho Jesus Cristo. Não precisou de alardes para que a devoção-admiração começasse a surgir. Alguém do povo exclama como és grande o Senhor. Do meio da multidão uma voz exalta esta mulher bendita: “Feliz o ventre que te trouxe e os seios que te amamentaram”. (Lc 11,27)

continua...

Vinícius Aparecido de Lima Oliveira
Associado da Academia Marial de Aparecida

Editor-chefe do Projeto: O rosto Mariano do Brasil

Bibliografia:

1. RAVASI, Gianfranco. Os rostos de Maria na Bíblia. São Paulo: PAULUS Editora, 2007.
2. KRIEGER, Murilo S. R. SCJ. Com Maria, a Mãe de Jesus: mariologia para leigos  - Aparecida: Editora Santuário, 2017.
3. PINTO, Rafael Augusto Linhares. Compêndio de Mariologia. São Paulo: Cultor de Livros, 2018, p. 46.
4. PINTO, Rafael Augusto Linhares. Compêndio de Mariologia. São Paulo: Cultor de Livros, 2018, p. 48.
5. UNIÃO MARISTA DO BRASIL - UMBRASIL. Maria no coração da Igreja: múltiplos olhares sobre a mariologia. nº da edição quando for a partir da 2 ed. São Paulo: Paulinas: União Marista do Brasil - UMBRASIL, 2012. nº de páginas p. (Coleção Maria em nossa vida).
6. GERALDO, Márcia Terezinha C. M. O silêncio de Maria. Aparecida, SP: Editora Santuário, 2020.

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