Comunicação

Ouçamos a CNBB sobre os perigos da manipulação religiosa e fake news

Mariana Mascarenhas

Escrito por Mariana Mascarenhas - Redação A12

10 SET 2022 - 07H00

Freepik

Nós estamos a menos de um mês das Eleições brasileiras de 2022, período em que elegeremos candidatos a deputado federal e estadual, senador, governador e presidente. Diante desse momento decisivo, mais uma vez, o Brasil sofre com a polarização radical que se instaurou sobre o País, marcada por brigas e até mesmo assassinatos, conflitos incessantes nos cenários digitais e reais, e uma infinidade de fake news propagadas à exaustão, as quais são potencializadas pelas mídias digitais.

Opiniões políticas divergentes são naturais e devem fazer parte de uma sociedade saudável, afinal vivemos em um regime democrático e as diferenças são necessárias para que possamos ver além de nosso próprio campo de visão e complementá-lo a partir de outras visões, enxergando o todo e não somente as partes.

Leia MaisContra as fake news entre os povos indígenas!O grande problema acontece quando cada indivíduo está inserido em sua bolha, a qual é “alimentada” apenas por aquilo que é condizente com sua crença. Assim, muitas inverdades se tornam “verdades absolutas” e o simples pensar diferente já não é mais aceito em determinados grupos.

Até a nossa democracia está sendo questionada e afetada por fake news e manipulações que visam gerar questionamentos implausíveis sobre a integridade do processo eleitoral brasileiro.

Considerando todo esse cenário, é louvável e urgente a mensagem emitida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) durante a sua 59ª Assembleia Geral, que reuniu 292 bispos católicos brasileiros na cidade de Aparecida (SP), entre os dias 28 de agosto e 2 de setembro.

Na mensagem, os bispos se dirigem “a todos os homens e mulheres de boa vontade” com o intuito de chamar a atenção sobre a seriedade do momento atual que estamos vivendo, reforçando nosso compromisso com a promoção, o cuidado e a defesa da vida.

No documento, é destacada a complexa e sistêmica crise que envolve o nosso país, escancarando um problema histórico, enraizado na sociedade brasileira: a desigualdade estrutural. A maneira conturbada como vivemos também é destacada na mensagem:

“Constatamos os alarmantes descuidos com a Terra, a violência latente, explícita e crescente, potencializada pela flexibilização da posse e porte de armas, que ameaçam o convívio humano harmonioso e pacífico na sociedade.”

Joa Souza/ Shutterstock
Joa Souza/ Shutterstock

O desemprego e a falta de acesso a uma educação de qualidade para todos foram citados, em seguida, como aspectos preocupantes, porém a fome é descrita como o mais cruel e criminoso deles, já que a alimentação é um direito inalienável, conforme ressalta o Papa Francisco na Fratelli Tutti.

Leia MaisUm mundo desigual ou injusto?Para complementar, o documento cita o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2022), que constatou um dado grave: o número de brasileiros que lidam com algum tipo de insegurança alimentar ultrapassou a marca de 60 milhões.

Cenário que se faz presente nas mais diversas regiões do país, com famílias inteiras em situação de rua, por exemplo, ou dentro de seus lares, sem saber quando voltarão a ter uma refeição digna.

Mesmo com tudo isso, o próprio Presidente da República chegou a duvidar da fome em entrevista a um programa de TV, algo extremamente perigoso. Afinal, se um cidadão comum pode causar prejuízos ao influenciar determinados grupos de pessoas propagando inverdades, o que dizer do líder de uma nação?

Além disso, no documento, os bispos não deixaram de manifestar sua preocupação com a manipulação religiosa e a disseminação de fake news, capazes de provocar desarmonia entre pessoas, povos e culturas, o que configuraria uma ameaça à democracia:

“A manipulação religiosa, protagonizada por políticos e religiosos, desvirtua os valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que necessitam ser debatidos e enfrentados em nosso Brasil. É fundamental um compromisso autêntico com o Evangelho e com a verdade”.

Em uma matéria publicada no Le Monde Diplomatique Brasil sobre a questão das fake news, o cientista social do Centro para o Cérebro, Biologia e Comportamento (Universidade de Nebraska, Estados Unidos), Davi Carvalho, ressaltou que muitas dessas pessoas, ao receber uma informação, mesmo que constatem ser mentira, não a ignoram, pelo simples fato da mensagem ser coerente com sua maneira de pensar. Trata-se de um fenômeno descrito por Carvalho como dissonância cognitiva.

Leia MaisRedes sociais: ameaça para a humanidade? Na reportagem, ele ressaltou que o fenômeno acontece “quando pessoas têm necessidade de estabelecer uma coerência entre suas cognições (seus conhecimentos, suas opiniões, suas crenças), que acreditam ser o certo, com o que se apresenta como opção de comportamento ou de pensamento.”

Outra questão importante levantada por Carvalho é o sentimento de pertença que muitas dessas pessoas possuem. Ao acreditarem em determinada crença e se inserirem em uma comunidade cujos membros compartilham da mesma ideia, elas automaticamente passam a ignorar toda e qualquer informação diferente daquela que seja coerente com sua bolha.

Enfim, celebrando os 200 anos da Independência do Brasil, vemos que há muitos aspectos que precisam ser revistos e melhorados, como os bispos nos chamam a atenção no documento:

“Ao comemorarmos o bicentenário da Independência do Brasil, é fundamental ter presente que somos uma nação marcada por riquezas e potencialidades, contudo, carente de um projeto de desenvolvimento humano, integral e sustentável. Vítimas de uma economia que mata, celebramos as conquistas desses 200 anos de independência conscientes de que condições de vida digna para todos ainda constituem um grande desafio.

Leia MaisO compromisso de narrar a realidade com transparênciaNa mensagem, ainda é ressaltada a necessidade de um compromisso autêntico com a verdade, com a promoção de políticas de Estado capazes de contribuir de forma efetiva para a diminuição das desigualdades, a superação da violência e a ampliação do acesso a teto, trabalho e terra:

“Comprometidos com essas conquistas e inspirados pela cultura do diálogo e do encontro, podemos ser uma nação realmente independente e soberana.”

Porém, para que tudo isso aconteça, precisamos romper nossas bolhas, como tenho insistido constantemente em meus artigos, e ver a realidade que se apresenta, ou, do contrário, nossa sociedade estará fadada a ruínas, incluindo nossa democracia, que também foi citada na mensagem da CNBB:

“Nossa jovem democracia precisa ser protegida, por meio de amplo pacto nacional. Isso não significa somente ‘um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticos'"citando o Compêndio da Doutrina Social da Igreja.

Que possamos, então, tirar a venda dos nossos olhos e enxergar o mundo real que nos cerca.


add_box Para ler a mensagem na íntegra, acesse:

:: Bispos brasileiros divulgam mensagem ao Povo de Deus

Ou então, clique aqui.


add_circle  LEIA TAMBÉM:

.:: É preciso voltar a se indignar!

Fonte: CUNHA, Magali; DAÉBS, Bianca; SANTANA, Tarcilo. Fake news nas igrejas: uma epidemia a ser curada. Le Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: https://diplomatique.org.br/fake-news-nas-igrejas-uma-epidemia-a-ser-curada/

Escrito por
Mariana Mascarenhas
Mariana Mascarenhas - Redação A12

Jornalista e Mestra em Ciências Humanas. Atua como Assessora de Comunicação e como Articulista de Mídias Sociais, economia e cultura.

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