Por Thamara Gomes Em Redentoristas Atualizada em 01 SET 2020 - 08H39

Padre Marcelo Araújo fala da esperança que surge da reestruturação das províncias

Na esteira da reestruturação da Congregação do Santíssimo Redentor pelo mundo, o Missionário Redentorista Padre Marcelo Conceição Araújo, da Unidade de São Paulo, assumiu a missão de animar a América Latina e Caribe neste processo.

Por delegação do Governo Geral, ele é o terceiro confrade a assumir o serviço de coordenador da Conferência, criada no XXIV Capítulo Geral da Congregação, realizado em Roma, em 2009.

Em uma entrevista por e-mail, ele comentou sobre os 288 anos de fundação da Congregação Redentorista, apresentou como está a motivação dos Missionários latino-americanos e caribenhos para a reconfiguração das unidades, além de refletir sobre as importâncias pastorais atuais, salientado que: 

"É necessário deixar nossas zonas de conforto, mudar métodos e formas de nossas obras missionárias e adquirir um estilo de vida mais simples, mais próximo de nossos interlocutores”, afirmou o coordenador nessa entrevista de fôlego.

Acompanhe a entrevista completa abaixo. 

A12.
A12.
Padre Marcelo Araújo fala sobre atualização da missão frente ao processo de restruturação e reconfiguração

Redentoristas - No dia 09 de novembro, nossa Congregação do Santíssimo Redentor celebrará 288 anos de fundação. Como é fazer parte desta história jubilosa?

Padre Marcelo - Em minha visão, penso que o perfil do redentorista é um processo coletivo em que cada congregado e cada leigo/a, religioso/a que compartilha nosso carisma e missão tem sua contribuição. Compreendo o rosto redentorista como um grande mosaico que inclui a face de todos, com suas qualidades e também suas limitações e que perpassa todos os tempos e espaços desde nossas raízes com Afonso e os primeiros.

Acredito que o carisma, como dom do Espírito, é dinâmico e tem de responder às condições dos tempos e dos espaços. Ele não é estanque. Nesse sentido, para ser fiel ao Espírito e assim, ao carisma, é necessário ter uma criatividade fiel. Mudar é próprio do Espírito, do que está vivo. Tudo que para, morre. Falo de criatividade fiel e não de fidelidade criativa.

Conservar as raízes, os valores e os princípios é fundamental. Todavia, a forma como os vivemos e encarnamos tem de ser consoante à realidade em que estamos. Fidelidade não significa manter a todo custo, formas passadas que já não respondem às demandas e urgências da missão. Tampouco criatividade significa tomar o atalho do relativismo, desacreditando toda a experiência anterior, tornando tudo fluido, inconsistente sem um referencial. O discernimento é sempre necessário.

Até 2022, 26 Unidades sendo 14 Províncias, 8 Vice-províncias, 2 Regiões e 2 Missões serão reorganizadas em 7 novas Províncias.

Penso que a Congregação hoje, para ser fiel a sua vocação e missão, tem de se reinventar. Discernir no meio da humanidade os rostos dos novos cabreiros, recuperar o sentido da itinerância missionária, mantendo a fidelidade ao evangelho e aos nossos interlocutores na missão, os pobres e abandonados. A fidelidade ao Evangelho e a prioridade dos abandonados e pobres são os dois princípios que dão consistência e direção a nossa missão. Este é o processo que, a meu ver, reafirma a validade e a atualidade de nosso carisma para a Igreja e a sociedade.

Participar nessa história não é assumir uma atitude saudosista, ufanista ou vanguardista. O Espírito nos convida a participar na missão com abertura de coração e de mente. Tenho a impressão de que os processos que estamos empreendendo no hoje da Congregação, apontam-nos para uma nova realidade.

Acompanhar tais processos e incentivar as iniciativas que surgem em todos os campos da vida redentorista é uma grande responsabilidade e um desafio constante. Estar diretamente implicado em todo esse movimento é graça de Deus, que me desafia a sair de meu lugar comum e ter uma visão mais universal da Congregação. Há muita vida e esperança entre os Redentoristas de nosso Continente. Acredito que reunimos um “capital” muito bom para descobrir um novo modo de viver a mesma missão redentorista. Na comunhão e no compartilhar das experiências sairemos mais enriquecidos e melhor preparados para atender aos abandonados e pobres, a quem devemos dirigir nosso olhar prioritário no anúncio da redenção.

arquivo pessoal
arquivo pessoal
Encontro das equipes dos três noviciados da América Latina e Caribe em Aparecida, no ano de 2019


Redentoristas - Desde a fundação, nossa Congregação passou por diversas reestruturações para manter vivo o carisma e a missão Redentorista no mundo. Neste sentido, quais são as principais motivações para a atual reconfiguração da Congregação e das (vice-) Províncias?

