Palavra do Associado

Teofanias: A manifestação de Deus no Tempo

Escrito por Academia Marial

19 FEV 2022 - 12H15

A face mais enigmática e procurada da história da humanidade está no centro das manifestações de Fé de muitas religiões. O Salmista canta este desejo mais profundo que brota das entranhas humanas: “Minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo: quando voltarei a ver a face de Deus?” (Salmo 42,3). A busca pela Face de Deus é uma busca que nos convida incessantemente a voltar às nossas origens como nos recorda o Papa emérito Bento XVI.

De muitos modos Deus se manifestou ao seu povo no Antigo Testamento. Tais manifestações recebem o nome de Teofanias. De origem grega teofania é a combinação de duas palavras, theos, que significa “Deus”, e phainein, que significa “mostrar” ou “manifestar”. Portanto, teofania significa “manifestação de Deus”. Essas manifestações são tangíveis aos sentidos humanos. No sentido mais restritivo, é uma aparência visível da primeira pessoa da Santíssima Trindade (Deus) no Antigo Testamento, muitas vezes, mas não sempre, em forma humana.

As aparições de Deus ocorreram em momentos tidos como decisivos no decorrer da história da humanidade. Deus revela a sua vontade através de outras pessoas e até mesmo anjos que aparece visivelmente. A linguagem das Teofanias é diferente da linguagem antropomórfica, que atribui características humanas a Deus. Os grandes estudiosos do assunto afirmam que grande parte das teofanias em que Deus aparece em forma humana ocorreu no Antigo Testamento. Ao longo dos tempos, as teofanias surgiram de formas diferentes e as aparições do Deus de Israel assumiram diferentes formas visuais. Aparições em sonhos e visões, e outras ainda, que ocorreram diante dos olhos dos homens. Aparições simbólicas também são identificadas nas Sagradas Escrituras, onde Deus se deixou ser percebido através de símbolos e não na forma humana.

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Há textos veterotestamentários em que as manifestações teofânicas estão intimamente ligadas a fenômenos naturais, como em Êxodo 3,2-6: “O anjo de Javé apareceu a Moisés numa chama de fogo do meio de uma sarça. Moisés prestou atenção: a sarça ardia no fogo, mas não se consumia. Então Moisés pensou: “Vou chegar mais perto e ver essa coisa estranha: por que será que a sarça não se consome?” Javé viu Moisés que se aproximava para olhar. E do meio da sarça, Deus o chamou: “Moisés, Moisés!”. Ele respondeu: “Aqui estou”. Deus disse: “Não se aproxime. Tire as sandálias dos pés, porque o lugar onde você está pisando é um lugar sagrado”. E continuou: “Eu sou o Deus de seus antepassados, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacó”. Então Moisés cobriu o rosto, pois tinha medo de olhar para Deus”. Em Isaías 63,9 e em Êxodo 23,20-23 vemos manifestações teofânicas em forma do Anjo do Senhor: “Vou enviar um anjo na frente de você, para que ele cuide de você no caminho e o leve até o lugar que eu preparei para você. Respeite-o e obedeça a ele. Não se revolte, porque ele leva consigo o meu nome, e não perdoará suas revoltas. Contudo, se você lhe obedecer fielmente e fizer tudo o que eu disser, então eu serei para você inimigo de seus inimigos e adversário de seus adversários. Meu anjo irá à frente de você e o levará aos amorreus, heteus, ferezeus, cananeus, heveus e jebuseus, e eu acabarei com eles” (Êxodo 23,20-23).

A maioria das referências, no entanto, traz em comum um ou alguns dos seguintes elementos:

  • Temporaneidade. As aparições de Deus serviam a um propósito específico e, tão logo esse propósito era alcançado, o Senhor se retirava;
  • Salvação e julgamento. As aparições de Deus eram frequentemente realizadas para fins de libertação de seu povo e, às vezes, para fins de julgamento;
  • Atribuição de santidade. Os locais nos quais Deus aparecia tornavam-se, temporariamente, locais santos;
  • Parcialidade das revelações. Os humanos não são capazes de contemplar Deus em sua totalidade, logo, os vislumbres de Deus e/ou sua glória sempre mostraram-se parciais.
  • Resposta temerosa. Uma vez que os humanos se davam conta de que presenciavam uma manifestação de Deus, sua resposta psicológica instantânea era o medo;
  • Mutação no ambiente. As manifestações divinas frequentemente promoviam um distúrbio no ambiente natural em que ocorriam;
  • Escatologia esboçada. As teofanias permitiram uma antevisão do papel de Deus no fim dos tempos;
  • Palavras teofânicas. O único motivo para as aparições de Deus era a transmissão de uma mensagem; Deus só aparecia por ter a intenção de transmitir uma mensagem específica.¹

No artigo “Aparições e Revelações particulares – Um olhar sobre Subsídio Doutrinal 1 da CNBB” vimos que as aparições marianas a seu modo manifestam a presença de Deus entre os homens enquanto caminham neste vale de lágrimas rumo a Pátria definitiva e chamam a atenção para o Evangelho de Cristo.

Visto que, em suas Aparições, Maria se manifesta como porta-voz do Deus que é “luz que ilumina todas as realidades, como Trindade que devemos adorar e amar, como Deus vingador da maldade humana, que se entristece por causa dela” (FIORES,2008,p.31), analisaremos a seguir manifestações teofânicas em três grandes aparições marianas: Fátima, Guadalupe e Graças.

