Palavra do Associado

O olhar da Mãe no caminho da cruz

Escrito por Academia Marial

25 MAR 2024 - 16H09 (Atualizada em 28 MAR 2024 - 09H46)

Arte e imagem Centro Aletti, Roma.

No caminho para a cruz, Cristo encontra sua Mãe. No estilo da tradição mais antiga da criação litúrgica propriamente bizantina, a dos kontakion¹ do século VI, os personagens do drama, em intervalos, falam diretamente em diálogos: Maria, a agnella², vendo o seu Cordeiro arrastado para a matança, seguiu-O com outras mulheres, consumida pela dor, clamando-Lhe assim: Para onde vais, ó Filho? Por quem tu embarcas nessa corrida rápida? Talvez haja outro casamento em Caná, e estás se apressando para transformar água em vinho novamente? Venho contigo, ó Filho, ou melhor, fico contigo? Diz-me uma palavra, ó Palavra, não passeis por mim em silêncio..."³

E, em todas as tradições siríacas é cantado o lamento de Maria, atribuído a Santo Efrém, o Sírio (306-376): Maria aproximou-se da cruz e inclinou a cabeça no Gólgota. Ela viu seu Filho suspenso na cruz, e suas lágrimas jorraram de tristeza. E, em sua voz, todo o cosmos chorou e se revestiu de tristeza e tristeza. [...] Quem me dará, meu Filho, as asas da águia para que eu possa voar até os quatro extremos de todo o Universo para convidar todas as nações para as bodas de sua grande morte? [...] Hoje, ó meu Filho, choro e regozijo-me com tua entrada na sepultura. Eu gemo pela sinagoga que foi dispersa e me alegro com a Igreja que foi reunida. Seu túmulo é como o casamento e tu és como o Noivo. E os túmulos se assemelham a casamentos porque anjos desceram neles. [...] Bem-aventurado és tu, ó vítima do perdão, que pela tua morte deste vida aos pecadores.4

Maria olha profundamente nos olhos do seu Filho: o amor nos faz ver de modo semelhante. Maria aceitou e realizou a obra do Espírito Santo, pelo seu fiat o “Verbo se fez carne”. Como é possível? Pode-se questionar! Um cristão tem consciência de que não está trabalhando sozinho. Cada um dos seus atos nasce da sinergia, da colaboração divino-humana, isto é, do seu próprio esforço e da graça do Espírito Santo.

Não há dúvida de que o ponto culminante dessa cooperação é a Encarnação, a Maternidade divina. O Espírito veio na sua plenitude e Maria, como mãe, ofereceu toda a sua colaboração humana, sem reservas, à sua "inspiração".5  O resultado dessa sinergia é o Deus-Homem, Cristo. E é só em sinergia, em colaboração com o Espírito Santo que conseguimos ver a nossa realidade e toda a nossa experiência em relação a Cristo e, de fato, n'Ele.

A Mãe olha profundamente para seu Filho. Voltar os olhos ao Cristo, é coincidir os olhares, caso contrário, o sofrimento e a dor são uma tentação à qual o homem sucumbe. Só o amor pode unir-nos tão completamente a Cristo que vemos na sua carne maltratada e sofrida não só o nosso destino, mas também o sentido em que Ele transformou o mal em bem. Tornar-se semelhante a Cristo no sofrimento significa ser capaz de ver o bem onde ninguém mais o vê.

Maria começa a aprender a sabedoria da cruz, da espada que lhe perfurará o coração (Lc 2, 35), isto é, do sentido salvífico do sofrimento, do fracasso e da morte. O olho exterior olha para um homem espancado e humilhado até à morte, o olho interior unido a Cristo vê a transfiguração do abismo.

Para Nicolas Berdiaev, “toda a vida do Universo, toda a vida da humanidade já é diferente depois da vinda de Cristo, que constitui uma Nova Criação [...]. Se não a virmos com nossos olhos terrenos, é por causa da limitação de nossas faculdades.” Pois, tudo o que Deus criou é bom e nada há de reprovável quando se usa com ação de graças. Porque se torna santificado pela Palavra de Deus e pela oração.” (1Tm 4, 4-5) e dessa atitude de louvor e admiração colhem-se todas as coisas santas.

Assim como a sinergia de Maria com o Espírito Santo dá origem à Encarnação, assim todo cristão formado em uma mentalidade bíblica vê a criação novamente dando à luz os símbolos de Cristo. E, como viu acontecer em Maria, o cristão é chamado a traduzir a Palavra de Deus para a imagem, a fazer desta Palavra uma realidade visível e palpável. O propósito de cada pessoa é, assim, dar à luz uma imagem encarnada de Cristo, o ícone em que nasceu e que o Espírito "repinta" com o óleo da unção batismal.

Wilma Steagall De Tommaso

CV: http://lattes.cnpq.br/8209900139809763

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1 Kontakion é uma forma de hino cantado encontrada nas Igrejas orientais de tradição bizantina.

2 Preferimos deixar em italiano, pois a tradução para agnella seria “cordeiro fêmea”.

3 Alexander SCHMEMANN - Olivier CLÉMENT. Il Mistero Pasquale. Roma: Lipa Edizioni. 1ª Ed. 2003. Ristampa, 2019. p.14

4 Antoine GEBRAN. Il Venerdì santo nel Rito siro-maronita. BELS 136: Roma 2006.p. 335-336. In: Gianmarco BUSCA. La settimana Santa. Roma: Lipa Edizioni, 2014. p.64

5 ŠPIDLÍK, Tomás. Il cammino dello Spirito. Roma: Lipa Edizioni,1995.

Referências

BUSCA, Gianmarco. La settimana Santa. Roma: Lipa Edizioni, 2014.

CAMPATELLI, Maria. Leggere la Bibbia con i Padri. Roma: Lipa Edizioni, 2009.

SCHMEMANN, Alexander; CLÉMENT, Olivier. Il Mistero Pasquale. Roma: Lipa Edizioni. 1ª Ed. 2003. Ristampa, 2019.

ŠPIDLÍK, Tomás. Il cammino dello Spirito. Roma: Lipa Edizioni,1995.

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