Padre Marcelo - Como falei antes, o carisma só se mantém vivo quando é dinâmico e é capaz de se renovar ao longo do tempo. Não podemos ver somente as alterações institucionais como sentido unívoco da reestruturação. Recordo que nas duas últimas décadas do século passado falava-se de refundação da Vida Religiosa Consagrada (VRC). Eu me perguntava se existia outro fundamento fora o de Jesus Cristo e da esperança do Reino. Percebi que, no fundo, obedecendo ao mandato do Concílio Vaticano II, a VRC fez uma autocrítica e percebeu estar muito centrada nas rubricas, hábitos conventuais e nas obras. Tanto que frente à abertura do Concílio, que reconheceu a prioridade da vocação batismal no caminho de santificação, muitos religiosos/as deixaram suas congregações por não encontrar mais sentido nas mesmas.

Dessa forma, falar de refundação não é reviver um passado ou resgatar práticas antigas, mas significa voltar ao fundamento. O sentido e significado da VRC não está nas práticas de piedade (espirituais) ou na execução de obras, mas em ser um caminho de seguimento a Jesus Cristo, que pressupõe uma dedicação total da vida. Trata-se de opção de vida que concentra de forma explícita todo seu sentido na fé, na experiência de Deus. Tal fé é cultivada nas práticas espirituais, na vida fraterna e no serviço prestado à humanidade sofrida, que manifesta a solidariedade da Igreja, sobretudo, com os pobres.

Na esteira da renovação pedida pelo Vaticano II, encontramos a questão da Reestruturação. O processo de renovação das Constituições e a reflexão sobre a refundação nos ofereceram os marcos teológicos da renovação da Vida Religiosa Consagrada (VRC). Entretanto, não se muda uma mentalidade se não houver uma tradução prática e institucional. Tenho a impressão de que muitas das estruturas e das formas de apostolado atuais refletem ainda uma mentalidade pré-conciliar.

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Falar de reestruturação, neste contexto, significa dar um passo além. A partir das inspirações fundamentais da VRC, temos de nos perguntar que estruturas e instituições, a partir da atual realidade da Igreja e da sociedade, nos ajudarão a revitalizar nosso carisma, espiritualidade e missão. Trata-se menos de estruturas e muito de um espírito, de um dinamismo. Reestruturar é inerente à missão, porque o anúncio do Evangelho para chegar como boa notícia e proposta de conversão tem de se adequar ao tempo, à cultura e às condições de cada povo/sociedade.

Felizmente, na Congregação, estamos fazendo uma distinção entre Reestruturação e Reconfiguração. Da forma como expliquei acima, a reestruturação é o espírito que deve dinamizar as instituições e estruturas para que estejam num contínuo processo de renovação e de atualização para que a missão seja eficaz. Por essa razão tem um caráter permanente. A Reconfiguração são mudanças concretas, que obedecem a critérios e objetivos próprios, colocando-os em prática. Elas são cambiantes, segundo as condições e realidades.

Na Conferência da América Latina e Caribe, fizemos a opção de reduzir as 26 Unidades atuais (14 Províncias, 8 Vice-províncias, 2 Regiões e 2 Missões) em 7 novas Províncias. Esse processo de Reconfiguração é parte integrante do Plano Apostólico aprovado pela Assembleia da Conferência e confirmado pelo Conselho Geral. Partindo desse pressuposto, colocamos três objetivos para essa Reconfiguração:

1. Reduzir estruturas e burocracia para que um maior número de congregados esteja empenhado efetivamente na missão. Não se deseja criar superestruturas, mas estar a serviço das urgências missionárias reais.

2. Estabelecer prioridades, segundo as exigências das diferentes regiões da Conferência e, em função dessas prioridades, concentrar forças destinando recursos humanos e financeiros para atendê-las. Nesse sentido, será fundamental já ter um processo interno de reconfiguração das atuais Unidades.

3. Concretizar efetivamente os princípios da solidariedade, compartilhando recursos humanos e econômicos entre as Unidades para o bem da missão.

Renan Ventura
Renan Ventura
Encontro reúne religiosos da Bahia, São Paulo e Rio


Redentoristas
- Como aconteceu o processo de criação da Conferência da América Latina e Caribe, da qual fazemos parte, e qual o seu sentido de sua existência?

Padre Marcelo - A decisão do XXIV Capítulo Geral (2009) que criou as Conferências, deu um suporte institucional ao diálogo e às práticas associativas para a missão que as Unidades já mantinham nas regiões. O enfoque central da criação das Conferências foi dar celeridade ao processo de reestruturação, promovendo maior diálogo entre as Unidades, discernindo urgências e necessidades da missão, incentivando a solidariedade para com as Unidades mais frágeis e superando o provincialismo.

O Documento Final do XXIV Capítulo Geral fala que a Conferência é uma estrutura intermediária entre o Governo Geral e as Unidades para facilitar um discernimento missionário mais amplo e a tomada de decisões. É um fórum de discernimento multilateral que extrapola as realidades das Unidades individuais e que possibilita uma revisão mais profunda da obra redentorista. Por isso, podemos dizer que o campo próprio da Conferência é o acompanhamento e a manutenção das iniciativas missionárias interprovinciais e contribuir para fortalecer o espírito de corpo missionário em nosso continente.

Redentoristas - Como os Redentoristas de nosso continente estão vivendo o processo de reconfiguração? A Pandemia, pela qual estamos passando, pode afetar esse processo? Se sim, de que modo?