Luz Natural (Fátima)

A luz natural, visível. Um hino que louva “Javé” pelas maravilhas da criação descreve-o assim: “envolvidos em luz como num manto” (Sl 104,2). A partir do simbolizante observável, o contemplativo pode intuir a vida imaterial do Senhor. Podemos falar aqui de uma manifestação habitual do Transcendente no cosmo.³

As aparições marianas nos apontam a presença de Deus como outrora. A presença desta luz divina pode-se observar nas aparições de Nossa Senhora em Fátima:

“Nossa Senhora de Fátima é, por conseguinte uma pessoa viva e resplandecente, que vem do além (Sou do céu), desce sobre uma árvore e conversa amavelmente com os pastorinhos. A fonte da sua luz é Deus, invocado como Trindade, do qual Ela provém e ao qual regressa. Nela os pastorinhos veem todas as realidades: Nossa Senhora, a si mesmos, o inferno. Dir-se-ia de Fátima o que se diz da teologia ou da fé: veem todas as realidades sub lumine Dei (na luz de Deus)” (FIORES,2008,p.31).

Teofania Simbólica (Guadalupe)

A Bíblia praticamente não usa os astros como símbolos divinos. Só se encontram vestígios de tal mentalidade simbólica, eles estão indefectivelmente desligados de qualquer significação religiosa. Um só texto parece ter escapado ao filtro: “Javé Deus (é) um sol” (Sl 84,12). 4

As aparições marianas em Guadalupe nos apontam a presença de Deus como Sol que nos comunica vida e salvação.

“A mulher vestida de sol no Apocalipse (Ap 12,1) refere-se à Igreja, e também pode ser a figura de Maria. Em diversas culturas, o sol é a representação da divindade. Cristo é invocado na Liturgia como sendo sol nascente que nos vem visitar (Lc 1,78). Em Guadalupe, a Virgem aparece na tilma de Juan Diego revestida de raios solares”.5 Contemplamos aqui uma Teofania onde Deus se manifesta em terras ameríndias a partir de Maria que vem fazer nascer para todos nós o sol da justiça.

Símbolo Teofânico (Rue du Bac)

As nuvens aparecem frequentemente nas epifanias das divindades, seja como simples atributo, seja como veste ou tenda, seja como veículo espacial. Em nossa terminologia, trata-se, no caso, de um símbolo teofânico. Às vezes o simbolismo da nuvem é como que absorvido pelo da tempestade, do raio e da chuva (poder divino ameaçador ou fecundante). No último caso, a nuvem aparece mais como o invólucro masculino da semente divina e/ ou cósmica.6

A aparição mariana na Rue du Bac, em Paris, nos aponta a presença de Deus através da nuvem que envolve a visão da Medalha Milagrosa. Deus se manifesta como confirmação do desejo de cunhar as medalhas.

“Em 27 de novembro de 1830, na Capela das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, a jovem noviça Catarina Labouré teve uma visão de Nossa Senhora entre as nuvens: estava de pé sobre um globo, segurando com as duas mãos outro globo menor, sobre o qual aparecia uma cruz de ouro”.7

Tanto a fé Judaica quanto a fé cristã estão fundadas na autocomunicação de Deus, isto é, na sua autorrevelação a partir de sua teofanias (manifestação de Deus). Sempre há uma relação estreita entre duas dimensões da revelação:

  • a) Deus é criador onipotente;
  • b) Seu amor misericordioso pelo ser humano não tem limites.

Ele se revelou a Abraão, tornando-o pai de uma grande nação. Ele se manifestou a Jacó, de quem trocou o nome para Israel, fazendo dele um grande Patriarca. Ele se apresentou a Moisés numa sarça ardente, e expressou sua compaixão e decisão de libertar os escravos do Egito. Ele, de diferentes modos, falou aos profetas de Israel, como no monte Horeb: em meio à brisa suave, se manifestou ao profeta Elias. Para falar aos homens e mulheres de diferentes tempos, Deus se vale de linguagem e símbolos capazes de comunicar sinais do inefável num contexto concreto.8

Vinícius Aparecido de Lima Oliveira
Associado da Academia Marial de Aparecida

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Bibliografia:

1. CONTEÚDO aberto. In: Teologia Expressa – Teofanias no Antigo Testamento Disponível em: < http://teologiaexpressa.blogspot.com/2012/10/teofanias-no-antigo-testamento.html >. Acesso em: 12 fev 2022.

2. CONTEÚDO aberto. In: Teologia Expressa – Teofanias no Antigo Testamento Disponível em: < http://teologiaexpressa.blogspot.com/2012/10/teofanias-no-antigo-testamento.html >. Acesso em: 12 fev 2022.

3. GIRARD, Marc. Os símbolos na Bíblia: ensaio de Teologia Bíblica enraizada na experiência humana universal / Marc Girard; tradução Benôni Lemos. – São Paulo; Paulus, 1997.

4. GIRARD, Marc. Os símbolos na Bíblia: ensaio de Teologia Bíblica enraizada na experiência humana universal / Marc Girard; tradução Benôni Lemos. – São Paulo; Paulus, 1997.

5. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Sob o olhar de Guadalupe: sinais do céu sobre a terra / Dom Leomar Antônio Brustolin. – São Paulo: Paulus, 2020.

6. GIRARD, Marc. Os símbolos na Bíblia: ensaio de Teologia Bíblica enraizada na experiência humana universal / Marc Girard; tradução Benôni Lemos. – São Paulo; Paulus, 1997.

7. ZANON, Darlei. Nossa Senhora de todos os nomes: orações e história de 365 títulos marianos / Frei Darlei Zanon. – São Paulo: Paulus, 2019.

8. BRUSTOLIN, Leomar Antônio. Sob o olhar de Guadalupe: sinais do céu sobre a terra / Dom Leomar Antônio Brustolin. – São Paulo: Paulus, 2020.

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