Padre Marcelo - Insisto que uma pergunta fundamental é se nas condições atuais da Igreja e do mundo, o anúncio da redenção, ao modo redentorista, ainda é necessário e encontra espaço. Nesse sentido, não importa se no Hemisfério Sul ou Norte, se no Ocidente ou no Oriente, mas a forma como queremos fazer chegar esse anúncio da redenção como esperança para as pessoas.

Grande parte dos métodos e formas missionárias passam por uma crise e já não respondem. Se a reconfiguração significar apenas a somatória de estruturas e não levar a repensar formas, métodos e prioridades missionárias será um processo inócuo, um fazer mais do mesmo. De fato, a questão do reordenamento do mapa das Unidades parece ter polarizado o diálogo. Todavia, anterior ao mapa é o Plano Apostólico a ser implementado e os critérios e objetivos para a reconfiguração.

De modo geral, aos poucos, os confrades estão assimilando o Plano Apostólico e o Projeto de Reconfiguração. Reconhecem a importância de se estabelecer prioridades e a necessidade de deixar nossas zonas de conforto, mudar métodos e formas de nossas obras missionárias e adquirir um estilo de vida mais simples, mais próximo de nossos interlocutores.

No entanto, ainda falta um processo de conscientização e de assimilação prático-existencial que nos leve a adquirir um novo espírito, resgatando o caráter profético de nosso carisma. Há uma inquietação no coração de cada confrade. Nas avaliações, vemos que mais que um mero pessimismo, há um certo consenso tácito de que a forma como estamos vivendo já não responde satisfatoriamente às nossas buscas como religiosos e também às demandas missionário-pastorais. Todavia, dar o passo prático é sempre difícil. Vamos ter de deixar estruturas e coisas, ensaiar métodos e práticas e tudo isso gera medo, receio.

Tenho a impressão de que o primeiro impacto da proposta de reconfiguração já passou. Muitos esperam que as respostas venham das instâncias superiores. No entanto, o bom de todo esse processo é que, embora a iniciativa deva vir de alguns, para se alcançar o objetivo proposto, todos os redentoristas deverão se envolver. A reconfiguração ajudará nesse sentido, porque nos colocará em diálogo com outras tradições, métodos e estilos existentes na Congregação, contribuindo para formar um novo modo de ser redentorista hoje. Oxalá que seja um estilo dinâmico, em processo constante de renovação, segundo nos for inspirando o Espírito.

A pandemia do COVID-19 está sendo uma catástrofe para a humanidade, em particular para os pobres. As medidas sanitárias para a contenção de sua propagação brecaram os trabalhos presenciais da Reconfiguração e nos forçam a encontrar meios alternativos para assistir ao povo. Naquilo que é possível, continuamos a trabalhar através dos meios virtuais.

Em nível do Governo Geral, essa realidade está sendo acompanhada para ver quais serão seus desdobramentos futuros. Em princípio não se pensa em alterar o calendário das mudanças, todavia, tudo dependerá da evolução dessa pandemia e do nível de preparação dos confrades.

Redentoristas - Como coordenador da Conferência Redentorista da América Latina e Caribe, quais são as suas principais atividades e qual a maior graça e o maior desafio nesta missão?


Brasão da Congregação Redentorista

Padre Marcelo - Por determinação do Capítulo Geral, o Coordenador não tem status de superior maior e atua por delegação do Governo Geral. É importante ter claro esse princípio, porque alguns podem confundir o papel do Coordenador, como se o mesmo fosse um “super provincial”.

A atuação do Coordenador está mais na perspectiva da animação e coordenação das experiências interprovinciais e na perspectiva da solidariedade na missão. Por isso, deve assistir em todo seu decurso o processo de unificação das Unidades, acompanhar as comissões e organismos em nível de Conferência, acompanhar e animar a formação interprovincial, fortalecer a missão compartilhada com leigos/as e família religiosa redentorista, animar a presença redentorista nas missões da Conferência e incentivar iniciativas de formação continuada no nível interprovincial, entre outros.

Minha opinião é que a própria nomenclatura do encargo, “Coordenador”, já traduz um pouco sua missão. O Coordenador, auxiliado por seu Conselho, tem por função prioritária animar o diálogo e o discernimento entre as diferentes partes para as decisões que transcendem à esfera particular das Unidades e que requerem um trabalho interprovincial.

A maior graça que encontro nesse trabalho é perceber que a Congregação tem uma presença significativa em todo nosso Continente. Isso corrobora o pensamento de que estamos nos reconfigurando não porque estamos premidos pela precariedade da situação, mas porque estamos priorizando nossa missão e desejamos fortalecer nossa presença naqueles lugares que mais precisam de nosso anúncio da misericórdia.

O grande desafio consiste ainda na superação a mentalidade provincialista e em despertar a coragem para deixar obras e frentes apostólicas, empreendendo um êxodo para as periferias de nosso Continente, a que por vocação somos chamados a atender.

Colaborou na entrevista: Frater Jonas Luiz de Pádua, C.Ss.R.

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